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Obama apresenta sua "doutrina" para explicar conversas com Cuba e Irã

Mike Theiler/Reuters
Imagem: Mike Theiler/Reuters

Thomas L. Friedman

06/04/2015 12h42

Em setembro de 1996 eu visitei o Irã. Uma de minhas lembranças mais duradouras dessa viagem foi que no saguão do meu hotel havia uma placa sobre a porta proclamando "Abaixo os EUA". Mas não era uma faixa ou um grafite. Era em ladrilhos chumbados na parede. Pensei comigo mesmo: "Puxa! Isso está chumbado! Não vai sair tão fácil".

Quase 20 anos depois, no rastro de um esboço de acordo entre o governo Obama e o Irã, temos possivelmente a melhor oportunidade de começar a remover aqueles dizeres, a atenuar a guerra fria-quente entre EUA e Irã que corrói a região há 36 anos. Mas há uma possibilidade cheia de riscos reais para os EUA, para Israel e para nossos aliados árabes sunitas de que o Irã se torne um Estado com armas nucleares.

O presidente Barack Obama me convidou para ir ao Salão Oval na tarde de sábado (4) para explicar exatamente como ele está tentando equilibrar esses riscos e oportunidades no acordo esquemático alcançado com o Irã na semana passada na Suíça. O que mais me marcou foi o que eu chamaria de "doutrina Obama" embutida nos comentários do presidente. Ela apareceu quando eu perguntei se havia um denominador comum em suas decisões de romper as antigas políticas americanas que isolam Mianmar, Cuba e agora o Irã.

Obama disse que sua opinião é que o "envolvimento", combinado com a realização de necessidades estratégicas vitais, poderia servir aos interesses americanos diante desses três países muito melhor do que o fim das sanções e do isolamento. Ele acrescentou que os EUA, com seu poder avassalador, precisa ter autoconfiança e assumir alguns riscos calculados para abrir novas possibilidades importantes - como tentar forjar um acordo diplomático com o Irã que, enquanto permita que ele mantenha parte de sua infraestrutura nuclear, anule sua capacidade de construir uma bomba nuclear durante pelo menos uma década, ou mais.

"Somos poderosos o suficiente para podermos testar essas propostas sem nos expormos a risco. E é isso... que as pessoas não parecem compreender", disse o presidente. "Pegue um país como Cuba. Para testarmos a possibilidade de que o envolvimento leve a um resultado melhor para a população cubana, não há muitos riscos para nós. É um país muito pequeno, que não ameaça nossos principais interesses de segurança, por isso (não há motivo para não) testar essa proposta. E se por acaso ela não levar a resultados melhores poderemos adaptar nossas políticas. O mesmo vale para o Irã, um país maior e perigoso, que se envolveu em atividades que resultaram na morte de cidadãos americanos, mas a verdadeira história é que o orçamento de Defesa do Irã é de US$ 30 bilhões. O nosso orçamento de Defesa está perto de US$ 600 bilhões. O Iraque compreende que não pode nos combater. Você perguntou sobre uma doutrina Obama. A doutrina é: Nós vamos nos envolver, mas preservando todas as nossas capacidades".

A ideia de que o Irã é incontível - "simplesmente não é o caso", acrescentou ele. "E então, para nós dizermos 'vamos tentar' - compreendendo que estamos preservando todas as nossas opções, que não somos ingênuos -, mas se na verdade pudermos resolver essas questões de forma diplomática teremos maior probabilidade de ficar seguros, em uma posição melhor para proteger nossos aliados, e, quem sabe?, o Irã pode mudar. Se não o fizer, nossa capacidade de dissuasão, nossa superioridade militar continua implantada. Não estamos abandonando nossa capacidade de nos defender e aos nossos aliados. Nessa situação, por que não a testaríamos?"

Obviamente, Israel está em outra situação, acrescentou Obama. "Você poderia ouvir do primeiro-ministro (Benjamin) Netanyahu, que eu respeito, a ideia: 'Veja, Israel está mais vulnerável. Não temos o luxo de testar essas propostas como vocês têm', e eu entendo isso totalmente. Além disso, compreendo completamente a crença de Israel de que, diante da história trágica do povo judeu, eles não podem depender somente de nós para sua própria segurança. Mas o que eu lhes diria é que não apenas estou absolutamente comprometido com garantir que eles mantenham sua vantagem militar qualitativa e que eles possam dissuadir quaisquer futuros ataques, mas o que estou disposto a fazer é o tipo de compromisso que daria a todo mundo na região, incluindo o Irã, uma clareza de que se Israel for atacado por qualquer Estado nós o defenderemos. E isso, eu acho, deveria ser... suficiente para aproveitar esta oportunidade única de ver se podemos ou não pelo menos tirar a questão nuclear da mesa."

