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Guerra Fria sem a parte divertida

Thomas L. Friedman

25/06/2015 00h01

Vejamos, os Estados Unidos estão enviando tanques de batalha aos aliados da Otan na Europa Oriental para fazer um contrapeso à Rússia; aviões militares russos e norte-americanos recentemente voaram a três metros de distância um do outro; a Rússia está fabricando mísseis balísticos de longo alcance de nova geração; e os EUA e a China estão se acotovelando no Mar do Sul da China. Será que eu me distraí e alguém reiniciou a Guerra Fria?

Se assim for, parece que desta vez é a Guerra Fria sem a parte divertida, isto é, sem James Bond, Smersh, sem o telefone sapato do agente 86, sem Nikita Khrushchev batendo os sapatos, sem a corrida para a Lua nem um debate entre líderes norte-americanos e soviéticos sobre qual país tem os melhores aparelhos de cozinha. E eu não acho que nós vamos ver o presidente Barack Obama em Kiev declarando, à la Presidente Kennedy, “ich bin ein ukrainian”. Além disso, o jargão atual, de “Reset com a Rússia” ou “pivô para a Ásia”, não tem nem de perto a gravidade de “détente”.

Não, esta pós-pós-Guerra Fria parece mais um WWE, ou seja, um torneio de luta de entretenimento ao estilo telecatch, e eu não me refiro apenas ao presidente Vladimir Putin montando um cavalo sem camisa, apesar de ser uma boa metáfora. Vemos empurrões pelo poder: não um choque de ideias influentes, mas sim de esferas de influência:

“Se você cruzar essa linha, eu soco seu nariz.”

“Por quê?”

“Porque sim.”

“E aí, vai encarar?”

“Sim, olha só o meu drone. Você tem algum problema com isso?”

“Nenhum. Meu pessoal da internet roubou o sistema de orientação, na semana passada, de Northrop Grumman.”

“ Você tem algum problema com isso?”

A Guerra Fria teve um começo, um fim e até mesmo uma cortina de encerramento, com a queda do Muro de Berlim. Mas o pós-pós-Guerra Fria trouxe-nos, em um círculo completo, de volta para o pré-Guerra Fria e o jogo das nações. Houve um momento em que parecia que tudo ia ser de outra forma, quando parecia que árabes e israelenses fariam a paz, que a China evoluiria para um sistema político mais consensual e que a Rússia faria parte da Europa e do G-8. Isso foi há uma vida.

Agora, os repórteres ocidentais têm dificuldades para obter vistos para a China, nenhum empresário norte-americano inteligente leva seu laptop para Pequim, os hackers chineses têm mais dados pessoais seus do que o LinkedIn, a Rússia ainda tem a intenção de tornar-se parte da Europa, anexando um pedaço aqui e um pedaço acolá, e hoje o G-8 está mais para G-1.5 (EUA e Alemanha).

Quando foi que tudo azedou? Nós disparamos o primeiro tiro quando expandimos a Otan em direção à fronteira russa, embora a União Soviética tivesse desaparecido. A mensagem que enviamos para Moscou foi: você é sempre um inimigo, não importa o sistema de governo. Quando os preços do petróleo se recuperaram, Putin procurou se vingar dessa humilhação, mas agora ele está apenas usando a ameaça da Otan para justificar a militarização da sociedade russa, para que ele e seus companheiros cleptocratas possam permanecer no poder e pintar seus oponentes como lacaios do Ocidente.

A derrubada pela Otan do líder líbio Muamar Gadhafi, a Primavera Árabe e os protestos nas ruas de Moscou que se seguiram irritaram Putin, disse Sergei Guriev, economista russo respeitado que hoje mora em Paris. “Putin entendeu que havia perdido a classe média russa e então começou a buscar legitimidade em outro lugar.” No hipernacionalismo e no antiamericanismo.

Mas Guriev ressalta um ponto importante. “Se não fosse pelas sanções ocidentais contra a Rússia, o leste da Ucrânia já faria parte daquele país hoje”, disse ele, acrescentando que não há nada que Putin tema mais do que o sucesso da Ucrânia em diminuir a corrupção e construir uma economia moderna, ou seja, tudo o que a Rússia de Putin não é. Guriev está preocupado, porém, que a propaganda de Putin contra o Ocidente que está sendo bombeada para as veias do público russo tenha um efeito duradouro e faça com que seu sucessor seja ainda pior. De qualquer maneira, “A Rússia será um grande desafio para o seu próximo presidente”.

A liderança chinesa não é tão tola ou desesperada quanto Putin e precisa mais do acesso aos mercados norte-americanos. Por isso, os líderes chineses ainda se comportam com alguma restrição quando reivindicam o Mar do Sul da China. Mas o fato é que, como observou o perito em Ásia Andrew Browne no “The Wall Street Journal”, “a relação EUA-China perdeu a sua razão estratégica de ser: a União Soviética, a ameaça comum que uniu os dois países”. E eles não forjaram uma nova razão estratégica, como serem co-gestores da estabilidade global.

Em suma, os atrativos da economia norte-americana e a dor das sanções dos EUA são mais vitais do que nunca na gestão do jogo de nações pós-pós-Guerra Fria, inclusive na capacidade de trazer o Irã para a mesa das negociações nucleares. Podemos estar de volta à geopolítica tradicional, mas é um mundo muito mais interdependente, onde nossa influência econômica ainda é uma fonte de contenção para Moscou e Pequim.

Putin disfarça seu envolvimento militar na Ucrânia por algum motivo: ele tem medo de mais sanções bancárias norte-americanas. A China circunscreve o seu comportamento no Mar do Sul da China por algum motivo: ela não pode crescer sem exportar para os EUA. Não são apenas as nossas armas, é a nossa manteiga. E é por isso que devemos expandir os acordos de livre comércio com a Ásia e a Europa, e é por isso que a fonte mais importante de estabilidade no mundo de hoje é a saúde da economia norte-americana.

Podemos caminhar suavemente, desde que tenhamos um cajado grande e uma carteira recheada.

Tradução: Deborah Weinberg