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EUA devem concluir acordo com o Irã de modo certeiro

Ho/Khamanei.ir/AFP
Imagem: Ho/Khamanei.ir/AFP

Thomas L. Friedman

23/04/2015 00h03

O esforço da equipe Obama de negociar um acordo com o Irã, capaz de impedir os iranianos de desenvolver uma bomba nuclear por pelo menos uma década, está agora entrando em sua etapa final crítica. Eu espero que um acordo bom e verificável possa ser finalizado, mas não será fácil. Se fosse, já o teríamos a esta altura. Aqui estão os principais desafios:

Primeiro, é possível negociar um acordo simples de controle de armas com um adversário no qual não confia. Nós fizemos isso com o Kremlin na Guerra Fria. Por simples, quero dizer com relativamente poucas partes móveis, e procedimentos de verificação bem claros que não exijam boa vontade do outro lado –como o monitoramento dos locais de lançamento de mísseis soviéticos com nossos próprios satélites. Também é possível negociar um acordo complicado de controle de armas com um país que compartilha seus valores: o Japão e a Coreia do Sul submetem regularmente suas instalações nucleares a inspeções internacionais.

Mas é difícil implantar um acordo complexo de controle de armas com um adversário no qual não confia –como o Irã e a Coreia do Norte. Cada parte móvel exige boa vontade por parte do outro lado e, como há muitas partes móveis, as oportunidades de trapaça são muitas. Isso exige vigilância constante. Estados Unidos, Rússia, China e Europa estão prontos para fazer isso por uma década?

Após a invasão ao Iraque, nós tiramos nossos olhos da Coreia do Norte e ela desviou combustível nuclear para uma bomba. Com o Irã, o Departamento de Energia dos Estados Unidos está planejando empregar novos dispositivos de monitoramento em solo em cada canto do complexo nuclear do Irã, o que deve ajudar. Mas também é preciso haver tolerância zero com trapaça –e um preço muito alto caso acontecça.

Segundo, para nós, isto é apenas um acordo de controle de armas. Para o Irã, trata-se de uma "crise de identidade" que está sendo pedido que ele resolva, e ainda não está claro se poderá fazê-lo, segundo Robert Litwak, do Centro Wilson e autor de "Outlier States: American Strategies to Contain, Engage, or Change Regimes".

O engajamento dos Estados Unidos com o Irã, disse Litwak, é como "um cruzamento da crise dos mísseis de Cuba com a Guerra dos Trinta Anos". Para nós, trata-se de pura negociação nuclear, mas, para o Irã, a questão nuclear "representa que tipo de país ele deseja ser –um Estado comum ou um Estado islâmico revolucionário. E essa divisão remonta às origens de sua revolução", em 1979. A maioria das revoluções acaba passando por algum reequilíbrio cultural que interrompe sua febre e promove a normalidade e integração, acrescentou Litwak: "Mas o Irã nunca passou por esse processo. Ele nos seduz com presidentes reformistas que realmente não detêm o poder e, na hora H, nunca desafiam os elementos fundamentais do Estado revolucionário profundo, que contam com o monopólio do uso da força" e controle de seu programa nuclear.

Há um núcleo duro em Teerã para o qual armas nucleares não são apenas uma garantia contra invasão estrangeira, mas também um polegar deliberado no olho do mundo, visando bloquear a integração que abriria o Irã para influências dos Estados Unidos e do Ocidente –uma abertura que eles temem que diluiria qualquer fervor revolucionário restante em seus jovens, muitos dos quais cansados do isolamento do Irã. Esse é o motivo para o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, estar dizendo a verdade quando disse recentemente que ainda não tinha se decidido sobre o acordo. Ele está passando por uma crise de identidade. Ele deseja o relaxamento das sanções, mas sem integração. Afinal, se o Irã se tornar um Estado normal, quem precisará que um clérigo medieval seja o "líder supremo"?

O desafio para o presidente Barack Obama é se pode fechar um acordo com o Irã que, como coloca Litwak, "não mude o caráter, mas apenas mude o comportamento". A aposta de Obama –e não é loucura– é que, se conseguir implantar os acordos de verificação certos e privar o Irã de produzir uma bomba por uma década (isso por si só valeria o acordo, dadas as alternativas), então aumentam as chances de o próprio povo do Irã mudar internamente o caráter do país. Mas aí muito dependeria da implantação de um regime de verificação à prova de falhas e sanções "instantâneas" em caso de trapaça pelo Irã.

Eu acho que Obama acredita que nada frustrou mais a política americana para o Oriente Médio nos últimos 36 anos do que a guerra fria entre os Estados Unidos e o Irã e que, se isso puder ser prudentemente relaxado, equivaleria à aproximação de Nixon com a China, que abriu muitas possibilidades. De novo, não é uma loucura. Apenas não é fácil, dadas as forças no Irã que têm interesse na manutenção do isolamento.

Finalmente, há o desafio regional. O Irã, com cerca de 80 milhões de habitantes, é simplesmente um Estado mais poderoso e dinâmico hoje do que a maioria dos Estados árabes sunitas a oeste, metade dos quais entrou em colapso. O Irã, mesmo se tivesse boas intenções, não pode evitar de projetar seu poder a oeste, dado o vácuo e a fragilidade ali. Quando o presidente Richard Nixon fez uma abertura à China, e ajudou a libertar seu poder econômico, a China era em grande parte cercada por Estados fortes ou economicamente poderosos para compensá-la. Mas um Irã enriquecido por bilhões de dólares resultantes do relaxamento das sanções seria ainda mais poderoso em relação aos seus fracos vizinhos árabes.

Nossos aliados árabes no Golfo estão profundamente preocupados com isso e buscam junto aos Estados Unidos tanto proteção quanto mais armas sofisticadas. Eu entendo isso. A menos que encontremos uma forma de realmente aliviar as tensões entre os persas xiitas e os árabes sunitas, nós nos veremos libertando o Irã ao seu máximo e ao mesmo tempo armando os árabes até os dentes. Manter esse equilíbrio não será fácil.

Esses não são motivos para rejeitar o acordo. São motivos para concluí-lo do modo certo.

Negociações sobre programa nuclear do Irã são retomadas