Ele acrescentou: "O que eu diria à população israelense é que... não existe uma fórmula, não há opção, para evitar que o Irã consiga uma arma nuclear que seja mais eficaz que a iniciativa diplomática e o esquema que apresentamos - e isso pode ser demonstrado".

O presidente manifestou, porém - de uma maneira mais emocional e pessoal do que jamais ouvi - sua tristeza por ser retratado em Israel e entre os judeus americanos como de certa forma anti-Israel, quando suas opiniões sobre a paz são compartilhadas por muitos israelenses de centro-esquerda e sua administração foi reconhecida pelas autoridades israelenses por ter sido tão vigorosa quanto possível para manter a vantagem estratégica de Israel.

Com enormes quantidades de dinheiro da campanha conservadora fluindo para candidatos que defendem opiniões pró-Israel, qual partido apoia mais Israel está se tornando uma questão angular, uma corrida armamentista, com os candidatos republicanos competindo sobre quem pode dar um apoio mais incondicional a Israel em qualquer desacordo com os EUA, e os democratas comuns pró-Israel se sentindo cada vez mais alienados.

"Esta é uma área que me preocupa", disse o presidente. "Veja, Israel é uma democracia robusta e vigorosa... Temos muito em comum. Compartilhamos o sangue, a família. E parte do que sempre tornou o relacionamento EUA-Israel tão especial é que ele transcendeu os partidos, e acho que isso tem de ser preservado. Precisa haver a possibilidade de eu discordar de uma política sobre assentamentos, por exemplo, sem ser considerado um opositor de Israel. Tem de haver uma maneira de o primeiro-ministro Netanyahu discordar de mim em políticas sem ser considerado um antidemocrata, e eu acho que a maneira certa de fazer isso é reconhecer que assim como temos muitas coisas em comum haverá diferenças estratégicas. E acho que é importante para cada lado respeitar o debate que ocorre no outro país, e não tentar trabalhar apenas com um lado. Mas isto tem sido tão difícil quanto qualquer coisa que eu faça por causa das profundas afinidades que sinto pela população israelenses e pelo povo judeu. Tem sido um período difícil."

‘O senhor toma isso pessoalmente?’, perguntei.

"Tem sido pessoalmente difícil para mim ouvir expressões de que de certa forma... este governo não fez tudo o que poderia pelos interesses de Israel - e a sugestão de que quando temos diferenças políticas muito sérias não é no contexto de uma profunda e duradoura amizade, preocupação e compreensão das ameaças que o povo judeu enfrentou historicamente e continua enfrentando."

Quanto à proteção de nossos aliados árabes sunitas como a Arábia Saudita, o presidente disse que eles têm algumas ameaças externas muito reais, mas também têmalgumas ameaças internas - "populações que em certos casos são alienadas, jovens que estão subempregados, uma ideologia que é destrutiva e niilista e, em certos casos, apenas uma crença de que não há saídas políticas legítimas para os problemas. E assim parte de nosso trabalho é trabalhar com esses Estados e dizer: 'Como podemos aumentar suas capacidades defensivas contra ameaças externas?’, mas também como podemos reforçar o corpo político nesses países, de modo que a juventude sunita sinta que eles têmalgo mais que (o Estado Islâmico) como opção.... Eu acho que as maiores ameaças que eles enfrentam talvez não venham de uma invasão do Irã. Será da insatisfação interna em seus próprios países.... Essa é uma conversa dura de se ter, mas uma que precisamos ter."

Dito isso, o acordo com o Irã está longe de concluído. Como advertiu o presidente: "Ainda não terminamos. Há muitos detalhes a ser elaborados, e você poderia ver recuos, deslizes e verdadeiras dificuldades políticas, tanto no Irã como obviamente aqui no Congresso americano".

Sobre o papel do Congresso, Obama disse que ele insiste em preservar a prerrogativa presidencial de entrar em acordos com potências estrangeiras sem a aprovação do Congresso. Entretanto, acrescentou: "Eu penso que (o senador republicano do Tennessee Bob) Corker, o líder da Comissão de Relações Exteriores, é alguém sinceramente preocupado com essa questão e é um homem bom e decente, e minha esperança é que possamos encontrar algo que permita ao Congresso se manifestar mas não interfira nas tradicionais prerrogativas presidenciais - e garanta que, se de fato conseguirmos um bom acordo, poderemos ir em frente e implementá-lo".

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

Obama terá desafios após acordo nuclear com o Irã