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Árabes e israelenses precisam colaborar e passar a lutar juntos

Thomas L. Friedman

No kibutz Ein Hashlosha (Israel)

09/08/2014 00h01

Às 6h02 da manhã de sábado, a sirene de ataque aéreo soou em Tel Aviv, Israel. Eu fui despertado em meu quarto por funcionários do hotel e levado para uma área de elevador de serviço sem janelas juntamente com duas famílias francesas, todos de pijama. Após 10 minutos, quando passou a ameaça de míssil do Hamas, nós pudemos voltar aos nossos quartos. Ao voltar para a cama, o alto-falante do hotel avisou: "Caros hóspedes, vocês podem voltar à sua rotina".

Com Israel e o Hamas encerrando sua guerra mais recente, eu só conseguia me perguntar se o gerente do hotel também estava falando com eles. É assim? Mais de 60 soldados israelenses e cerca de 1.800 combatentes do Hamas e moradores de Gaza --muitas centenas deles crianças e civis-- mortos, e todo mundo apenas retorna para sua rotina? Eu acho que não. Algumas coisas novas e significativas foram reveladas aqui.

Vamos começar pela luta. Desde o início dos anos 2000, o Irã e seus representantes, o Hizbollah e, até recentemente, o Hamas, buscaram uma estratégia de três pilares para Israel. O primeiro é uma guerra assimétrica, principalmente usando foguetes baratos, para paralisar as cidades israelenses. Por ora, o sistema antimísseis Domo de Ferro de Israel parece ter anulado essa arma; os foguetes do Hamas virtualmente não causam danos.

O segundo pilar, que estreou na guerra de 2006 entre Israel e o Hizbollah, é posicionar os foguetes e lançadores de foguetes entre a população densamente agrupada em Gaza, forçando Israel a uma guerra onde só pode derrotar ou deter o Hamas se correr o risco de acusações de crimes de guerra. Ninguém aqui dirá isso explicitamente, mas basta apenas estudar esta guerra para entender que Israel considera central em sua estratégia de dissuasão que nem o Hamas e nem o Hizbollah nos "superem em loucura". Eu não acredito que Israel visava os civis de Gaza --eu acredito que tentou evitá-los-- mas, no final, não se deixou deter pela perspectiva de baixas colaterais substanciais entre civis. O Hamas usou os civis de Gaza como isca para crimes de guerra. E Israel fez o que achava necessário para provar ao Hamas que "vocês não serão mais loucos do que nós nesta região". Tudo foi muito feio. Esta não é a Escandinávia.


O terceiro pilar da estratégia do Irã/Hizbollah/Hamas é: Israel deve ocupar para sempre os palestinos na Cisjordânia, porque a perpetuação desta ocupação colonial é essencial para que Israel perca sua legitimidade e fique isolado no cenário mundial --especialmente entre os jovens ocidentais-- e para que os muçulmanos sejam energizados contra Israel. Nisso, o Hamas conseguiu uma grande vitória. Nós vimos isso claramente na decisão da FAA (Administração Federal de Aviação Americana, na sigla em inglês) de proibir voos americanos a Tel Aviv, após um único foguete do Hamas ter caído a pouco mais de 1,5 quilômetro do aeroporto. Essa era exatamente a mensagem que o Hamas queria passar: "Se podemos fechar seu aeroporto, sua linha vital global, com apenas um foguete de Gaza, imagine se vocês deixarem a Cisjordânia, que fica bem ao lado". A proibição pela FAA agora será usada aqui como argumento chave para que Israel nunca ceda a Cisjordânia. Eu posso ouvir daqui os aplausos em Teerã, Irã.

E há os túneis do Hamas e o que eles revelaram. Eu visitei um do outro lado da fronteira de Gaza, perto do kibutz Ein Hashlosha. Ele estava revestido por alguns poucos quilômetros com concreto pré-fabricado nas laterais e teto. Ele tinha eletricidade e trilhos. O que mais me chamou a atenção, entretanto, foi a qualidade do trabalho --a forma como todas as peças de concreto foram perfeitamente desenhadas e encaixadas. Este túnel levou anos e milhões de dólares para ser construído e exigiu o desvio de recursos imensos de obras civis, ruas, prédios e escolas. Ele tinha um propósito, e não era exportação de frutas. Era para envio de combatentes ao kibutz. E havia muitos deles.

Eu devo dizer que fiquei espantado com simples a dedicação necessária para cavar este túnel, mas doente com o que alimentou essa dedicação: uma agenda jihadista apocalíptica. As forças nacionalistas religiosas têm energia real nesta região atualmente: mais e mais, isto está se transformando em um conflito religioso. O "Times" de Israel noticiou que, no início desta guerra, "em um despacho oficial enviado soa comandantes de batalhão e companhia em 9 de julho, o comandante da brigada Givati, o coronel Ofer Winter" --um dos mais altos oficiais de Israel no fronte em Gaza-- "disse aos seus subordinados que 'a História nos escolheu para encabeçar a luta contra o inimigo terrorista "gazano", que abusa, blasfema e amaldiçoa as forças (de defesa) do Deus de Israel'". Assustador.

Os jihadistas agora estão tomando o Iraque e a Síria, eliminando cristãos e outras minorias. Como notou a escritora libanesa Hanin Ghaddar nesta semana: o historiador libanês Kemal Salibi certa vez observou que "são os árabes cristãos que mantêm 'árabe' o mundo árabe, em vez de 'muçulmano'" e "tiveram um papel vital na definição de uma identidade cultural árabe secular". Agora, ela disse, "a região parece estar voltando ao tribalismo, como se um século de despertar intelectual e ideias seculares estivesse sendo apagado e nossas identidades estivessem evaporando".

Aqui é onde Israel tem uma opção. Seu projeto imprudente de assentamentos judeus na Cisjordânia levou a uma estratégia de tentar manter a Autoridade Palestina dali fraca e o Hamas em Gaza ainda mais fraco. A única forma de Israel poder estabilizar Gaza é se empoderar a Autoridade Palestina para assumir o controle em Gaza, mas isso exigiria fazer concessões territoriais na Cisjordânia para a Autoridade Palestina, porque ela não atuará como policial de Israel de graça. Este é um momento importante. Ou os moderados árabes e israelenses colaborem e passem a lutar juntos, ou os fanáticos realmente vão tomar conta deste bairro. Por favor, não voltem para suas rotinas.