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De quem é a luta no mundo árabe?

Thomas L. Friedman

De Londres (Inglaterra)

18/09/2014 00h01

Uma luta existencial está acontecendo no mundo árabe hoje. Mas essa luta é nossa ou é deles? Antes de intensificar a ação militar no Iraque e na Síria, isso precisa ser respondido.

O que me preocupa mais na decisão do presidente Barack Obama em voltar a se envolver no Iraque é que ela parece estar sendo movida em resposta a alguns receios deliberadamente exagerados -temores engendrados por vídeos do YouTube das decapitações de dois jornalistas norte-americanos- e medo de que o Estado Islâmico esteja chegando a um shopping perto de você. Como nós voltamos a ficar com medo tão rápido? Nós não montamos um Departamento de Segurança Interna?

Não estou descartando o Estado Islâmico. Obama está certo de que o grupo precisa ser degradado e destruído. Mas quando a pessoa age por medo, ela não pensa estrategicamente e perde questões essenciais, como por que o Irã xiita, que ajudou a desencadear toda essa rebelião sunita no Iraque, não admite nem coordenar com a gente, e a Turquia e alguns estados árabes estão estabelecendo limites ao seu envolvimento?

Quando leio isso, acho que Nader Mousavizadeh, um dos diretores da empresa de consultoria global Macro Partners Advisory, está correto quando diz: “Quando se trata de intervir na luta existencial do mundo árabe, temos que parar e nos perguntar por que é tão difícil convencê-los nos ajudar a salvá-los”.

Então, antes de nos envolvermos mais, vamos fazer algumas perguntas radicais, começando com: e se a gente não fizer nada? George Friedman (que não é parente meu), presidente da Stratfor, levantou essa ideia em seu ensaio recente em Stratfor.com, chamado “A virtude da sutileza”. Ele observa que o levante do Estado Islâmico foi a reação sunita inevitável por ter sido brutalmente despojada de poder e recursos por parte dos governos e milícias xiitas pró-iranianos em Bagdá e na Síria. Mas, então, ele pergunta:

Será que o Estado Islâmico é “realmente um problema dos Estados Unidos? O interesse americano não é a estabilidade, mas a existência de um equilíbrio dinâmico de poder em que todos os jogadores estejam efetivamente paralisados, para que ninguém possa ameaçar os Estados Unidos... Mas o princípio de equilíbrio de poder não significa que precisa ser mantido diretamente. A Turquia, o Irã e a Arábia Saudita têm muito mais em jogo nisso do que os Estados Unidos. Enquanto eles acreditam que os Estados Unidos vão tentar controlar a situação, é perfeitamente racional para eles a recuarem ou agirem nas margens, ou até mesmo atrapalharem os americanos. Os Estados Unidos devem transformar isso: em vez de um equilíbrio de poder entre a Síria e o Iraque, deve haver um equilíbrio de poder entre este trio de potências regionais. Elas têm muito mais em jogo e, na ausência dos Estados Unidos, não terão outra escolha a não ser se envolver. Eles não podem ficar parados assistindo a um caos que poderia se espalhar pela região”.

Portanto, ele conclui que a melhor estratégia para os EUA repousa em “fazer o mínimo possível e forçar as potências regionais a entrarem na luta, e depois manter o equilíbrio de poder nesta coligação”. Eu não estou tão certo, mas vale a pena debater a ideia.

Aqui vai outra pergunta: o que é essa guerra realmente?

“Esta é uma guerra sobre a alma do islã -isso é o que diferencia este momento de todos os outros”, argumenta Ahmad Khalidi, professor do St. Antony’s College, em Oxford. E a razão é esta: durante décadas, a Arábia Saudita foi a principal financiadora das mesquitas e escolas em todo o mundo muçulmano que promovem a versão mais puritana do islã, conhecida como salafismo, que é hostil à modernidade, às mulheres e ao pluralismo religioso, ou mesmo ao pluralismo islâmico.

O financiamento saudita para esses grupos é um subproduto do acordo que há entre a família Al-Saud e seu estabelecimento religioso salafista, os wahhabis. Os Al-Saud podem governar e viver como quiserem por trás dos muros, e os Wahhabis podem propagar o islamismo salafista dentro da Arábia Saudita e em todo o mundo muçulmano, usando a riqueza do petróleo da Arábia Saudita. A Arábia Saudita, na verdade, está ajudando a financiar a guerra contra o Estado Islâmico e a ideologia islâmica que cria os membros do Estado Islâmico (acredita-se que cerca de 1.000 sauditas estão lutando com grupos jihadistas na Síria), por mesquitas salafistas na Europa, Paquistão, Ásia Central e o mundo árabe.

Este jogo chegou ao limite. Primeiro, porque o Estado Islâmico apresenta um desafio para a Arábia Saudita. O Estado Islâmico diz que o centro do islã é o “califado”. A Arábia Saudita acredita que ela é o centro. E, em segundo lugar, o Estado Islâmico está ameaçando os muçulmanos em todos os lugares. Khalidi me falou de uma amiga muçulmana em Londres que está com medo de sair com o lenço na cabeça, por medo de que as pessoas achem que ela defende o Estado Islâmico –simplesmente por se vestir como muçulmana. A Arábia Saudita não pode continuar lutando contra o Estado Islâmico e alimentando a ideologia que alimenta o Estado Islâmico. Isso vai prejudicar cada vez mais os muçulmanos.

Nós também temos que parar de tolerar isso. Durante anos, os EUA “desempenharam o papel do banco central na estabilidade do Oriente Médio”, observou Mousavizadeh. “Assim como o financiamento do Banco Central Europeu adia as reformas estruturais que a França tem de passar, o cobertor de segurança dos Estados Unidos” que sempre está lá, não importa o que os sauditas façam, “tem atrasado o dia em que a Arábia Saudita terá de enfrentar suas contradições internas” e reformar seu contrato tóxico de governo. O futuro do islã e do nosso sucesso contra o Estado Islâmico depende disso.