Topo

Estados Unidos têm muitas fontes de força, mas nosso maior ativo é o pluralismo

Manifestantes cantam e agitam bandeiras na George Square, em Glasgow, Escócia, após o resultado do referendo que indicou a permanência do país no Reino Unido - Cathal McNaughton/ Reuters
Manifestantes cantam e agitam bandeiras na George Square, em Glasgow, Escócia, após o resultado do referendo que indicou a permanência do país no Reino Unido Imagem: Cathal McNaughton/ Reuters

Thomas L. Friedman

Em Madri (Espanha)

23/09/2014 00h05

Esta foi uma semana interessante para visitar o Reino Unido e a Espanha --primeiro para observar o esforço dos separatistas escoceses pela independência e depois para observar os separatistas bascos e catalães assistirem (decepcionados) o resultado da votação. Uma reação: eu estou feliz pela maioria dos escoceses ter rejeitado a independência.

Se não tivessem feito isso, eles teriam podado um dos maiores aliados dos Estados Unidos no mundo: o Reino Unido. Outra reação: Deus abençoe a América. Nós temos muitas fontes de força, mas hoje nosso maior ativo é nosso pluralismo --nosso "E pluribus unum"-- que dentre muitos fizemos uma só nação, com todos os benefícios que vêm da mistura de culturas e todas as forças que vêm de podermos agir juntos.

Como já perguntei antes: quem mais elegeria duas vezes um negro como presidente, cujo segundo nome é Hussein, cujo avô era muçulmano, que primeiro derrotou uma mulher e depois derrotou um mórmon? Eu tenho quase certeza que não viverei o bastante para ver uma pessoa de origem paquistanesa se tornar primeiro-ministro do Reino Unido ou um imigrante marroquino se tornar presidente da França.

Sim, os distúrbios em Ferguson, Missouri, nos recordam que ainda somos uma obra em progresso no departamento do pluralismo. Mas continuaremos trabalhando nisso, e prefiro o trabalho árduo do pluralismo em vez das ilusões do separatismo.

Por que o pluralismo é uma vantagem tão grande hoje? Dois motivos: política e inovação. Mas antes que eu explique, vale a pena lembrar: o que é pluralismo? Eu gosto da definição que o Projeto Pluralismo de Harvard oferece em seu site: "pluralismo não se limita a diversidade, mas ao engajamento enérgico com a diversidade" porque "mera diversidade sem encontro e relacionamento reais produzirá crescentes tensões nas sociedades". Uma sociedade ser "pluralista" é uma realidade (veja a Síria e o Iraque). Uma sociedade com pluralismo "é uma realização" (veja os Estados Unidos).

O pluralismo, ele também nota, "não exige que deixemos para trás nossas identidades e nossos compromissos. (...) Significa manter nossas diferenças mais profundas, até mesmo nossas diferenças religiosas, não em isolamento, mas se relacionando umas com as outras". E coloca que o verdadeiro pluralismo é construído com "diálogo" e "dar e receber, com críticas e autocríticas" --e "diálogo significa tanto falar quanto ouvir".

Que esse pluralismo é mais importante que nunca pode ser facilmente entendido, basta apenas olhar para o Oriente Médio. O Iraque e a Síria são sociedades pluralistas que carecem de pluralismo. A diversidade deles --sunitas, xiitas, curdos, turcomanos, cristãos, judeus, yazidis e alauitas-- era algo que precisava ser controlado de cima para baixo com mão de ferro pelos otomanos, depois pelos britânicos e franceses, e finalmente pelos reis e coronéis locais. A sociedade era mantida estável por um homem forte.

Escócia decide permanecer no Reino Unido

Mas a difusão das tecnologias de comunicação e a globalização estão tornando todas as formas de controle autocrático, de cima para baixo, mais fracas, obsoletas ou mais caras em sangue, dinheiro ou prisões. Ou esses países desenvolvem uma ética de pluralismo --para que possam governar a si mesmos horizontalmente, por meio de contratos sociais forjados entre cidadãos iguais-- ou permanecerão em turbulência violenta.

