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Contenção do Hamas e Estado Islâmico é necessária, mas insuficiente

03/10/2014 00h05

Eu venho argumentando há algum tempo que o conflito entre israelenses e palestinos está para o choque de civilizações entre Oriente e Ocidente assim como off-Broadway está para a Broadway. É o lugar onde você pode ver muitas tendências primeiro, em uma escala menor. É por isso que eu o estudo atentamente. Seja sequestro de aviões, homens-bomba ou tentativa de construção de nação com o outro - os israelenses chamam de "invasão ao Líbano" e "Oslo", nós americanos chamamos de "Iraque" e "Afeganistão" - o que acontece lá frequentemente passa para o palco maior. Assim, como eu perguntei  antes: o que está em cartaz atualmente off-Broadway?

É uma peça chamada "Contenção". Quando se viu diante de uma barragem de foguetes dos militantes do Hamas em Gaza, Israel em grande parte retaliou com artilharia e poder aéreo. Isto infligiu dor suficiente ao Hamas e à população civil de Gaza, a ponto do Hamas acabar concordando com um cessar-fogo - mas não com uma rendição.

De fato, Israel optou por deliberadamente deixar o Hamas no poder em Gaza, porque não queria fazer uso de tropas terrestres israelenses para tentar destruí-lo - o que exigiria um combate sangrento de casa em casa - e porque Israel também não queria deixar Gaza como um espaço não governado. A adoção por Israel de uma estratégia de contenção em Gaza também se tornou viável depois que o alto comandante militar do Egito, Abdel-Fattah el-Sissi, substituiu o governo da Irmandade Muçulmana liderado por Mohamed Morsi. A Irmandade via o Hamas como aliado e permitia que ele cavasse túneis para o Egito, para contrabandear bens por lucro e foguetes para atingir Israel. El-Sissi, que vê a Irmandade como sua arqui-inimiga, fechou esses túneis.

Assim a contenção, como uma estratégia puramente militar para conter a desordem, pode funcionar para Israel, por ora. A contenção também parece ser o caminho seguido pela coalizão liderada pelos Estados Unidos, por ora, contra o Estado Islâmico. Como nem nós e nem nossos parceiros de coalizão estamos dispostos - ou são capazes, como no caso do exército iraquiano e dos "moderados" sírios - em empregar um número suficiente de tropas terrestres para expulsar o Estado Islâmico, nós dependeremos do poder aéreo para impedir o Estado Islâmico de se expandir e talvez até encolhê-lo.


Mas aqui chegamos à diferença mais importante entre a contenção que usamos para derrotar a União Soviética e a contenção do Hamas e do Estado Islâmico. Nós e os israelenses estamos usando a contenção para isolar um problema que percebemos como sendo muito caro, tanto em termos políticos quanto humanos, para tentar eliminar. Mas essa estratégia tem seus limites.

Como me disse Mark Mykleby, um coronel reformado do Corpo dos Marines e codiretor do Laboratório de Inovação Estratégica da Universidade da Reserva Case Western: "Na Guerra Fria, nós contivemos os soviéticos militarmente para criar as condições para que URSS sofresse um colapso, mas essa não foi toda a história. Nós também reconstruímos as economias despedaçadas de nossos antigos inimigos, construímos instituições internacionais como o FMI e o Banco Mundial, e redesenhamos nossas próprias instituições de governo para tratar de nossa nova realidade pós-Segunda Guerra Mundial, para que tivéssemos a estrutura de andaimes pronta para continuar construindo um mundo pós-Guerra Fria assim que a União Soviética de fato entrasse em colapso.

"No caso de Gaza", ele acrescentou, "os israelenses estão criando uma profecia que se autocumprirá de um problema crônico, simplesmente 'contendo' os palestinos".

Sem uma estratégia para melhorar as condições de vida lá, isso poderá ser muito danoso para Israel a longo prazo, à medida que Gaza se torne uma zona de desastre humano. O Ocidente está fazendo algo semelhante com o Estado Islâmico: contendo sem construir "a estrutura de andaimes regional para apoiar e alavancar" um Oriente Médio mais moderno, consensual e pluralista, capaz de preencher o espaço do Estado Islâmico.

 


A contenção, disse Mykleby, só faz sentido a longo prazo se você dedicar dinheiro e capital político para preencher o espaço com algo decente. Israel não está fazendo isso, porque o Hamas se recusa a reconhecer o direito de Israel de existir e ser um parceiro em uma solução de dois Estados. E como os colonos judeus de direita dominam a coalizão de governo de Israel, o primeiro-ministro Bibi Netanyahu não pode e nem irá colocar na mesa qualquer coisa próxima do que a mais moderada Autoridade Palestina exige para um acordo de dois Estados. Nem está claro que os palestinos seriam capazes de atender as exigências de segurança de Israel. Resumindo, o relacionamento está todo quebrado, tornando muito difícil uma estratégia além da contenção.

Na Broadway, nós estamos impedidos de construir uma estratégia política pós-Estado Islâmico pelo fato de alguns de nossos parceiros de coalizão não terem uma visão compartilhada para uma Síria ou Iraque pós-Estado Islâmico, e por não quererem democracia nessa região. E alguns deles, como a Arábia Saudita e o Qatar, são fornecedores da ideologia sunita intolerante, antipluralista, que inspira os combatentes militantes. Até mesmo o governo islamita da Turquia nutre alguma simpatia pelo Estado Islâmico.

Resumindo, a contenção em ambos os teatros é necessária, mas não suficiente para a estabilidade a longo prazo. Mas, diferente da Guerra Fria, onde nossa estratégia de contenção foi em grande parte produto de democracias de mentalidade semelhante trabalhando para liberar pessoas de mentalidade semelhante de um sistema ruim, no Oriente Médio nós temos poucos parceiros de mentalidade semelhante.

O máximo que podemos esperar é por aliados "menos ruins" e resultados "menos ruins". No Oriente Médio atual, menos ruim é o novo bom.