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A estratégia de Obama para combater o Estado Islâmico não se restringe aos EUA

16/09/2014 00h01

Há três coisas na vida que não devem ser feitas de modo ambivalente: se casar, comprar uma casa ou ir à guerra. A propósito, nós estamos prestes a fazer a terceira. Deveríamos?

O presidente Barack Obama claramente tomou essa decisão de liderar a coalizão para minar e destruir o Estado Islâmico com profunda ambivalência. Como não poderia? Nosso compromisso é ambíguo, nosso inimigo é bárbaro, nossos aliados regionais são traiçoeiros, nossos aliados europeus são indecisos e os iraquianos e sírios que estamos tentando ajudar são divisores. Não há nenhum honesto e direto no grupo.

Fora isso, é como no Dia D.

Considere a Arábia Saudita. Ela ajudará a treinar os soldados do Exército Livre da Síria, mas, ao mesmo tempo, é uma das maiores fontes de jihadistas voluntários na Síria. E, segundo um estudo americano secreto de 2009 assinado pela então secretária de Estado, Hillary Clinton, e divulgado pelo WikiLeaks, "doadores (privados) na Arábia Saudita constituem a fonte mais significativa de financiamento de grupos terroristas sunitas em todo o mundo".

A Turquia permitiu que jihadistas estrangeiros entrassem e saíssem da Síria e tem sido um mercado importante para o petróleo que o Estado Islâmico está contrabandeando do Iraque para obter dinheiro. O Irã produziu os armamentos contra blindados que as milícias xiitas iraquianas usavam para ajudar a expulsar os americanos do Iraque, e encorajou os líderes xiitas do Iraque a privarem os sunitas iraquianos do máximo de poder e dinheiro possível, o que ajudou a criar a contrarrevolta sunita do Estado Islâmico. O presidente da Síria, Bashar Assad, permitiu deliberadamente o surgimento do Estado Islâmico, para que pudesse mostrar ao mundo que ele não era o único assassino em massa na Síria. E o Qatar está ao nosso lado nas segundas, quartas e sextas, e contra nós nas terças e quintas. Felizmente, ele folga nos fins de semana.

Enquanto isso, em casa, Obama sabe que os membros de seu próprio partido e do Partido Republicano que estão exigindo que ele bombardeie o Estado Islâmico serão os primeiros a fugir correndo se ficarmos presos, fracassarmos ou bombardearmos por acidente um jardim de infância.

Então, por que o presidente decidiu ir em frente? É uma combinação de preocupação geoestratégica legítima (se os jihadistas do Estado Islâmico consolidarem seu poder no coração do Iraque e da Síria, isso poderia ameaçar algumas ilhas reais de decência, como o Curdistão, a Jordânia e o Líbano, e poderia algum dia gerar capacidade suficiente para prejudicar mais diretamente o Ocidente), e pesquisas de opinião. Obama claramente se sente forçado a isso pela mudança repentina da opinião pública, depois que o Estado Islâmico gravou pavorosamente em vídeo as decapitações de dois jornalistas americanos.

OK, mas diante dessa lista de personagens, há algum jeito de o plano de Obama poder acabar bem? Apenas se formos extremamente disciplinados e obstinados sobre como, quando e para quem usaremos nosso poder.

Antes de aumentarmos a campanha de bombardeio contra o Estado Islâmico, é preciso que fique absolutamente claro em nome de quem estamos lutando. O Estado Islâmico não surgiu por acaso e do nada. Ele é uma cria do ódio de duas guerras civis nas quais muçulmanos sunitas foram esmagados. Uma é a guerra civil perversa na Síria, na qual o regime alauita-xiita apoiado pelo Irã matou cerca de 200 mil pessoas, muitas delas muçulmanos sunitas, com armas químicas e bombas de barril. E a outra é a guerra civil iraquiana, na qual o governo xiita do primeiro-ministro Nouri al-Maliki, apoiado pelo Irã, destituiu sistematicamente os sunitas iraquianos de seu poder e recursos.

Não haverá estabilidade sustentável a menos que essas guerras civis terminem e seja estabelecida uma base para governança decente e cidadania. Apenas os árabes e muçulmanos podem fazer isso ao encerrarem suas guerras sectárias e rixas tribais. Nós continuamos dizendo a nós mesmos que o problema é "treinamento", quando o verdadeiro problema é governança. Nós gastamos bilhões de dólares treinando soldados iraquianos, que fugiram do caminho do Estado Islâmico --não porque não contavam com treinamento apropriado, mas porque sabiam que seus oficiais são medíocres corruptos, que não foram nomeados por mérito, e que não vale a pena lutarem pelo governo imundo de Al-Maliki.

Nós também subestimamos quão famintos os árabes estão, em todos esses levantes, por governança limpa e decente.

Não esqueça, esta é uma guerra de duas frentes: o Estado Islâmico é o inimigo externo, e o sectarismo e a corrupção no Iraque e na Síria são os inimigos internos. Nós podemos e devemos ajudar a destruir o primeiro, mas apenas se os iraquianos e sírios, sunitas e xiitas, realmente combaterem o segundo. Se a intensificação dos bombardeios no Iraque e na Síria ocorrer antes da reconciliação, nós viraremos a história e o alvo. E é exatamente isso o que o Estado Islâmico está esperando.

O Estado Islâmico perde se nossos parceiros muçulmanos árabes moderados puderem se unir e tornar isto uma guerra civil dentro do Islã, uma guerra civil na qual os Estados Unidos são a força aérea dos sunitas e xiitas da decência contra aqueles do barbarismo. O Estado Islâmico vence se puder transformar isso em uma guerra dos Estados Unidos contra o Islã sunita, uma guerra onde os Estados Unidos são a força aérea dos xiitas/alauitas contra os sunitas no Iraque e na Síria. O Estado Islâmico usará toda a força de sua rede no Twitter/Facebook para tentar descrevê-la da segunda forma e atrair mais recrutas.

Nós continuamos tornado isso uma história nossa, de Obama, sobre o que fazemos. Mas não é uma história nossa. É a história deles e de quem querem ser. É uma história sobre uma região pluralista que carece de pluralismo e precisa aprender a coexistir. É o século 21. Já é hora.