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EUA e aliados ainda podem conseguir um bom acordo ruim com o Irã

Representantes do grupo P5+1, da União Europeia e do Irã se reúnem em março em Lausanne, na Suíça, para negociar um acordo sobre o programa nuclear iraniano - Brendan Smialowski/Reuters
Representantes do grupo P5+1, da União Europeia e do Irã se reúnem em março em Lausanne, na Suíça, para negociar um acordo sobre o programa nuclear iraniano Imagem: Brendan Smialowski/Reuters

Thomas L. Friedman

02/07/2015 06h00

Algum tempo depois da Guerra do Yom Kipur, de 1973, lembro de ter visto um cartum que mostrava o presidente Anwar Sadat deitado de costas em um ringue de boxe. O primeiro-ministro israelense, Golda Meir, usando luvas de boxe, estava de pé sobre ele, e Sadat dizia a Meir algo como: “Eu quero o troféu, eu quero o dinheiro do prêmio e eu quero o cinturão”.

Tenho lembrado muito daquele desenho ultimamente quando ouço o líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, dando palestras aos Estados Unidos e às cinco potências parceiras sobre seus termos para a celebração de um acordo que restrinja a capacidade do Irã de desenvolver uma arma nuclear por 10 a 15 anos, em troca da suspensão das sanções. Em sua proposta, Khamenei consegue preservar a infraestrutura nuclear básica do Irã, embora sob controle, e insiste que o Irã não vai permitir inspeções internacionais das instalações militares suspeitas de abrigar programas nucleares secretos.

Ainda não está claro se os últimos obstáculos ao acordo serão resolvidos. Mas é impressionante para mim como os iranianos, sentados sozinhos do seu lado da mesa, fizeram um bom jogo com uma mão fraca contra os Estados Unidos, Rússia, China, França, Alemanha e Reino Unido. Quando chegar a hora, vou contratar Ali Khamenei para vender minha casa.

Você nunca saberia que “o Irã é que está perdendo centenas de bilhões de dólares devido às sanções, dezenas de bilhões porque os preços do petróleo caíram e bilhões sustentando o regime de Assad na Síria”, disse Karim Sadjadpour, especialista em Irã do Fundo Carnegie. E “é Ali Khamenei, não John Kerry, que preside uma população desesperada pela suspensão das sanções”. 

No entanto, há um ano, toda vez que há um ponto de discórdia -se o Irã deve ter que enviar seu urânio enriquecido para fora do país ou expor suas atividades anteriores de fabricação de bombas nucleares, por exemplo- parece que é sempre o nosso lado que precisa acomodar as necessidades do Irã. Eu gostaria que tivéssemos deixado a mesa de negociação pelo menos uma vez. Quando você assinala para o outro lado da mesa que você não está disposto a atacá-lo e nem a sair fora -levantar-se e partir- você se reduz a um igual e obtém o melhor acordo que a não violência pode comprar. 

As negociações diplomáticas no final sempre refletem o equilíbrio de poder, escreveu o especialista em política externa da Universidade Johns Hopkins Michael Mandelbaum, no “The American Interest”. “Nas negociações atuais... os Estados Unidos são muito mais fortes do que o Irã, no entanto, são os Estados Unidos que fazem as grandes concessões. Após iniciar as negociações insistindo que o regime de Teerã teria que renunciar a todas as suas instalações de enriquecimento suspeitas e cessar todas as suas atividades nucleares relevantes para a produção de uma bomba, o governo Obama acabou por permitir que o Irã mantivesse praticamente todas as instalações e desse prosseguimento a algumas dessas atividades.” 

Como isso aconteceu? “Parte da explicação pode estar na fé pessoal de Barack Obama no poder transformador da exposição à economia global”. Mas, acrescenta Mandelbaum: “Certamente a principal razão... é que, enquanto há uma grande disparidade de força entre as duas partes, os Estados Unidos não estão dispostos a usar a derradeira forma de poder, e os líderes iranianos sabem disso”.

Antes de chamar Obama de covarde, lembre-se que George W. Bush teve oito anos para resolver este problema -quando ainda era menor- com força militar ou diplomacia forte, e ele hesitou por oito anos. 

Mas ainda é possível obter um bom acordo ruim -que, apesar de não exigir que o Irã desmantele sua infraestrutura de enriquecimento nuclear, encolha essa infraestrutura pelos próximos 10 a 15 anos para que o Irã não possa construir rapidamente uma bomba? Um acordo que também nos dê um nível de transparência para monitorar esse contrato e dê aos inspetores internacionais acesso oportuno para qualquer lugar no Irã suspeito de atividade nuclear secreta? Que impeça o Irã de aumentar significativamente a sua capacidade de enriquecimento durante a próxima década, como proposto na semana passada pelo grupo bipartidário de peritos convocado pelo Instituto Washington para Política do Oriente Próximo? 

Sim. Um bom mau negócio ao longo dessas linhas ainda é possível -e vai depender dos detalhes a serem negociados agora, no último minuto. Tal acordo permitiria que o presidente transmitisse a um Congresso cético e a Israel que ele obteve o melhor acordo ruim que um coldre vazio pode comprar, e que conseguiu tempo para que haja alguma transformação no Irã, o que é melhor do que começar uma guerra cujas consequências ninguém pode prever. 

Mas cuidado: este acordo pode ser um terremoto tão grande no Oriente Médio quanto as invasões norte-americanas no Afeganistão e no Iraque. E o que ambos têm em comum é que estávamos totalmente despreparados para gerenciar seus resultados na manhã seguinte. O mundo árabe hoje quase não tem peso geopolítico. O Egito está enfraquecido, a Arábia Saudita não tem capacidade de projetar poder, e o Iraque não existe mais.

Um Irã sem as amarras das sanções e que recebe uma injeção de mais de US$ 100 bilhões (em torno de R$ 300 bilhões) em dinheiro será superior em poder do que todos os seus vizinhos árabes. Portanto, os Estados Unidos precisam assumir a liderança e iniciar um modus vivendi entre árabes sunitas e xiitas persas e coibir a beligerância do Irã em direção a Israel. Se não pudermos ajudar a resolver esses conflitos, um bom acordo ruim poderia muito facilmente alimentar uma guerra regional mais ampla.

Tradutora: Deborah Weinberg