Não é por acaso que as duas entidades em democratização do Oriente Médio que estão se saindo melhor são a Tunísia e o Curdistão. Nenhum deles dominou ainda plenamente o pluralismo, mas dominaram seu precursor imediato para autogovernança, que foi o princípio usado em 1989 para acabar com a guerra civil libanesa: "Sem vitorioso, sem derrotado" entre os agentes principais. Os interesses de todos precisam ser equilibrados. O Iraque agora está lutando para chegar lá; a Síria não está nem perto.

As redes sociais e a hiperglobalização também estão aumentando os retornos econômicos do pluralismo. Afinal, de onde vem a inovação? Ela vem da mistura de pontos de vista diferentes, ideias e pessoas. O Google começou como um mashup entre Larry Page e Sergey Brin, um imigrante russo. Quanto maior o pluralismo de sua sociedade, mais confiança ela tem, e confiança mais pluralismo permite às pessoas colaborar, gerar novas ideias e negócios, e procurar confortavelmente em qualquer lugar no globo pelos melhores cocriadores. Sim, os crisóis podem entrar em ebulição e transbordar, mas, quando alimentados por uma ética pluralista, a energia que geram é inegável.

A "The Economist" noticiou em abril de 2013 que cerca de "40% das empresas Fortune 500 foram fundadas por imigrantes ou seus filhos".
A Espanha democrática absorveu impressionantemente na última década mais de 4 milhões de imigrantes –a maioria do Equador, Romênia e Marrocos– ou 10% de sua população. Eles chegaram durante o boom econômico e (ainda) não provocaram nenhum partido anti-imigrantes. Não é de se estranhar que os líderes nacionais da Espanha tenham expressado alívio com a vitória do "não" na Escócia. Mas o governo regional da Catalunha insiste que dará continuidade ao seu próprio plebiscito separatista não obrigatório em novembro.

Isso enfrentará ventos contrários. Para administrar sua diversidade, a Espanha já concede muita autonomia às suas 17 regiões –um processo chamado "café para todos"– e muitos espanhóis "não querem" ser pressionados a uma separação mais profunda, explicou José Ignacio Torreblanca, o chefe do escritório em Madri do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Você vai para Barcelona e as pessoas tem a bandeira da independência catalã pendurada em suas sacadas. Se não, significa que você não é a favor da independência, mas eu não quero brigar com você ao pendurar a bandeira espanhola". Muitas pessoas aqui acham que é possível ser "um bom espanhol, um bom catalão e um bom europeu" ao mesmo tempo.

O outro risco de todos esses movimentos separatistas, acrescentou Torreblanca, é que eles "mudam o eixo" do debate político. "Política deveria ser sobre esquerda e direita –como crescer e como redistribuir." Historicamente na Europa, ele disse, os partidos de direita chegam e criam crescimento e desigualdade, e os partidos de esquerda chegam e redistribuem –alternadamente. "Mas o resultado final é que você fica com sociedades que são tanto competitivas quanto coesas." Todos esses movimentos separatistas tiram você dos trilhos, ele disse, e colocam você em uma "política de identidade", que é precisamente por que lugares como a Síria e o Iraque não progridem.

Os Estados Unidos sempre foram "um país de cidadãos", o que tornou o pluralismo relativamente fácil, notou Torreblanca. "A União da Europa é um país de Estados-nações", e está tentando se tornar mais pluralista, ao integrar ainda mais esses Estados em um super-Estado, chamado União Europeia. Mas isso está emperrado agora porque o próximo nível de integração exige não apenas abrir mão de sua moeda, mas também de soberania, para que haja uma política econômica realmente comum. Na Síria e no Iraque hoje, não há nem cidadãos e nem Estados, mas sim clãs, seitas e tribos, que agora precisam se reorganizar em Estados voluntários, em vez de impostos pelas potências coloniais, para que possam ser cidadãos reais.

Esse é o motivo para os Estados Unidos terem uma vantagem com seu pluralismo, e porquê --já que os escoceses foram corajosos o suficiente para preservarem o deles, os espanhóis estarem lutando para manter o deles e os iraquianos estarem tentando encontrar o deles-- nós devemos ter a sabedoria para aprovar uma reforma da imigração que enriqueça o nosso.

Vitória do 'Não' em referendo na Escócia repercute no mundo