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Economia de compartilhamento ganha destaque apesar de más notícias

Em 5 de julho de 2014, o Airbnb recebeu um total de mais de 330 mil usuários hospedados ao redor do mundo --em milhares de cidades e em mais de 160 países diferentes - Reprodução
Em 5 de julho de 2014, o Airbnb recebeu um total de mais de 330 mil usuários hospedados ao redor do mundo --em milhares de cidades e em mais de 160 países diferentes Imagem: Reprodução

Thomas L. Friedman

23/07/2014 00h01

Da Ucrânia ao Oriente Médio, alguns maus atores --o Hamas, Vladimir Putin e os colonos israelenses, para citar alguns poucos-- estão tentando enterrar o futuro com o passado e dividir as pessoas. Em vez de me concentrar neles ainda mais, prefiro escrever sobre uma empresa que está enterrando o passado com o futuro, e na verdade unindo estranhos.

No ano passado, entrevistei Brian Chesky, um dos cofundadores do Airbnb.com, sobre a emergente economia de compartilhamento, liderada por empresas como o aplicativo de táxi por demanda Uber e o Airbnb, que fornece uma plataforma para pessoas alugarem seus quartos vagos, casas, castelos e tendas para estranhos, com a mesma facilidade que você faria uma reserva no Marriott. Nós nos encontramos de novo, e Chesky mostrou o crescimento que sua empresa experimentou nos últimos 12 meses --um crescimento tão rápido que mostra que esta nova economia de compartilhamento é real e cada vez mais será uma fonte de renda para mais e mais pessoas.

Chesky ofereceu esta amostra dos mais recentes números do Airbnb: "Nós temos mais de 3 mil castelos, 2 mil casas de árvore, 900 ilhas e 400 faróis disponíveis para reserva no site. Em uma noite recente, mais de 100 pessoas estavam pernoitando em tendas."

"Dentre os hóspedes pelo Airbnb em um fim de semana recente, 56% o estavam fazendo pela primeira vez. Na semana passada, os hóspedes deixaram avaliações dos anfitriões em 42 línguas diferentes. Um total de mais de 17 milhões de usuários já se hospedaram pelo Airbnb. Foram precisos quase quatro anos para o Airbnb atingir seu primeiro milhão de hóspedes. Agora, 1 milhão de hóspedes utilizam o Airbnb a cada mês."

"Cerca de 120 mil pessoas se hospedaram no Brasil em quartos alugados por meio do Airbnb para a Copa do Mundo, incluindo viajantes de mais de 150 países diferentes. Os anfitriões do Airbnb no Brasil ganharam quase US$ 38 milhões (cerca de 84,3 milhões) em reservas durante a Copa do Mundo. Em média, os anfitriões no Rio ganharam cerca de US$ 4 mil (cerca de R$ 8,8 mil) durante o torneio de um mês --cerca de quatro vezes a média salarial mensal no Rio. E cerca de 189 hóspedes alemães se hospedaram com brasileiros na noite da partida da semifinal da Copa do Mundo entre Brasil e Alemanha."

Em 5 de julho de 2014, o Airbnb teve sua maior noite. "Sua plataforma recebeu um total de mais de 330 mil usuários hospedados ao redor do mundo --em milhares de cidades e em mais de 160 países diferentes", disse Chesky. Em Paris, quase 20 mil pessoas se hospedaram em quartos do Airbnb em 5 de julho. Em 2012, esse número era de menos de 4 mil.

Qual é o segredo? Quem poderia imaginar que tantas pessoas alugariam quartos em suas casas para estranhos e que tantos estranhos se hospedariam em quartos vagos de outras pessoas?

A resposta curta é que o Airbnb entendeu que o mundo estava se tornando hiperconectado --o que significa que a tecnologia estava disponível para conectar qualquer locador com turistas e viajantes a negócios em qualquer parte do planeta. E se alguém criasse uma plataforma confiável para uni-los, um valor imenso poderia ser criado para ambas as partes. Essa foi a verdadeira inovação do Airbnb --uma plataforma de "confiança"-- onde todo mundo pode não apenas ver a identidade de todo mundo, mas também avaliá-las como hóspedes ou anfitriões bons, ruins ou indiferentes. Isso significa que todo mundo usando o sistema desenvolveria rapidamente uma "reputação" relevante, visível por todos no sistema.

