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Estado Islâmico é produto de governos falidos no mundo árabe e no Paquistão

Thomas L. Friedman

27/02/2015 00h01

Os italianos entenderam certo. Na semana passada, Adam Taylor, do “The Washington Post”, prestativamente recolheu tuítes publicados por italianos após a divulgação de um vídeo assassino pelo Estado Islâmico (EI), advertindo: “Hoje estamos ao sul de Roma”, diz um militante. “Vamos conquistar Roma, com a permissão de Alá”.

Com o marcador (hashtag) We_Are_Coming_O_Rome (nós estamos chegando, Roma) correndo pela Itália, os romanos reagiram com galhardia.

Como observou Taylor, seus tuítes incluíram:

"We_Are_Coming_O_Rome Hahahah Tenha cuidado na estrada: há muito tráfego, você ficaria preso!”

We_Are_Coming_O_Rome Ei, só uma dica: não venham de trem, toda vez ele está atrasado!”

We_Are_Coming_O_Rome Tarde demais, a Itália já foi destruída por seus governos.”

E “We_Are_Coming_O_Rome Estamos prontos para conhecê-los! Temos um bom terreno no Coliseu à venda, aceitamos cartões de crédito com segurança, preço de banana.”

Os assassinatos do EI não são uma piada, mas os italianos zombarem do EI é bastante apropriado. Enquanto nós debatemos aflitivamente a relação do EI com o islã, esquecemos a simples verdade sobre muitas das pessoas que são atraídas para esses grupos.

Essa verdade foi verbalizada por Ruslan Tsarni na "CNN" depois que seus dois sobrinhos, Dzhokhar e Tamerlan Tsarnaev, foram acusados do atentado à Maratona de Boston. Eram apenas dois “fracassados”, disse ele, que se ressentiam daqueles que se saíram melhor do que eles e mascararam esse sentimento com a ideologia. “Qualquer outra coisa, qualquer coisa a ver com a religião, com o islã, é uma fraude, uma farsa”.

Há muita verdade nisso. O EI é composto de três facções meio fluidas, e precisamos entender todas as três antes de mergulharmos mais fundo em outra guerra no Iraque e na Síria. Uma das facções abrange os voluntários estrangeiros. Alguns são jihadistas empedernidos, mas muitos são apenas jovens fracassados, desajustados, aventureiros que nunca tiveram um emprego, qualquer poder ou a mão de uma garota, e entraram para o EI para obter todos os três. Eu duvido que muitos sejam sérios estudantes do islamismo ou que, se tivessem acesso a uma versão mais moderada do islã, teriam ficado em casa. Se o EI começar a perder e não conseguir oferecer empregos, poder ou sexo, esse grupo vai encolher.

A segunda facção do EI, sua espinha dorsal, é composta de ex-oficiais do exército de sunitas baathistas e de sunitas e tribos locais que dão apoio passivo ao EI. Embora os sunitas iraquianos constituam apenas um terço da população do Iraque, eles já governaram o Iraque por gerações e simplesmente não conseguem aceitar o fato de que a maioria xiita agora esteja no comando.

Além disso, para muitos habitantes sunitas sob controle do EI, o grupo radical é simplesmente menos ruim do que a brutalidade e a discriminação que tinham que suportar com o governo anterior liderado pelos xiitas. Faça um Google com “milícias xiitas iraquianas e abuso de poder” e você verá que o EI não inventou a tortura no Iraque.

Os Estados Unidos continuam a repetir o mesmo erro no Oriente Médio: superestimam o poder da ideologia religiosa e subestimam o impacto do mau governo. Sarah Chayes, que trabalhou durante muito tempo no Afeganistão e escreveu um livro importante --“Thieves of State: Why Corruption Threatens Global Security” (em tradução livre, “Ladrões do Estado: Por que a corrupção ameaça a segurança global”)-- sobre como a corrupção ajudou a afastar os afegãos dos Estados Unidos e do regime afegão pró-EUA, argumenta que “nada alimenta mais o extremismo do que a corrupção e a injustiça declaradas” que alguns aliados dos EUA no Oriente Médio administram diariamente ao seu povo.

A terceira facção do EI é composta dos verdadeiros ideólogos, liderados por Abu Bakr al-Baghdadi. Eles têm sua própria versão apocalíptica do islã. Mas ela não teria ressonância, não fosse o fato de que “a religião e a política foram sequestradas” no mundo árabe e no Paquistão, criando uma “mistura tóxica”, como diz Nader Mousavizadeh, que dirige a empresa de consultoria global Macro Advisory Partners.

Os povos árabes têm sido governados em grande parte por radicais ou reacionários. E sem a perspectiva de uma política legítima “que realmente responda às queixas populares”, nenhuma tentativa imposta de cima para baixo para engendrar um islamismo moderado terá sucesso.

O islamismo não tem um Vaticano para decretar qual de suas vertentes é autêntica, de modo que elas emergem de forma diferente em diferentes contextos. Há um islã moderado que surgiu em contextos políticos, sociais e econômicos decentes --veja o islamismo na Índia, na Indonésia e na Malásia-- e que não impediu o progresso da sociedade. E há islamismos de educação puritana, anti-pluralista, anti-moderna, anti-mulheres, que surgiram nos cantões mais tribais do mundo árabe, Nigéria e Paquistão, e ajudaram a impedir o desenvolvimento desses lugares.

É por isso que o EI não é apenas um problema do islamismo e não é apenas um problema de “raízes”. O EI é um produto de décadas de governos falidos no mundo árabe e no Paquistão e séculos de calcificação do islamismo árabe. Eles se alimentam mutuamente. Aqueles que afirmam que é apenas um ou o outro estão absolutamente errados.

Assim, para derrotar o EI e não ver o surgimento de outro similar, é preciso: acabar com a sua liderança; alistar muçulmanos para desacreditarem as versões populares e extremistas do islã que vêm da Arábia Saudita e do Paquistão; frear a injustiça, a corrupção, o sectarismo e a falência do Estado hoje galopantes no mundo árabe e no Paquistão; e criar para os sunitas iraquianos sua própria região autônoma do Iraque, com uma parte de sua riqueza petrolífera, como a dos curdos.

Eu sei: parece impossível. Mas este problema é muito profundo. E este é o único caminho para um islamismo árabe mais moderado e para se ter menos jovens buscando a dignidade nos lugares errados.

Tradução: Deborah Weinberg