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Opinião: Israel comete grande erro ao pedir aos EUA que endureçam com o Irã

29.jan.2015 - Baterias de artilharia móvel israelenses são deslocadas para perto da fronteira com o Líbano, na região ocupada por Israel desde 1967, após a guerra dos Seis Dias, depois da morte de três pessoas em um ataque do Hezbollah - Menahem Kahana/AFP
29.jan.2015 - Baterias de artilharia móvel israelenses são deslocadas para perto da fronteira com o Líbano, na região ocupada por Israel desde 1967, após a guerra dos Seis Dias, depois da morte de três pessoas em um ataque do Hezbollah Imagem: Menahem Kahana/AFP

Thomas L. Friedman

05/02/2015 00h01

A decisão do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e do presidente da Câmara, John Boehner, de organizar um discurso de Netanyahu no Congresso norte-americano sobre por que os EUA devem ser mais duros com o Irã é tosca, imprudente e bastante perigosa para o futuro das relações entre Israel e os EUA.

Se Netanyahu quer um conselho inteligente, ele deve ouvir seu ex-embaixador em Washington, o respeitado Michael Oren, que teria dito que toda a jogada estava criando a impressão de “um movimento político cínico, que poderia prejudicar nossas tentativas de agir contra o Irã”. Ele instou Netanyahu a cancelar o discurso.

E se Netanyahu e seu atual embaixador em Washington, Ron Dermer, que organizou a empreitada com Boehner, querem saber o quanto seu plano é ofensivo é para os americanos, eles deveriam ouvir o apresentador do programa conservador “Fox News Sunday”, Chris Wallace, que não costuma criticar Israel, e disse corajosamente sobre o convite de Bibi na sexta-feira 23 de janeiro: “Para vocês terem uma noção de como essa coisa toda é realmente perversa, o Secretário de Estado, John Kerry, se reuniu com o embaixador israelense por duas horas na terça-feira e, de acordo com o Departamento de Estado, o embaixador de Israel, Ron Dermer, nunca mencionou o fato de Netanyahu ter negociado e, por fim, concordado em ir para Washington, não para ver o presidente, mas para ir para ao Capitólio, discursar em uma sessão conjunta do Congresso e criticar a política do presidente. Eu tenho que dizer que estou chocado”.

Imagine se o Partido Trabalhista de Israel convidasse o presidente Barack Obama para falar em seu Parlamento sobre por que Israel deve dar mais tempo às negociações com o Irã, e que tudo fosse resolvido com o embaixador dos EUA em Tel Aviv por trás das costas do Partido Likud do primeiro-ministro. Um monte de israelenses iria entender isso como um insulto ao seu líder democraticamente eleito.

Eu conversei muitos dos meus amigos não judeus que acompanham a política mundial e que são simpáticos a Israel, e eles realmente não gostaram disso. Não desrespeita apenas nosso presidente, mas também nosso sistema e certos limites diplomáticos que cada líder estrangeiro deve respeitar –e costuma fazê-lo.

Como isso aconteceu: Netanyahu; seu embaixador; o lobby pró-Israel AIPAC; Sheldon Adelson, o grande doador para Bibi e para o Partido Republicano; e Boehner vivem em sua própria bolha autossuficiente. Dá para dizer que não havia ninguém lá dentro dizendo: “Bibi, este discurso ao Congresso duas semanas antes de sua eleição talvez lhe dê uma boa onda de um dia com os eleitores israelenses, mas é realmente de mau gosto você usar o Congresso dos Estados Unidos como um pano de fundo para a sua campanha. Muitos dos amigos de Israel vão se sentir mal, e os antissemitas, que alegam que Israel controla Washington, terão um dia de glória”.

Em reação a esta manobra, 10 senadores democratas -que haviam defendido mais sanções contra o Irã- já se afastaram dos republicanos e concederam à Casa Branca o adiamento de dois meses que pedira, para ver se as negociações ainda teriam resultados. Foi exatamente o oposto do que Netanyahu queria, e mostra como os democratas estão revoltados.

Mas a ideia não é apenas tosca. É de fato imprudente o líder de Israel colocar seu destino nas mãos dos republicanos contra um presidente democrata. Israel e seus defensores já estão sob cerco nas universidades norte-americanas, onde muitos conselhos universitários estão sob pressão de alienação de empresas que fazem negócios com Israel. De nada serve aos interesses de Israel fazer com que o apoio ao país seja uma causa eminentemente republicana –e tampouco serve aos interesses dos Estados Unidos. Israel precisa de mais apoio do que apenas do Congresso ou de um partido.

As preocupações de Netanyahu com o Irã têm seu mérito. Mas sua agressividade também têm críticos em Israel. Se o Congresso quer entender a perspectiva de Israel sobre como lidar com o Irã, então deveria convidar também as principais autoridades de inteligência e oficiais militares israelenses, da ativa e da reserva, que vêm falando publicamente contra a ameaça de Netanyahu de usar a força contra o Irã. Por que ouvir apenas um ponto de vista de Israel? Como isso seria do interesse dos Estados Unidos?

Pessoalmente, eu ainda tenho dúvidas de que os EUA e o Irã cheguem a um acordo que ponha fim ao programa de armas nucleares do Irã. Esse fracasso seria muito sério e pode acabar, um dia, com os EUA decidindo que terão que usar a força para conter o programa iraniano. Nós certamente não queremos que o Irã obtenha uma bomba e desencadeie uma corrida armamentista nuclear em um Oriente Médio já instável.

Mas, se fizermos uso da força, o sucesso não é garantido e o contragolpe é imprevisível. Por isso, não é absolutamente do interesse de Israel dar a menor aparência de instar os EUA em direção a tal decisão militar. Israel deve ficar a um milhão de milhas de distância da referida decisão, deixando claro que é um assunto inteiramente pertinente aos EUA. Porque, se tivermos que atacar o Irã, muitos americanos não ficarão felizes. E se fracassarmos ou tivermos consequências onerosas para nós e nossas forças armadas, você pode ter certeza que muito outros americanos não ficarão felizes -e alguns vão se perguntar como chegamos a esta confusão. Uma das primeiras coisas que vão desenterrar será o discurso de Netanyahu no Congresso.

Por que razão Israel se colocaria nessa situação? Simplesmente se mantenha longe da vista, Sr. Netanyahu. Não tente influenciar nossa política. Deixe os EUA tirarem as suas próprias conclusões.