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Para quem a política externa foi mais fácil, Reagan ou Obama?

Conservadores acusam Obama (foto) de não liderar EUA como o ex-presidente Reagan - Kevin Lamarque/Reuters
Conservadores acusam Obama (foto) de não liderar EUA como o ex-presidente Reagan Imagem: Kevin Lamarque/Reuters

Thomas L. Friedman

30/09/2014 00h01

Nas últimas semanas, eu li a história fascinante de Ken Adelman, "Reagan at Reykjavik: Forty-Eight Hours That Ended the Cold War" (Reagan em Reykjavík: 48 horas que encerraram a Guerra Fria, em tradução livre). Adelman, que liderou a agência de controle de armas do presidente Ronald Reagan, foi um conselheiro na cúpula de 1986 na Islândia, de Reagan com o presidente soviético, Mikhail Gorbatchov. Usando alguns documentos que recentemente deixaram de ser confidenciais, Adelman completa o diálogo extraordinário entre os dois líderes que levou a uma redução dramática nas armas nucleares.

É possível aprender muito sobre a liderança de Reagan no livro. Para mim, a coisa mais impressionante não foi a fixação de Reagan à sua iniciativa "Guerra nas Estrelas" de defesa estratégica, que recebe crédito exagerado por ter acabado com a Guerra Fria. O que é mais impressionante a respeito de Reagan é que ele percebeu que Gorbatchov era um tipo radicalmente diferente de líder soviético --um com o qual ele poderia fazer história-- muito antes de sua comunidade de inteligência. Isso fez uma grande diferença.

Atualmente, há muita conversa "quem dera Obama pudesse liderar como Reagan" entre os conservadores. Eu deixarei para os historiadores decidirem, daqui vários anos, quem foi o melhor presidente. Mas posso argumentar isto: em várias áreas críticas, Reagan teve um mundo mais fácil de liderar do que Obama tem agora.

"Mundo mais fácil, você está brincando?" dizem os conservadores. "Reagan teve que enfrentar uma superpotência comunista que tinha milhares de mísseis nucleares apontados para nós! Como você pode dizer isso?"

Desta forma: a luta definidora na época de Reagan foi a Guerra Fria e o elemento definidor da Guerra Fria era se tratar de uma guerra entre dois sistemas de ordem diferentes: o comunismo contra o capitalismo democrático. Mas ambos os sistemas competiam para construção da ordem --para reforçar Estados fracos ao redor do mundo com ajuda militar e econômica, visando conquistar seu apoio na Guerra Fria. E quando Moscou ou Washington telefonavam para algum Estado ao redor do mundo, quase sempre havia alguém para atender o telefone. Eles até mesmo asseguravam para que suas guerras indiretas --como o Vietnã e o Afeganistão-- fossem relativamente contidas.

Milhares de famílias sírias tentam fugir da crueldade do Estado Islâmico

O mundo de Obama é diferente. Ele é cada vez mais dividido por regiões de ordem e regiões de desordem, onde não há ninguém para atender o telefone, e a principal competição não é entre duas superpotências organizadas, mas entre uma superpotência e muitos homens furiosos superempoderados. No 11 de Setembro, nós fomos atacados, e seriamente feridos, por uma pessoa: Osama Bin Laden e sua gangue superempoderada. Quando homens furiosos superempoderados contam com mais espaço aberto onde podem operar, e mais armas e ferramentas de comunicação mais poderosas, basta apenas uma agulha no palheiro para nos ferir.

Mais importante, o principal rival de Reagan, Gorbatchov, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1990 por fazer algo que nunca desejou: abrir mão pacificamente do Leste Europeu. Os adversários de Obama, como o Estado Islâmico, nunca ganharão o Prêmio Nobel da Paz. Reagan pôde desafiar confortavelmente Gorbatchov em Berlim a "derrubar este muro", porque do outro lado daquele muro estava um sistema ruim --o comunismo-- que estava suprimindo uma civilização na Europa Central e Oriental, e parte da Rússia, que era natural e historicamente inclinada ao capitalismo democrático. E havia líderes ali --como Lech Walesa, outro ganhador do Prêmio Nobel da Paz-- para liderar a transição. Nós apenas precisávamos remover o sistema ruim e nos afastarmos.

"Os países da Europa Central e Oriental foram forçados a fazer parte do império comunista, mas culturalmente sempre fizeram parte da civilização ocidental", explicou Michael Mandelbaum, o especialista em política externa da Universidade Johns Hopkins e autor de "The Road to Global Prosperity". "Eles nunca se viram como comunistas, mas sim como ocidentais que foram sequestrados." Depois que Gorbatchov, sob pressão de Reagan e do Ocidente, os libertou, "eles correram o mais rápido que puderam para abraçar as instituições ocidentais".

No Oriente Médio, que consumiu grande parte da energia de Obama, as pessoas derrubaram seus muros --seus sistemas-- mas por trás não havia uma civilização com experiência, hábitos e aspirações de democracia e livre mercado suprimidos. Em vez disso, havia uma mistura tóxica de islamismo, tribalismo, sectarismo e uma aspiração incipiente por democracia.

O desafio de liderança de Reagan era derrubar um muro e então colher os dividendos da paz ao apenas deixar a natureza seguir seu curso. O desafio de Obama é que do outro lado do muro derrubado pelos árabes se encontra o maior projeto de construção de nação do mundo, com uma civilização que está traumatizada, dividida e com frequência culturalmente hostil aos valores e instituições ocidentais. É um trabalho imenso que apenas os habitantes locais podem liderar.

A única vez em que Reagan enfrentou uma miniversão do desafio de Obama foi no Líbano. Depois que Israel derrubou o mini-Estado palestino ali, Reagan esperava que isso desencadearia naturalmente uma ordem democrática, com apenas uma pequena ajuda dos marines americanos no parto. Mas depois que 241 militares americanos foram explodidos em Beirute em 1983, Reagan percebeu que a civilização ali era uma mistura de islamitas, cristãos sectários, sírios, milícias xiitas, refugiados palestinos e democratas. Isso exigia de nós muito mais do que apenas montar guarda. Exigia uma construção de nação. E o que Reagan fez? Ele partiu.

Eu estava lá para acenar em despedida para os últimos marines nas praias de Beirute. Assim, comparar Reagan a Obama em política externa é inevitável. Mas quando o fizer, também compare seus respectivos contextos. A diferença é reveladora.