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Quem está jogando bolas de gude agora?

23/12/2014 01h22

Em março, foi perguntado ao presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, Mike Rogers, no “Fox News Sunday” sobre o que achava da forma como o presidente Barack Obama estava lidando com as relações com a Rússia, em comparação à forma como o presidente Vladimir Putin estava lidando com as relações com os Estados Unidos. Rogers respondeu: “Bem, eu acho que Putin está jogando xadrez e acho que estamos jogando bolas de gude. E não acho que estamos nem mesmo perto”.

Hmmm. Bolas de gude. É uma metáfora interessante. Na verdade, parece que Obama é quem estava jogando xadrez e Putin quem estava jogando bolas de gude, e hoje não seria errado dizer que Putin perdeu suas bolas –em ambos os sentidos da palavra.

Rogers não foi o único a ter inveja de Putin. Com apontou Jon Stewart, a “Fox News” viveu uma verdadeira paixão por Putin desde março. Sarah Palin opinou na rede que “As pessoas olham para Putin como alguém que luta com ursos e extrai petróleo. Elas olham para nosso presidente como alguém que usa calça jeans fora de moda, que se equivoca e fala de modo vazio”. O colaborador da “Fox”, Rudy Giuliani, observou no mesmo dia que, diferente de Obama, Putin era “um líder de verdade”.

Só se conduzir seu país à ruína econômica é uma forma de liderança. E não se trata de uma crítica olhando para trás. Está óbvio há meses que Putin estava lutando contra o mercado, contra a lei de Moore, contra a Mãe Natureza e a natureza humana, tudo ao mesmo tempo.

Ele apostou quase toda sua economia em petróleo e gás que só podem ser explorados a longo prazo, sob risco de uma mudança climática disruptiva. Ele subestimou o grau com que a inovação tecnológica permitiu aos Estados Unidos produzir mais petróleo, gás e energia renovável e obter maior eficiência, tudo ao mesmo tempo, ajudando a minar os preços do petróleo. Ele convenceu a si mesmo que os ucranianos derrubaram seus líderes corruptos apenas porque a CIA lhes disse para fazer isso –não devido à busca humana permanente por um futuro melhor para seus filhos. E ele subestimou quão integrada e interdependente a Rússia está aos mercados globais e quão profundamente as sanções, com o passar do tempo, o machucariam.

Não vamos medir palavras: Vladimir Putin é um valentão iludido. Ele criou, se apaixonou e agora está sendo desiludido por uma noção fantasiosa de seu poder e o da Rússia.

Ele poderia realizar uma nova investida militar para distrair seu povo com mais objetos reluzentes?

Sim, ele poderia, mas então ele violaria outra regra da geopolítica: “A primeira regra dos buracos” –quando você está em um, para de cavar.

Eu digo isso sem satisfação. Na verdade, eu digo com profundo pesar. Eu me opus à expansão da OTAN e ao nosso rasgar unilateral do Tratado Antimísseis Balísticos quando a Rússia estava fraca. Eu queria –e ainda quero– ver os Estados Unidos serem parceiros da Rússia para deter a desordem global, porque em muitos lugares no mundo nós não podemos ser eficazes sem a parceria da Rússia. A propósito, nós expandimos a OTAN –e de modo não intencional ajudamos a fomentar as condições políticas na Rússia para que a política xenofóbica, baseada em queixas, de Putin florescesse.

Mas Putin também enlouqueceu. O petróleo a US$ 110 o barril subiu à sua cabeça. Ele achou que tudo era mérito dele, suas decisões, a economia que ele e seus comparsas construíram, e em um direito geopolítico russo baseado na história. Na verdade, ele apostou tudo na exploração de gás e petróleo, não no desenvolvimento de seu povo e de seus talentos. Ele ascendeu com a alta dos preços e está caindo com eles.

Ao longo do caminho, Putin mentiu ao mundo e iludiu a si mesmo. Sua grande mentira é que a derrubada pelo povo do governo corrupto de Viktor Yanukovych, em Kiev, foi apenas uma trama ocidental para atrair a Ucrânia para a OTAN. No mundo de Putin, definido pela espionagem, ninguém tem uma agência –exceto a Agência Central de Inteligência (CIA) ou a KGB. É inconcebível para ele que uma massa crítica de ucranianos possa ter olhado para a Polônia e invejado quão bem ela se saiu desde que se libertou da órbita do Kremlin e ingressou na União Europeia –a ponto de terem dito a si mesmos, “Nós queremos isso”– e para conseguirem isso teriam que tomar as ruas e derrubar o aliado de Putin em Kiev, exigindo um governo democrático menos corrupto e mais transparente.

Putin viu tudo isso como um plano da CIA-OTAN visando mobilizar a população russa em seu apoio e justificar sua tomada feia da Crimeia e sua intervenção na Ucrânia, que incluiu o envolvimento indireto na derrubada de um avião de passageiros malasiano.

A verdade é que Putin não teme a expansão da OTAN até a Ucrânia. Isso nunca esteve nas cartas. Ele tem medo da expansão da União Europeia. Ele não quer que a Ucrânia se junte à união aduaneira europeia, adote suas regulações anticorrupção e de transparência e comece a desenvolver uma economia bem-sucedida baseada nos princípios europeus, que todo dia contrastaria e seria uma crítica à cleptocracia não transparente que Putin e seus comparsas do gás e petróleo construíram na Rússia.

Sua grande ilusão é que sua mentalidade está presa a uma visão de mundo do século 19, onde a Rússia sempre teve e sempre terá direito à “esferas de influência” em suas fronteiras. Mas esferas de influência não são como um diploma honorário que você recebe da Universidade de Moscou e pode manter para sempre. Hoje, as esferas de influência precisam ser obtidas e reobtidas. Porque hoje, graças à tecnologia, cidadãos emergentes podem articular e organizar suas próprias aspirações de modo muito mais eficaz. Essas são “pessoas de influência”, e se afirmaram em praças de Tahir e Taksim até Maidan, em Kiev. A Ucrânia pode ser o primeiro campo de batalha na história onde pessoas de influência lutam contra um pensador de esfera de influência. Eu ainda aposto nas pessoas.

O declínio da Rússia é ruim para os russos, mas isso não significa que seja bom para os americanos. Quando o mundo se torna tão interconectado e interdependente, você obtém um reverso estratégico: seus amigos, por meio de má gestão econômica (veja a Grécia), podem fazer mais mal a você do que seus inimigos. E a queda de seus rivais (veja a Rússia e a China) pode ser mais perigosa do que a ascensão de seus rivais. Se a Rússia, uma economia que cobre nove fusos horários, entrar em recessão e não puder pagar seus credores externos com sua receita de petróleo mais baixa –e tudo isso levar a uma turbulência econômica e a calotes nos bancos ocidentais– esse crash será sentido globalmente.

Warren Buffett observou durante a crise econômica de 2008 que “apenas quando a maré recua é que você descobre quem não está usando traje de banho”. Bem, a maré do petróleo baixou e revelou que Putin estava nadando pelado. Ao fazê-lo, o país que ele mais ameaça atualmente é a Rússia, mas não apenas ela. Uma Rússia triunfante, alimentada pelo petróleo, é perigosa; mas uma Rússia cada vez mais pobre, derrotada e enfurecida também é perigosa. Assim, apesar de tudo dito acima, eu gostaria de ver o Ocidente trabalhar com Putin para relaxar as sanções contra a Rússia, mas apenas se Putin se mostrar disposto a parar de roubar as bolas de gude dos outros, apenas se ele estiver realmente pronto para ser parte da solução em lugares como a Ucrânia –e não parte do problema.