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Previsores econômicos cultuam a inflação

Paul Krugman

13/09/2014 00h01

Quem dera eu tivesse dito isso! Nesta semana, Jesse Eisenger, da "ProPublica", escrevendo para o blog "DealBook" do "Times", comparou as pessoas que continuam prevendo uma inflação descontrolada a "crentes cuja fé em um apocalipse previsto persiste mesmo depois que ele não se materializa". De fato.

Os previsores econômicos erram com frequência. Eu também! Se um economista nunca fez uma previsão incorreta, ele ou ela não está se arriscando o suficiente. Mas é menos comum os supostos especialistas continuarem fazendo a mesma previsão errada ano após ano, nunca reconhecendo ou tentando explicar seus erros anteriores. E o mais notável é que esses entendidos sempre errados, nunca em dúvida, continuam tendo grande influência pública e política.

Tem algo acontecendo aqui. O que é, não está bem claro. Mas como os leitores regulares sabem, eu venho tentando descobrir, porque acho que é importante entender a persistência e poder do culto à inflação.

De quem estamos falando? Não apenas dos apresentadores gritalhões da "CNBC", apesar de certamente fazerem parte. Rick Santelli, famoso por seu discurso de 2009 em defesa do Tea Party (movimento radical republicano), também passou grande parte daquele ano gritando que a inflação descontrolada estava chegando. Não chegou, mas seu discurso não mudou. Há apenas dois meses, ele disse aos espectadores que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estava se "preparando para a hiperinflação".

Você pode ignorar tipos como Santelli, dizendo que estão basicamente no ramo do entretenimento. Mas muitos investidores não receberam esse memorando. Eu já encontrei gestores de capital --isto é, investidores profissionais-- que me disseram que a calmaria da inflação os surpreendeu, porque "todos os entendidos" previram que ela aumentaria.

E não é fácil descartar o fenômeno do apego obsessivo a uma doutrina econômica fracassada quando você a vê em figuras políticas importantes. Em 2009, o deputado Paul Ryan alertou sobre a "sombra que se agiganta da inflação". Ele reconsiderou quando a inflação permaneceu baixa? Não, ele continuou alertando, ano após ano, sobre a iminente "desvalorização" do dólar.

Espere, há mais: você encontra a mesma história ao estilo "Feitiço do Tempo" quando olha para os pronunciamentos de economistas aparentemente respeitáveis. Em maio de 2009, Allan Meltzer, um renomado economista monetário e historiador do Fed, teve um artigo de opinião publicado no "Times" alertando que uma alta acentuada da inflação era iminente, a menos que o Fed mudasse de curso. Ao longo dos cinco anos seguintes, a medição preferida de Meltzer da alta dos preços subiu a uma taxa anual de apenas 1,6%, e sua resposta foi publicada em outro artigo de opinião, dessa vez para "The Wall Street Journal". O título? "Como o Fed alimenta a inflação iminente".

O que está acontecendo aqui?

Eu já escrevi antes sobre como os ricos tendem se opor à oferta em excesso de dinheiro, a vendo como sendo contra seus interesses. Mas isso não explica o amplo apelo de profetas cujas profecias continuam não se concretizando.

Parte desse apelo é claramente político; há um motivo para Santelli gritar tanto sobre inflação e sobre como o presidente Barack Obama está dando dinheiro para "perdedores", por que Ryan alerta contra uma desvalorização da moeda e um governo que redistribui "daqueles que fazem" para os "aproveitadores". Os cultistas à inflação quase sempre vinculam as políticas do Fed às queixas sobre gastos do governo. Eles estão completamente errados a respeito dos detalhes --não, o Fed não está imprimindo dinheiro para cobrir o déficit orçamentário-- mas é verdade que os governos cuja dívida está denominada em uma moeda que podem emitir têm maior flexibilidade fiscal, portanto maior capacidade de manter a ajuda aos necessitados, do que governos que não podem.

E a fúria contra os "aproveitadores" --fúria que está ligada muito mais a divisões étnicas e culturais-- é profunda. Muitas pessoas, portanto, sentem uma afinidade com aqueles que alertam sobre inflação iminente; Santelli é um sujeito do tipo deles. De uma forma importante, eu argumentaria, a persistência do culto à inflação é um exemplo da "fraude por afinidade" crucial para muitos golpes, nos quais os investidores confiam no golpista porque ele parece fazer parte da tribo deles. Neste caso, os golpistas podem estar enganando a si mesmos tanto quanto seus seguidores, mas isso pouco importa.

Essa interpretação tribal do culto à inflação ajuda a explicar a raiva que você encontra quando aponta que a hiperinflação prometida inexiste. É semelhante à reação que você obtém quando aponta que a reforma da saúde parece estar funcionando, e provavelmente tem as mesmas raízes.

Mas e quanto aos economistas que acompanham o culto? Todos eles são conservadores, mas também não são profissionais, que colocam as evidências acima da conveniência política? Aparentemente não.

A persistência do culto à inflação é, portanto, um indicador de quão polarizada nossa sociedade se tornou, de como tudo é político, mesmo entre aqueles que deveriam se erguer acima dessas coisas. E essa realidade, diferente do suposto risco de inflação descontrolada, é o que deveria assustar você.