Pegue identidades confiáveis e reputações relevantes e as coloque juntas na Internet e, de repente, você tem 120 mil pessoas se hospedando em lares brasileiros em vez de hotéis na Copa do Mundo. Obviamente, há exceções e maçãs ruins, e a Airbnb fornece um seguro contra danos no valor de US$ 1 milhão (cerca de R$ 2,2 milhões) para esses casos, mas os números dizem que o sistema está funcionando para muita gente.

"Eu acho que estamos voltando ao ponto em que o mundo é novamente uma aldeia --um lugar onde muita gente conhece umas às outras e confia umas nas outras (...) e onde todo mundo tem uma reputação que todo mundo conhece", disse Chesky, 32. "No Airbnb, todo mundo tem uma identidade."

Você não pode alugar um quarto de alguém ou para alguém a menos que crie um perfil. E quanto mais informação você coloca em seu perfil --licença, passaporte, página no Facebook e avaliações de pessoas que se hospedaram com você-- mais clientes provavelmente aparecerão. E quanto melhor a reputação que você ganha com as avaliações, "mais outras pessoas vão querer trabalhar com você", acrescentou Chesky. "Todo o atrito social devido à falta de confiança é removido." No processo, "você destrava todo esse valor e o mundo volta a se parecer com uma comunidade".

Mas o que acontece à "propriedade"?

"Antes havia um romantismo a respeito de propriedade, porque significava que você era livre, era empoderado", respondeu Chesky. "Eu acho que agora, para a geração mais jovem, a propriedade é vista como um fardo. Os jovens só querer ter aquilo pelo que desejam ser responsáveis. E muita gente da minha idade não quer responsabilidade por um carro e uma casa e ter muitas coisas em toda parte. O que eu quero ser é dono da minha reputação, porque neste mundo hiperconectado, a reputação lhe dá acesso a todo tipo de coisas agora. (...) Sua reputação agora é como ter uma chave gigante que lhe permite abrir mais e mais portas. (Os jovens) de hoje não querem ser donos dessas portas, mas eles ainda querem as chaves que as destrancam" --para alugarem um quarto ocioso, ensinar uma habilidade, ser motorista para as pessoas e ou ser guiado.

E o que isso significará para os empregos tradicionais?

Hoje, disse Chesky, "você pode ter muitos empregos e muitos tipos diferentes de renda, e você acumulará diferentes reputações, com base nas críticas de pares, por múltiplas plataformas de pessoas. (...) Você pode começar entregando comida, mas como aspirante a chef, você pode começar a preparar seus próprios pratos e entregá-los, e futuramente passar a preparar refeições caseiras e oferecer uma experiência de jantar em sua própria casa". Assim como o Airbnb "conseguiu encontrar um uso para esse espaço que você tinha ocioso, será o mesmo com as pessoas. Essa habilidade, esse hobby que você tinha, mas nunca utilizou", a economia de compartilhamento será capaz de transformar isso em dinheiro.

Quão rapidamente isso acontecerá dependerá, em parte, dos reguladores e coletores de impostos de diferentes cidades --muitos dos quais não gostam de pessoas transformando quartos vagos em hotéis ou suas cozinhas em restaurantes temporários. A economia de compartilhamento pode complementar a existente, e tornar a torta maior. Mas quanto maiores ficam os Ubers e Airbnbs, mais aqueles que já estão estabelecidos resistirão a eles. Essa será a luta entre a economia do século 20 e a economia do século 21.

A economia do século 20 foi movida por grandes empresas que padronizaram tudo, porque não conheciam de verdade seus clientes, argumentou Chesky. "A economia do século 21 será movida pelas pessoas" --onde todos os compradores têm identidade e todos os produtores têm reputações pessoais-- "de modo que poderei vender algo diretamente para você e encantar e surpreender você, e as opções entre as quais escolher não serão quatro, mas 4 milhões".

Eu não sei se é assim que as coisas se desenvolverão, mas dado o rápido crescimento do Airbnb, o argumento de Chesky certamente conta com minha atenção.