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Estado Islâmico não deve ser combatido apenas com 'paixão'

Raqqa Media Center/AP
Imagem: Raqqa Media Center/AP

Thomas L. Friedman

05/09/2014 00h02

O presidente Barack Obama está sendo execrado por ter declarado que "nós ainda não temos uma estratégia" para enfrentar de modo eficaz o grupo Estado Islâmico. Ao criticar Obama por demorar demais, o deputado Mike Rogers, o presidente republicano do Comitê de Inteligência da Câmara, disse à "Fox News Sunday" que essa política de 'não fazer nada estúpido' não está funcionando". Isso me soou estranho –como se devêssemos apenas bombardear alguém, mesmo que seja estúpido. Se Obama fizesse isso, o que ele estaria ignorando?

Primeiro, experiência. Depois do 11 de Setembro, esse tipo de abordagem "preparar, apontar, fogo" levou George W. Bush a ordenar uma guerra por terra no Iraque, sem tropas suficientes para controlar o país, sem um verdadeiro entendimento da dinâmica sectária xiita-sunita e sem qualquer compreensão de que, ao destruir o regime Taleban sunita no Afeganistão e o regime baathista sunita no Iraque, nós estaríamos destruindo os dois inimigos mortais do Irã e, portanto, abrindo o caminho para uma vasta expansão da influência regional do Irã. Nós estávamos com pressa, eu inclusive, em mudar as coisas depois do 11 de Setembro, e quando você está com pressa, você ignora as complexidades que voltam depois para lhe assombrar.

Não há palavras para descrever quão vis são os vídeos de decapitação dos dois jornalistas americanos pelo Estado Islâmico, mas eu não tenho dúvida de que visam nos fazer reagir de modo excessivo, como no 11 de Setembro, e nos apressarmos de novo sem uma estratégia. O Estado Islâmico é terrível, mas não é uma ameaça ao território americano.

Segundo, o contexto. Para derrotar o Estado Islâmico, é preciso tratar do contexto no qual ele surgiu. E ele envolve as três guerras civis em andamento no mundo árabe: a guerra civil dentro do Islã sunita entre os jihadistas radicais e muçulmanos e regimes sunitas moderados; a guerra civil por toda a região entre os sunitas financiados pela Arábia Saudita e os xiitas financiados pelo Irã; e a guerra civil entre os jihadistas sunitas e todas as outras minorias na região: yazidis, turcomanos, curdos, cristãos, judeus e alauitas.

Quando você tem uma região assolada por tantas guerras civis ao mesmo tempo, isso significa que não há um centro, apenas lados. Quando você intervém no meio de uma região sem centro, você rapidamente se transforma em um lado.

O Estado Islâmico surgiu como uma expressão extrema do ressentimento de um lado: sunitas iraquianos e sírios que se sentiram cortados do poder e de recursos pelo regime xiita pró-iraniano em Bagdá, e pelo regime alauita/xiita pró-iraniano em Damasco. É por isso que Obama continua insistindo que a intervenção militar dos Estados Unidos deve ser acompanhada, para começar, pelos iraquianos produzindo um governo de união nacional –composto por xiitas, sunitas e curdos– para que nosso uso da força apoie o pluralismo e o compartilhamento do poder, não apenas o poder xiita.

Mas compartilhamento de poder não é fácil em uma região onde lealdades de parentesco e sectárias sobrepujam qualquer senso de cidadania compartilhada. Sem isso, entretanto, a filosofia dominante é "eu sou forte, por que devo fazer concessões?" ou "eu sou fraco, como posso fazer concessões?" Assim, qualquer ataque que fizermos contra o Estado Islâmico, sem governos de unidade nacional, resultará nos xiitas dizendo a primeira e os sunitas dizendo a segunda. É por isso que é complicado.

E trata-se de uma disputa de poder sectária. Considere o artigo do "The New York Times" da semana passada sobre como o Estado Islâmico está sendo liderado por uma combinação de jihadistas e oficiais do Exército iraquiano sunitas baathistas, que foram deixados de lado tanto por nós quanto pelos governos iraquianos dominados pelos xiitas.

O artigo do "Times" notou: "Depois que o Estado Islâmico tomou Mosul, uma autoridade (iraquiana xiita) lembrou de um telefonema alarmante de um ex-general-de-divisão (sunita) de uma das forças de elite de Saddam. O ex-general tinha apelado meses antes para retornar ao exército iraquiano, mas a autoridade recusou. Agora o general estava lutando pelo Estado Islâmico e ameaçava se vingar. 'Nós chegaremos até você em breve, e eu cortarei você em pedaços', ele disse, segundo a autoridade, Bikhtiyar al-Qadi, da comissão que impede ex-membros do Partido Baath de Saddam de assumirem postos no governo".

Repita depois de mim: "Nós chegaremos até você em breve, e eu cortarei você em pedaços". É com isto que estamos lidando aqui –guerras civis múltiplas, venenosas, que são um terreno fértil para o câncer do Estado Islâmico.

Terceiro, nossos aliados não são totalmente aliados: apesar dos governos saudita, qatariano e kuaitiano serem pró-americanos, indivíduos sunitas ricos, mesquitas e caridades nesses países são fontes imensas de fundos e combatentes para o Estado Islâmico.

Quanto ao Irã, se derrotarmos o Estado Islâmico, seria a terceira vez desde 2001 que derrotaríamos um contrapeso sunita chave para o Irã –primeiro o Taleban, depois Saddam, agora o Estado Islâmico. Isso não é motivo para não fazê-lo, mas é motivo para fazê-lo de uma forma que não nos distraia do fato de que o programa nuclear do Irã também precisa ser desarmado, caso contrário poderia minar todo o regime global de não proliferação. Difícil.

Eu sou totalmente a favor da destruição do Estado Islâmico. É um movimento doente e desestabilizador. Eu apoio o uso do poder aéreo e das forças especiais americanas para extirpá-lo, mas apenas como parte de uma coalizão, onde todos com algum interesse na estabilidade dali paguem a sua parte e onde os sunitas e xiitas moderados assumam a liderança, demonstrando que eles odeiam o Estado Islâmico mais do que uns aos outros. Caso contrário, nós terminaremos no meio de uma terrível confusão de aliados dúbios e paixões sectárias, e nada de bom que fizermos durará.