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Estado Islâmico afasta muçulmanos do Islã

Thomas L. Friedman

09/12/2014 00h01

O Estado Islâmico atrai visivelmente jovens muçulmanos de todo o mundo para o seu movimento violento para construção de um califado no Iraque e na Síria. Mas aqui está algo menos visível --a reação online contra o Estado Islâmico por jovens muçulmanos que declaram sua oposição ao governo pela lei islâmica, ou Shariah, e até mesmo professando seu ateísmo. Nadia Oweidat, uma integrante sênior da Fundação Nova América, que monitora como os jovens árabes usam a Internet, diz que o fenômeno está crescendo: "a brutalidade do Estado Islâmico está exacerbando a questão e até mesmo afastando alguns jovens muçulmanos do Islã".

Em 24 de novembro, a "BBC.com" publicou um artigo sobre os "trending topics" no Twitter. Ele começou: "Uma crescente conversa na rede social em árabe pede pelo abandono da implantação da Shariah, ou lei islâmica. Discutir a lei religiosa é um assunto delicado em muitos países muçulmanos. Mas no Twitter, um hashtag que poderia ser traduzido como 'por que rejeitamos a implantação da Shariah' foi usado 5.000 vezes em 24 horas. A conversa ocorre principalmente na Arábia Saudita e no Egito. O debate é sobre se a lei religiosa é adequada às necessidades dos países árabes e aos sistemas legais modernos. Alyaa Gad, uma médica egípcia que vive na Suíça, deu início ao hashtag. 'Eu não tenho nada contra religião', ela disse ao 'BBC Trending', mas ela diz ser contrária ao seu 'uso como sistema político'".

A "BBC" acrescentou que "muitos outros se juntaram à conversa, usando a hashtag, listando os motivos para árabes e muçulmanos abandonarem a Shariah. 'Porque não há nenhum exemplo positivo dela promover justiça e igualdade', tuitou um homem. (...) Uma mulher saudita comentou: 'Ao aderir à Shariah, nós estamos aderindo a leis inumanas. A Arábia Saudita está saturada do sangue dos executados pela Shariah'".

Ismail Mohamed, um egípcio cuja missão é criar liberdade de consciência ali, deu inicio a um programa chamado "Patos Pretos", para oferecer um espaço onde árabes ateístas e agnósticos possam falar livremente sobre seu direito de escolha no que acreditar e resistir à coerção e misoginia das autoridades religiosas. Ele faz parte da crescente Rede Árabe de Ateístas. Para notícias árabes escritas por árabes criticando autocratas e extremistas religiosos, também cheque freearabs.com.


Outra voz que chama atenção é a do Irmão Rachid, um marroquino que criou seu próprio canal no YouTube para transmitir sua mensagem de tolerância e expor os exemplos de intolerância dentro de sua antiga comunidade muçulmana. (Ele me disse que se converteu ao cristianismo, preferindo seu "Deus do amor".)

Neste segmento recente, youtube.com/watch?v=QxzOVSMUrGM, que já foi visto 500 mil vezes, o Irmão Rachid se dirige ao presidente Barack Obama:

"Caro sr. presidente, eu devo lhe dizer que está errado a respeito do EI. O senhor diz que o EI não fala em nome de nenhuma religião. Eu sou um ex-muçulmano. Meu pai é um imã. Eu passei mais de 20 anos estudando o Islã. (...) Eu posso lhe dizer com confiança que o EI fala em nome do Islã. (...) Os 10 mil membros do EI são todos muçulmanos. (...) Eles vêm de diferentes países e têm um denominador comum: o Islã. Eles seguem o profeta Maomé do Islã em cada detalhe. (...) Eles pedem por um califado, que é uma doutrina central no Islã sunita."

Ele continua: "Eu lhe peço, sr. presidente, de pare de ser politicamente correto e passe a chamar as coisas por seus nomes. O EI, a Al Qaeda, o Boko Haram, o Al-Shabab na Somália, o Taleban e outros grupos irmãos, todos são frutos do Islã. A menos que o mundo muçulmano lide com o Islã e separe religião do Estado, nós nunca colocaremos um fim a esse ciclo. (...) Se o Islã não é o problema, então por que há milhões de cristãos no Oriente Médio e nenhum deles explodiu a si mesmo para se tornar mártir, apesar de viverem sob as mesmas circunstâncias políticas e econômicas e até pior? Sr. presidente, se o senhor realmente deseja combater o terrorismo, então lute contra suas raízes. Quantos xeques sauditas estão pregando o ódio? Quantos canais islâmicos estão doutrinando as pessoas e lhes ensinando a violência do Alcorão e da hadith? (...) Quantas escolas islâmicas estão produzindo gerações de professores e alunos que acreditam na jihad, no martírio e no combate aos infiéis?"

O Estado Islâmico, ao alegar falar em nome de todos os muçulmanos --e ao promover uma forma puritana de Islã que leva a doutrinação atual por madrassas, financiada pelos sauditas, à sua conclusão política lógica-- explodiu a tampa de algumas antigas frustrações islâmicas fervilhantes no mundo árabe muçulmano.

Como uma pessoa de fora, eu não posso dizer o quão disseminado é isto. Mas claramente há um grupo significativo de muçulmanos que sente que os pregadores apoiados pelo governo e as hierarquias religiosas lhes impõem um tipo de Islã que não os representa. Essas mesmas autoridades também lhes negam as ferramentas de pensamento crítico e espaço religioso para imaginarem novas interpretações. Assim alguns poucos, como o Irmão Rachid, trocam o Islã por uma religião diferente e convidam outros a fazer o mesmo. E alguns deles se distanciam totalmente da religião de modo discreto --cansados de serem tratados com condescendência por ocidentais politicamente corretos lhes dizendo o que o Islã não é e por serem tiranizados por autoridades islâmicas autonomeadas lhes dizendo o que é o Islã. Agora que a Internet criou plataformas e espaços alternativos, seguros e livres para discutir essas questões, fora das mesquitas e da mídia de propriedade do governo, essa guerra de ideias está ocorrendo.