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Nos destroços das guerras, árabes retornam às identidades tribalistas

Integrantes de milícias xiitas vão em direção a Ramadi para lutar contra o grupo Estado Islâmico, no Iraque. Ramadi, capital da província de Al-Anbar, a maior do país, foi conquistada pelos jihadistas no dia 17 de maio depois de uma ampla ofensiva e de uma retirada caótica das forças iraquianas  - Reuters
Integrantes de milícias xiitas vão em direção a Ramadi para lutar contra o grupo Estado Islâmico, no Iraque. Ramadi, capital da província de Al-Anbar, a maior do país, foi conquistada pelos jihadistas no dia 17 de maio depois de uma ampla ofensiva e de uma retirada caótica das forças iraquianas Imagem: Reuters

28/05/2015 00h01

O mundo árabe é uma região pluralista que carece de pluralismo –-a habilidade de administrar e abraçar as diferenças de modo pacífico. Assim, o caráter pluralista do Oriente Médio –-sunitas, xiitas, curdos, cristãos, drusos, alauitas, judeus, coptas, yazidis, turcomanos e uma variedade de tribos-– há muito é administrado de cima para baixo com mão de ferro. Mas depois que removemos as mãos de ferro no Iraque e na Líbia, sem implantar uma nova ordem de baixo para cima, e as populações tentaram remover as mãos de ferro na Síria e Iêmen, sem colocar em vigor uma nova ordem, uma guerra horrível de todos contra todos explodiu.

Os combates expuseram o quanto os últimos 60 anos de liderança predatória naquela região fracassaram em desenvolvimento humano e formação de cidadania. Todo o pacote do mundo árabe, com suas fronteiras traçadas artificialmente, foi mantido pelo petróleo e pela força bruta. Nos destroços, as pessoas estão retornando às identidades que acreditam que podem mantê-las seguras: tribo e seita. É uma medida de quanto as coisas se desfizeram o fato de muitos sunitas iraquianos preferirem o lunático Estado Islâmico, ou EI, do que lutar e morrer por um governo liderado pelos xiitas pró-Irã em Bagdá. Eu nunca vi a situação tão ruim. Simon Henderson, um analista do Oriente Médio, capturou bem a desintegração em um ensaio para "The Wall Street Journal", em março, ao escrever: "O caos violento no Iêmen não é organizado o suficiente para merecer ser chamado de guerra civil".

A mentalidade fundamentalista parece estar tomando conta em toda parte. O Instituto de Pesquisa de Mídia do Oriente Médio postou um vídeo no mês passado do xeque Ahmad Al-Naqib, um professor de educação da Universidade de Mansoura, no norte do Cairo, criticando o EI, mas acrescentando: "Sem dúvida eles são muito melhores do que os criminosos 'rafidites' (xiitas), que matam os sunitas apenas por sua identidade sunita".

Otto Scharmer, um economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts que trabalha com comunidades presas em conflito perpétuo, define as principais características da mentalidade fundamentalista por seus opostos: O que é o oposto de mente aberta?, ele pergunta. "Você fica preso a uma verdade." Qual é o oposto de um coração aberto? "Você se prende a uma pele coletiva; tudo é nós contra eles e, portanto, a empatia pelo outro é impossível." O que é o oposto de uma vontade aberta? "Você fica escravo de velhas intenções originadas no passado e não no presente, de modo que não consegue se abrir para novas oportunidades emergentes."

Se essa mentalidade de soma zero continua prevalecendo, só será possível chorar pelo futuro dessa região quando houver menos petróleo, muito mais crianças e muito menos água. Será um show de horrores.

Por ora, eu vejo apenas duas formas coerentes de autogoverno que podem surgir na Líbia, Iraque, Iêmen e Síria: se um poder externo ocupá-los totalmente, acabar com suas guerras sectárias, reprimir os extremistas e passar os próximos 50 anos tentando fazer com que iraquianos, sírios, iemenitas e líbios compartilhem o poder como cidadãos iguais. Mesmo isso poderia não funcionar. De qualquer modo, não vai acontecer. A outra é apenas esperar que o fogo queime até se esgotar. A guerra civil libanesa acabou após 14 anos com uma reconciliação motivada pela exaustão. Todos os lados aceitaram o princípio de "nenhum vitorioso, nenhum derrotado" e todos ficaram com uma fatia do bolo. Foi como as facções na Tunísia conseguiram encontrar a estabilidade: nenhum vitorioso, nenhum derrotado.

Nós não podemos intervir de modo eficaz em uma região onde tão poucos compartilham nossas metas. Por exemplo, no Iraque e na Síria, tanto o Irã quanto a Arábia Saudita atuam como "incendiário" e "bombeiro". Primeiro, o Irã pressiona o governo xiita do Iraque a esmagar os sunitas. Quando isso produz um Estado Islâmico, eles enviam milícias pró-iranianas para apagar o fogo. Muito obrigado. E a promoção pela Arábia Saudita da linha wahabista de Islã, puritana, antipluralista, antimulheres, ajudou a moldar o pensamento do EI e dos fundamentalistas sunitas que se juntaram a ele. Os sauditas também são incendiários e bombeiros. De fato, o EI é como um míssil que obteve seu sistema de orientação da Arábia Saudita e seu combustível do Irã.

A política americana deveria ser de "contenção mais amplificação". Vamos ajudar aqueles que manifestam a vontade de conter o EI, como a Jordânia, Líbano, Emirados Árabes Unidos e os curdos no Iraque, e amplificar qualquer coisa construtiva que os líderes no Iêmen, Iraque, Líbia ou Síria estejam dispostos a fazer com seu poder, mas sem substituir nosso poder pelo deles. Essa precisa ser a luta deles pelo seu próprio futuro. Se a luta contra o EI não valer a pena para eles, certamente não valerá para nós.

Eu estava atrás de um carro neste fim de semana que tinha uma placa da Virgínia contendo o slogan "Combata o Terrorismo". Sinto muito, mas não acho que isso deveria estar em uma placa de veículo de qualquer Estado. Nós gastamos mais de uma década de vidas e tesouro tentando "combater o terrorismo", para consertar uma parte do mundo que não pode ser consertada de fora. Foi um desperdício. Quem dera tivesse funcionado. O mundo estaria melhor. Mas não funcionou. E o início da sabedoria é reconhecer isso e parar de jogar dinheiro bom fora. Nós precisamos deixar de ser os "Estados Unidos do Combate ao Terrorismo". Se os virginianos precisam de um slogan na placa de licenciamento, que tal "Conter e Amplificar no Exterior. Desenvolver a Virgínia em Casa".