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Sobre a questão comercial: Obama está certo, os críticos estão errados

Obama e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ao lado das respectivas mulheres Michelle e Akie - Jonathan Ernst/Reuters
Obama e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, ao lado das respectivas mulheres Michelle e Akie Imagem: Jonathan Ernst/Reuters

Thomas L. Friedman

Em Berlim (Alemanha)

30/04/2015 00h03

Eu apoio firmemente os esforços do presidente Barack Obama para fechar grandes, novos acordos de abertura comercial com nossos aliados do Pacífico, incluindo Japão e Cingapura, e com toda a União Europeia. Mas meu apoio não se deve apenas a razões econômicas. 

Apesar de ter certeza de que trariam benefícios econômicos aos EUA como um todo, deixo ao presidente que explique o porquê (e como qualquer trabalhador prejudicado pode ser protegido). Quero me concentrar no que não está sendo discutido o suficiente: como estes acordos comerciais com dois dos maiores centros do capitalismo democrático do mundo podem fortalecer nossa segurança nacional tanto quanto a nossa segurança econômica. 

Isso porque esses acordos não são apenas sobre quem define as regras. Eles são sobre se teremos um mundo baseado em regras ou não. Estamos em um momento muito plástico em relação aos assuntos globais, como ocorreu após a Segunda Guerra Mundial. A China está tentando reescrever unilateralmente as regras. A Rússia está tentando romper unilateralmente as regras, e partes do mundo árabe e da África perderam todas as suas regras e estão desintegrando-se em estados da natureza. O mundo está se dividindo cada vez mais entre o Mundo da Ordem e o Mundo da Desordem. 

Olhando para o mundo a partir da Europa -na última semana, estive na Alemanha e no Reino Unido- você vê uma situação se desenvolvendo ao sul que é aterrorizante. Não é só uma crise de refugiados. É uma crise civilizacional: Líbia, Iêmen, Síria e Iraque -o núcleo do mundo árabe- todos desmoronaram em guerras civis tribais e sectárias, amplificadas por crises hídricas e outros estresses ambientais. 

Entretanto, e este é o ponto crucial, tudo isso está acontecendo em um mundo pós-imperial, pós-colonial e cada vez mais pós-autoritário. Isto é, nesta região pluralista que carece de pluralismo -o Oriente Médio- contamos implicitamente durante séculos com o Império Otomano, o colonialismo britânico e francês e, em seguida, com reis e ditadores para impor a ordem de cima para baixo em todas as tribos, seitas e religiões ali reunidas. Mas os dois primeiros (o imperialismo e o colonialismo) foram-se para sempre, e os últimos (monarquia e autocracia) mal estão se segurando ou também desapareceram. 

Portanto, a ordem sustentável -aquela que realmente será útil para as pessoas de lá- só pode surgir de baixo para cima, pelas próprias comunidades forjando contratos sociais sobre como viverem juntas como cidadãos iguais. E como isso não está acontecendo (exceto na Tunísia), o resultado é uma desordem crescente e ondas de refugiados que tentam desesperadamente escapar para as ilhas de ordem: Europa, Israel, Jordânia, Líbano e a região do Curdistão no Iraque. 

Ao mesmo tempo, a destruição do governo líbio de Muammar Gaddafi sem o envio de soldados em terra para criar uma nova ordem no vácuo -certamente uma das coisas mais estúpidas que a Otan já fez- removeu uma barreira para a imigração clandestina para a Europa a partir de Gana, Senegal, Mali, Eritreia, Sudão e Síria. Como me disse uma autoridade alemã de alto escalão: “A Líbia era uma barreira para atravessar o Mediterrâneo. Mas essa barreira foi removida, e não podemos reinventá-la”. Um contrabandista líbio disse para David D. Kirkpatrick, do “The Times” da Líbia, que agora “tudo está aberto: os desertos e os mares”. 

Aqui vai uma previsão: a OTAN acabará por estabelecer “zonas de exclusão de navegação”, áreas seguras para refugiados e zonas proibidas para contrabandistas de pessoas, ao longo da costa da Líbia. 

O que tudo isso tem a ver com os acordos comerciais? Com o aumento da desordem no Oriente Médio e na África, e com a China e a Rússia tentando rebocar o mundo à sua maneira, nunca houve um momento mais importante para a coalizão de democracias de livre mercado e estados democratizantes, que são o núcleo do Mundo da Ordem, de se unir e estabelecer as melhores regras para a integração global no século 21, incluindo normas comerciais trabalhistas e ambientais adequadas. Esses acordos fortaleceriam e integrariam mais estreitamente as nações democráticas e democratizantes que formam a espinha dorsal do Mundo da Ordem, que se baseia nas leis de mercado e do Estado de direito.

O futuro econômico dos EUA “depende de sua integração com o mundo”, disse Ian Goldin, diretor da Escola de Oxford Martin, especializada em globalização. “Mas o futuro depende também da capacidade de cooperação com amigos para resolver todos os tipos de outros problemas, do clima ao fundamentalismo.” Esses acordos comerciais podem ajudar a construir a confiança, a coordenação e o crescimento que inclinariam a balança em todos esses países mais na direção da cooperação global do que “do entrincheiramento no protecionismo ou no nacionalismo, deixando que os outros escrevam as regras, ou mesmo ninguém”. 

Como disse Obama a seus críticos liberais na sexta-feira: se abandonarmos esse esforço para expandir o comércio em nossos termos, “a China, o gorila de 400 kg da Ásia, irá criar seu próprio conjunto de regras”, assinando acordos bilaterais, um a um, por toda a Ásia, “dando vantagens às empresas chinesas e aos trabalhadores chineses e... reduzindo nosso acesso... na parte de maior crescimento e dinamismo econômico do mundo”. Mas, se conseguirmos que o acordo comercial do Pacífico seja firmado, “a China vai ter de se adaptar a este conjunto de regras comerciais que nós estabelecemos”. Se fracassarmos em fazer isso, acrescentou, daqui a 20 anos vamos “olhar para trás com arrependimento”.

Esse foi o único ponto onde errou. Vamos nos arrepender muito antes disso. 

Tradutora: Deborah Weinberg

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