Topo

Estado Islâmico deve ser tratado como "espécie invasora" no Iraque e na Síria

14/10/2014 00h01

Uma autoridade iraquiana me contou recentemente esta história: Quando o EI (Estado Islâmico) tomou Mosul em meados deste ano, os combatentes jihadistas sunitas, muitos deles estrangeiros, foram de casa em casa. Nas casas dos cristãos, eles marcaram "Nassarah", um termo árabe arcaico para cristãos. Mas nas casas dos xiitas, eles marcaram "Rafidha", o que significa "aqueles que rejeitam" a linha sucessória de quem deve ser califa, ou o líder da comunidade muçulmana, após a morte do Profeta Maomé.

Mas o que é interessante, disse a autoridade iraquiana, é que o termo "Rafidha" era em grande parte desconhecido no Iraque como forma de descrever os xiitas. É um termo usado pelos fundamentalistas wahabistas na Arábia Saudita. "Nós não conhecíamos essa palavra", ele me disse. "Não é um termo iraquiano."

Eu fiquei intrigado com essa história, porque ela acentua o grau com que o EI opera como uma "espécie invasora" no mundo das plantas e animais. Ele não é nativo dos ecossistemas nem iraquiano e nem sírio. Ele nunca cresceu nestas paisagens.

Às vezes considero útil utilizar o mundo natural para ilustrar as tendências na geopolítica e na globalização, e esta é uma dessas vezes. O site United States National Arboretum nota que "espécies invasoras de plantas prosperam onde a continuidade de um ecossistema natural é violada e são abundantes em locais perturbados, como áreas de construção e abertura de estradas, (...) Em algumas situações, essas espécies não nativas causam séria perturbação ecológica. Nos piores casos, as plantas invasoras (...) sufocam impiedosamente outras espécies de plantas. Isso exerce extrema pressão sobre as plantas e animais nativos, e espécies ameaçadas podem sucumbir à pressão. No final, as plantas invasoras alteram o hábitat e reduzem a biodiversidade".

Eu não consigo pensar em uma forma melhor de entender o EI. É uma coalizão. Consiste em parte de combatentes jihadistas muçulmanos sunitas de todo o mundo: Tchetchênia, Líbia, Reino Unido, França, Austrália e, especialmente, Arábia Saudita. Ela se espalha tão longe, tão depressa, apesar de seu número relativamente pequeno, porque as sociedades iraquiana e síria perturbadas permitiram que esses jihadistas estrangeiros forjassem alianças com tribos nativas iraquianas e sírias seculares e antigos oficiais do exército baathista, cujas queixas são menos religiosas e mais com a forma como o Iraque e a Síria eram governados.

Hoje, o EI --estrangeiros e habitantes locais unidos-- está pressionando todas as espécies nativas do Iraque e da Síria com a meta declarada de reduzir a diversidade dessas sociedades antes policulturais, as transformando em monoculturas fundamentalistas sunitas, jihadistas, sombrias e desoladas.

É fácil ver como o EI se espalhou. Pense na vida de um iraquiano sunita de 50 anos de Mosul. Primeiro ele foi convocado para lutar na guerra de oito anos entre o Irã e o Iraque, que terminou em 1988. Depois ele teve que lutar na Primeira Guerra do Golfo Pérsico, após Saddam Hussein ter invadido o Kuait. Em seguida ele viveu sob uma década de sanções da ONU, que quebraram a classe média iraquiana. Então teve que suportar os anos de caos que se seguiram à invasão americana, que terminaram com um regime xiita pró-iraniano, brutal e corrupto em Bagdá, liderado por Nouri al-Maliki, que fez tudo o que podia para manter os sunitas pobres e impotentes. Esse foi o ecossistema político fraturado em que o EI encontrou terreno fértil.

Como lidar com uma espécie invasora? O National Arboretum diz que é preciso "usar herbicidas sistêmicos cuidadosamente" (a guerra aérea do presidente Barack Obama) e também trabalhar constantemente para fortalecer e "preservar um hábitat saudável para as plantas nativas" (o esforço de Obama para forjar um governo de união nacional em Bagdá com xiitas, sunitas e curdos, juntos).

Falando de modo geral, entretanto, ao longo dos anos no Iraque e no Afeganistão, nós gastamos demais em herbicidas (armas e treinamento) e investimos insuficientemente no melhor baluarte contra uma espécie invasora (governança justa e não corrupta). Nós deveríamos pressionar o governo iraquiano, que é rico em dinheiro, que se concentrasse em fornecer a cada iraquiano ainda sob seu controle 24 horas de eletricidade por dia, um emprego, escolas melhores, mais segurança pessoal e um senso que não importa qual seja sua seita, o jogo não é manipulado contra você e que sua voz contará. É assim que se fortalece um ecossistema contra espécies invasoras.

"Foi a má governança que levou os iraquianos a contemplarem uma relação com o EI, ao considerá-lo menos prejudicial aos seus interesses do que seu próprio governo (liderado pelos xiitas)", explicou Sarah Chayes, uma associada sênior do Fundo Carnegie, que é uma ex-consultora americana no Afeganistão e autora do futuro livro "Thieves of State: Why Corruption Threatens Global Security" (Ladrões estatais: porque a corrupção ameaça a segurança global, em tradução livre). O exército iraquiano que construímos é visto por muitos sunitas iraquianos "como executor de uma rede cleptocrática". O exército foi "sugado pelos comparsas de Maliki até se tornar uma casca vazia, incapaz de resistir à primeira bala".

A meta do EI agora é nos atrair, nos fazer bombardear cidades sunitas e afastar os sunitas que não fazem parte do EI dos Estados Unidos e atraí-los até ele, "porque", como nota Cheyes, "o EI sabe que não pode sobreviver sem o apoio desses sunitas que não são do EI".

Nós sempre superestimamos o treinamento e força militar e subestimamos o que os árabes e afegãos mais querem: governança justa e decente. Sem esta última, não há como cultivar cidadãos reais com desejo de lutar --e sem desejo de lutar, não há treinamento que importe.

Pergunte a qualquer general --ou jardineiro.