Topo

Hillary, Jeb Bush, Facebook e o duelo dos mundos da Ordem e da Desordem

Thomas L. Friedman

21/05/2015 00h02

Para uma campanha presidencial que começou tão cedo, é incrível como a maioria dos candidatos pouco quer se envolver com as grandes questões atuais, quanto menos com o futuro.

Hillary Clinton não assume uma posição clara sobre dois grandes temas que ela ajudou a negociar como secretária de Estado: o acordo de livre comércio com os países do Pacífico e o acordo nuclear com o Irã. A campanha de Jeb Bush parece empacada sobre se ele é ou não a continuação de seu irmão. Marco Rubio foi a favor da reforma abrangente da imigração antes de ser contra. Enquanto os senadores Rand Paul e Bernie Sanders são motivados por ideologias claras, os outros, até agora, demonstram ambições muito mais poderosas de ser presidentes do que razões poderosas sobre por que deveriam sê-lo.

Isso não pode durar. Basta acompanhar as manchetes. Estamos no meio de enormes e perturbadoras inflexões na tecnologia, no mercado de trabalho e na geopolítica, que levantarão perguntas fundamentais sobre o futuro do trabalho e dos contratos sociais entre governos e suas populações e entre empregadores e empregados. Todas estas irão irromper na próxima presidência.

Quais são os sinais disso? Bem, meu candidato a melhor parágrafo inicial em uma reportagem até agora este ano vai para Tom Goodwin, um executivo da Havas Media, cujo ensaio de 3 de março em Techcrunch.com começava assim: "A Uber, maior companhia de táxi do mundo, não possui veículos. O Facebook, o mais popular proprietário de mídia do mundo, não cria conteúdo. O Alibaba, o varejista mais valioso, não tem estoque. E Airbnb, o maior provedor de hospedagem no mundo, não possui imóveis. Algo interessante está acontecendo".

Certamente está. Estamos no início de uma grande mudança sobre a questão do que vale a pena possuir. O que todas as companhias citadas têmem comum é que elas ou criaram plataformas que combinam oferta e demanda para coisas que as pessoas nunca pensaram em fornecer: um quarto vago em sua casa, um lugar em seu carro ou uma ligação comercial entre um pequeno comerciante da Dakota do Norte e um pequeno fabricante da China. Ou elas têm plataformas comportamentais que produzem dados extremamente valiosos para comerciantes e anunciantes, ou plataformas comportamentais nas quais pessoas comuns podem gerar reputações - por dirigir, hospedar ou qualquer capacidade imaginável - e então comercializá-las globalmente.

Isto é consequência do crescimento exponencial do poder de computação, armazenamento, conexão em rede, sensores e geração de softwares e interoperabilidade, que está nos permitindo ao mesmo tempo colher quantidades enormes de dados e aplicar software a esses dados para encontrar padrões, em uma velocidade e um âmbito até agora desconhecidos. E isso está tirando o atrito de muitas coisas ao mesmo tempo: de chamar um táxi a reservar um quarto na casa de alguém em Timbuktu a comprar mercadorias a aprender com qualquer pessoa em qualquer lugar a desenhar uma peça de avião em uma impressora 3D em uma semana em vez de seis meses. A complexidade está se tornando gratuita.

Um estudo recente da Escola Martin de Oxford concluiu que 47% dos empregos americanos correm alto risco de ser tomados por máquinas e softwares inteligentes nas próximas duas décadas. E o que é interessante, como nota James Manyika, diretor do Instituto Global McKinsey e coautor de "No Ordinary Disruption" [uma perturbação incomum] é que, ao contrário das expectativas, "os trabalhadores de conhecimento no meio e no topo" podem ser mais ameaçados que aqueles que fazem trabalho físico. Por exemplo, a agência Associated Press hoje usa computadores, e não repórteres, para gerar mais de 3.000 reportagens financeiras por trimestre. Isso pode liberar os trabalhadores para fazerem um trabalho mais criativo, mas eles têm de ser treinados para tanto.

Na geopolítica, ainda temos grandes rivalidades de poder, mas a mais relevante divisão no mundo não será mais Oriente-Ocidente, capitalista-comunista. Será o Mundo da Ordem versus o Mundo da Desordem, enquanto pressões ambientais, sectárias e econômicas pulverizam Estados fracos e falidos.

Todos os dias hoje você lê sobre pessoas que fogem do Mundo da Desordem para o Mundo da Ordem. Rohingyas, um grupo de maioria muçulmana de Mianmar e Bangladesh, está tentando entrar na Tailândia e na Malásia; africanos e árabes tentam atravessar o Mediterrâneo até a Europa; pais centro-americanos enviaram milhares de seus filhos para os EUA. O governo de Israel começou a mandar cartas para 45.000 refugiados da Eritreia e do Sudão - que caminharam, rodaram e navegaram até Israel em busca de ordem e trabalho -, dizendo-lhes que têm30 dias para aceitar US$ 3.500 em dinheiro e uma passagem de volta para seu país ou para um terceiro país na África, ou enfrentar a prisão, relatou o "Washington Post" na semana passada.

No ano passado, a agência de refugiados da ONU disse que há mais pessoas deslocadas em todo o mundo - cerca de 50 milhões - do que em qualquer momento desde a Segunda Guerra Mundial.

Mas aqui está o problema: não sabemos o que fazer. Costumávamos confiar em impérios, colonizadores e ditadores para controlar muitos desses lugares, mas hoje estamos em uma era pós-imperial, pós-colonial e, em muitos deles, pós-autocrática. Ninguém quer tocar essas zonas desordenadas porque tudo o que se ganha é uma fatura. E a maioria é incapaz de autogovernança democrática. Quem vai controlar essas áreas? E se a resposta for ninguém? Será um dos grandes desafios de liderança na próxima década.

Então, parafraseando Trotski mais uma vez: nossos candidatos presidenciais podem não estar interessados em falar a sério sobre o futuro ainda, mas o futuro estará interessado em falar com eles.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves