Topo

As férias acabaram?

Fotografia de Fidel Castro decora prédio do governo municipal em Havana, em Cuba. O país retomou relações diplomáticas com os Estados Unidos em 17 de dezembro - Ramon Espinosa/AP
Fotografia de Fidel Castro decora prédio do governo municipal em Havana, em Cuba. O país retomou relações diplomáticas com os Estados Unidos em 17 de dezembro Imagem: Ramon Espinosa/AP

27/12/2014 00h05

Mais do que percebemos, o mundo passou por um período de sorte desde o colapso financeiro global de 2008. Como assim? Os anos entre 2008 e o final de 2013 foram –de modo relativo– um período um tanto benigno de políticas das grandes potências e geopolítico.

Isso permitiu que as grandes potências econômicas –Estados Unidos, União Europeia, China, Índia, Rússia, Brasil e Japão– se concentrassem quase exclusivamente na recuperação econômica. Mas agora há fortes indícios de que nossas férias de geoestabilidade acabaram.

A última vez em que o mundo testemunhou uma queda tão acentuada e sustentada nos preços do petróleo –de 1986 a 1999– isso foi acompanhado por algumas consequências políticas profundas para os países dependentes de petróleo e para aqueles que dependem de suas benesses. O império soviético ruiu; o Irã elegeu um presidente reformista; o Iraque invadiu o Kuait; e Yasser Arafat, ao perder o apoio soviético e os banqueiros árabes, reconheceu Israel –só para citar algumas poucas.

Reconhecidamente, outros fatores estiveram envolvidos em todos esses eventos. Mas, em cada caso, a queda acentuada nas receitas diretas ou indiretas do petróleo exerceu um grande papel.

Se a atual queda nos preços do petróleo se sustentar, nós também veremos muitas surpresas. Algumas terão final feliz. A decisão de Cuba de fazer as pazes com os Estados Unidos talvez tenha sido incitada em parte pelos temores de Havana de perder parte ou todos os 100 mil barris de petróleo subsidiados por dia que recebe da Venezuela, agora destituída de dinheiro.

Outras podem ser desestabilizadoras. O mundo atual está muito mais estreitamente interconectado e interdependente do que durante a última queda dos preços do petróleo, que ocorreu antes da disseminação da Internet. E o mundo atual tem muito mais agentes –superpotências e indivíduos e hackers com “super poderes” que podem desestabilizar empresas e países com ciberarmas. Veja os verbetes “Sony” e “Coreia do Norte”.

Quando ouço o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se gabando de que a receita mais baixa do petróleo não afetará o povo russo, porque ele é estoico –veja o que ele tolerou durante a Segunda Guerra Mundial– minha reação é: “Sr. Putin, isso foi antes de haver uma classe média urbana significativa na Rússia, aquela que o senhor ajudou a desenvolver com o gotejo das receitas de petróleo e gás”. Muito mais russos agora estão acostumados a viajar para o exterior, a ter um carro (veja os congestionamentos em Moscou), a consumir bens ocidentais e a ver como o restante do mundo vive. Vamos ver quão estoicos serão agora. O ex-ministro das Finanças russo, Alexei Kudrin, foi citado pelo “Financial Times” na segunda-feira como tendo dito: “Haverá uma queda nos padrões de vida. Será doloroso. As atividades de protesto aumentarão”.

As sanções do Ocidente aos bancos de Putin, somadas à queda acentuada repentina nos preços do petróleo e a fuga de capital também provocada pelas sanções, deixam a Rússia com uma diferença perigosa entre a entrada de fundos para sua economia e o que precisa sair para pagamento de suas dívidas e financiamento de suas importações. Putin não pode aliviar a pressão sem uma suspensão das sanções ocidentais. Isso o obrigaria a reverter sua tomada da Crimeia e a intervenção na Ucrânia.

Se Putin admitir que sua aventura na Ucrânia foi um erro, ele parecerá incrivelmente tolo e sua cabeça poderá rolar no Kremlin. Se ele não recuar, os russos pagarão um preço imenso. De qualquer forma, esse sistema será estressado com repercussões imprevisíveis na economia global. Lembre-se: o colapso econômico da Rússia em 1998 –também provocado pelos preços baixos do petróleo e pela moratória que declarou nos pagamentos aos credores estrangeiros– ajudou a afundar o fundo hedge gigante americano Long-Term Capital Management, provocando um quase colapso em Wall Street.

Uma queda prolongada nos preços do petróleo terá impacto sobre a Argélia, Irã e os países árabes do Golfo Pérsico, onde regimes envelhecidos vêm utilizando os preços altos do petróleo para aumentar os salários dos funcionários públicos e comprar a tranquilidade de sua população durante a Primavera Árabe. Além disso, em uma era em que máquinas e software estão assegurando o fim do espaço para trabalhadores medianos nos países desenvolvidos, e todos precisam atualizar constantemente suas habilidades, o que acontecerá aos países árabes em desenvolvimento e ao Irã, que usam o dinheiro do petróleo para mascarar seus déficits em conhecimento, educação e empoderamento da mulher? O governo militar no Egito é altamente dependente do dinheiro do petróleo árabe para se manter em meio à crise. A boa notícia: o Estado Islâmico, que depende do contrabando de petróleo, fracassará como governo ainda mais depressa do que já está fracassando.

Enquanto isso, o presidente cada vez mais tirânico da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, que vinha prendendo seus adversários domésticos, está parecendo “Vladimir Putin Jr.”

Erdogan é uma figura trágica, porque fez muito para desenvolver a economia da Turquia em uma potência. Mas hoje, segundo o “Financial Times”, a Turquia “precisa de mais de US$ 200 bilhões em financiamento estrangeiro por ano, mais de um quarto do produto interno bruto, para manter seu nível atual de crescimento”. Haverá muito menos dinheiro árabe e russo para isso e, na semana passada, com Erdogan sendo criticado pela União Europeia (uma grande fonte de investimento) pela prisão de seus oponentes, a lira turca sofreu alta desvalorização frente ao dólar. Aguarde por desdobramentos.

Os preços altos do petróleo encobriram muitos pecados e promoveram muitos pecados. Se permanecerem baixos por um período longo, muitos líderes pagarão caro por suas políticas insanas. As consequências politicas e geopolíticas serão variadas –boas e ruins– mas serão abundantes.