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Pressões de todos os lados estão criando o equivalente geopolítico da mudança climática

Thomas L. Friedman

15/07/2014 00h02

Nos anos 60, havia uma série popular –"Agente 86"– sobre um agente secreto atrapalhado chamado Maxwell Smart, interpretado por Don Adams. A série ficou famosa por introduzir o sapatofone para o público americano, assim como outra coisa: sua própria versão do mundo bipolar. Você se recorda do nome da agência de inteligência para a qual Maxwell Smart trabalhava? Ela se chamava "Controle". E você se recorda do nome da oponente global do Controle? Ela se chamava "Kaos" –"uma organização internacional do mal".

Os criadores de "Agente 86" estavam à frente de seu tempo. Porque cada vez mais parece que o mundo pós-pós-Guerra Fria está se dividindo no mundo da "ordem" e no mundo da "desordem" –ou no mundo do "Controle" e o mundo do "Kaos".

Como assim? Primeiro, nós dissemos adeus ao imperialismo e ao colonialismo, e todos os seus métodos de controle de território. Então dissemos adeus ao sistema de alianças da Guerra Fria, que escorava muitos Estados fracos e recém-independentes com dinheiro para construção de infraestrutura e para compra de armas para controle de suas fronteiras e populações –porque a estabilidade de cada casa no tabuleiro global de xadrez importava para Washington e para Moscou.

E, ultimamente, nós estamos dizendo adeus às monarquias e autocracias de cima para baixo, de mão-de-ferro, que estão sendo contestadas por cidadãos altamente urbanizados, tecnologicamente empoderados.

Assim, hoje, há três sistemas básicos: ordem proporcionada por governos democráticos e inclusivos; ordem imposta por governos exclusivistas autocráticos; e espaços não governados ou governados caoticamente, onde Estados fracassados frágeis, milícias, tribos, piratas e gangues disputam uns contra os outros pelo controle, mas não há nenhum centro de poder para atender o telefone –ou quando há, ele cai.

Olhe ao redor: o Boko Haram sequestra na Nigéria 250 meninas e então desaparece em um canto escuro daquele país. O Estado Islâmico no Iraque e no Levante, ou EIIL, uma milícia jihadista, estabeleceu um califado dentro da Síria e do Iraque, além de se gabar pelo Twitter de decapitar seus oponentes. A Otan decapitou o regime da Líbia, causando uma guerra entre tribos e milícias de todos contra todos, que, somando ao colapso no Chade, espalhou armas e refugiados por todas as fronteiras africanas, ameaçando a Tunísia e o Marrocos. Israel foi tomada por mais de 50 mil refugiados eritreus e sudaneses, que cruzaram o deserto do Sinai a pé, de carro ou ônibus à procura de trabalho e segurança na "ilha de ordem" de Israel.

E, desde outubro, os Estados Unidos recebem uma enxurrada de mais de 50 mil menores desacompanhados da Guatemala, El Salvador e Honduras. "Eles estão fugindo das ameaças e violência em seus países de origem", notou Vox.com, "onde a situação ficou tão ruim que muitas famílias acreditam não ter escolha a não ser enviar seus filhos na longa e perigosa jornada para o norte".

Por que isso está acontecendo agora? Ora, assim como argumentei que "acabou o mediano" para os trabalhadores, agora também "acabou o mediano para os Estados". Sem o sistema da Guerra Fria para escorá-los, não é mais fácil para Estados fracos fornecer um mínimo de segurança, empregos, saúde e bem-estar. E graças aos rápidos avanços no mercado (globalização), na Mãe Natureza (a mudança climática e a destruição ecológica) e na Lei de Moore (poder de computação), alguns Estados estão simplesmente explodindo com a pressão.

Sim, nós estragamos o Iraque, mas não é possível entender o levante na Síria a menos que se entenda como uma seca horrível de quatro anos ali, somada à explosão demográfica, minou sua economia.

Não dá para entender o levante no Egito sem vinculá-lo à crise global do trigo de 2010 e a alta do preço dos pães, que inspirou o canto contra Hosni Mubarak? "Pão, liberdade, dignidade". Também não dá para entender o estresse no Egito sem entender o desafio que o imenso pool de mão de obra da China representa em um mundo globalizado para todos os outros países de baixa renda. Entre em uma loja de suvenires no Cairo, compre um cinzeiro das pirâmides e olhe embaixo. Eu aposto que diz "Made in China". O sistema atual da globalização premia os países que tornam seus trabalhadores e mercados eficientes o bastante para participar das redes globais de fornecimento de bens e serviços mais rápido do que nunca –e pune aqueles que não mais duramente que antes.

Não dá para entender o avanço do EIIL ou a Primavera Árabe sem o avanço implacável da computação e das telecomunicações –Lei de Moore– criando tantas ferramentas baratas de comando e controle pela internet a ponto de superempoderar pequenos grupos para recrutar seguidores, desafiando os Estados existentes e apagando fronteiras. Em um mundo plano, as pessoas podem ver mais rapidamente o quanto estão atrasadas e se organizarem mais rápido do que nunca para protestar. Quando a tecnologia penetra mais rapidamente que a riqueza e a oportunidade, cuidado.

As pressões somadas do mercado, Mãe Natureza e Lei de Moore estão criando o equivalente geopolítico da mudança climática, argumenta Michael Mandelbaum, autor de "The Road to Global Prosperity", e "algumas espécies familiares de governo não conseguem sobreviver ao estresse".

Assim, poupe-me por favor do "é tudo culpa do Obama". Há muitos motivos para criticar Obama, mas nem tudo se trata do que fazemos. Há forças imensas agindo nesses países e será necessária uma colaboração extraordinária por todo o mundo da ordem para contê-las. Eu falarei a respeito disso na próxima coluna.

Linha do tempo

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