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"A Rússia ajudou, serei honesto", diz Obama sobre acordo nuclear com o Irã

O colunista do New York Times Thomas Friedman (à direita) entrevista o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sobre o acordo nuclear feito com o Irã - Zach Gibson/The New York Times
O colunista do New York Times Thomas Friedman (à direita) entrevista o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, sobre o acordo nuclear feito com o Irã Imagem: Zach Gibson/The New York Times

Thomas L. Friedman

15/07/2015 11h31

Algumas horas após concluir negociações com o Irã para suspender as sanções ao petróleo e a transações financeiras em troca de uma redução da capacidade nuclear iraniana, o presidente Barack Obama é um homem que não demonstra qualquer dúvida sobre o acordo que acaba de fechar.

Em uma entrevista de 45 minutos na sala de seu gabinete, o presidente quis ressaltar um argumento: não me julguem sobre se esse acordo vai transformar o Irã, pôr fim ao comportamento agressivo do Irã em relação a alguns de seus vizinhos árabes ou levar à distensão entre xiitas e sunitas. Julguem-me por uma coisa: este acordo impede que o Irã desenvolva uma arma nuclear nos próximos dez anos e é um resultado melhor para os Estados Unidos, para Israel e nossos aliados árabes do que qualquer alternativa sobre a mesa?

O presidente deixou claro que não concorda com a avaliação que fiz em uma coluna, duas semanas atrás, de que não tínhamos usado todo o poder de influência que temos em nosso arsenal ou alianças para impedir que o Irã se torne uma quase potência nuclear, ao adquirir uma infraestrutura de enriquecimento independente completa, com o potencial de minar o regime global de não proliferação nuclear.

Pessoalmente, quero mais tempo para estudar o acordo, ouvir especialistas apartidários, escutar o que os líderes iranianos dizem a sua população e ouvir as estratégias alternativas verossímeis que os críticos têm a oferecer. Mas o presidente certamente defendeu sua tese com uma convicção e uma lógica interna que seus críticos e o Congresso terão dificuldade para discutir.

"Não estamos medindo este acordo quanto a se ele vai mudar o regime interno do Irã", disse o presidente. "Não estamos medindo este acordo quanto a se estamos resolvendo todos os problemas que podem ser atribuídos ao Irã, se estamos eliminando todas as suas atividades nefastas no mundo. Estamos medindo este acordo, e essa foi a premissa original da conversa, inclusive para o primeiro-ministro Netanyahu, pelo fato de que o Irã não possa ter uma arma nuclear. A discussão sempre foi essa. E o que eu poderei dizer, e acho que poderemos provar, é que este é, por uma ampla margem, o caminho mais definitivo pelo qual o Irã não conseguirá ter uma arma nuclear, e nós poderemos alcançar isso com a plena cooperação da comunidade mundial e sem precisarmos nos envolver em outra guerra no Oriente Médio."

Para vender esse acordo a um Congresso cético, Obama claramente precisa ser firme em sua argumentação. Mas eu suspeito que seu legado sobre essa questão será em última instância determinado pelo fato de se, em longo prazo, o acordo ajudará a transformar o Irã, a desarmar a guerra fria Irã-EUA e a conter a disseminação de armas nucleares no Oriente Médio, e não promover sua proliferação. Isso, porém, levará muito tempo para se determinar. Em curto prazo, o mérito do acordo será julgado quanto a se o Irã implementa a redução de suas capacidades de enriquecimento nuclear, como concordou, e se o sistema de inspeção internacional profundamente invasivo que Teerã aceitou poderá detectar, e assim deter, qualquer trapaça.

Aqui estão alguns destaques da entrevista:

Perguntado sobre se falhamos ao usar nosso poder de influência, incluindo uma ameaça verossímil de força, o presidente disse: "Acho que a crítica é mal dirigida. Vejamos exatamente o que conseguimos. Cortamos todos os caminhos do Irã para desenvolver uma arma nuclear. O motivo pelo qual conseguimos unir toda a comunidade internacional em torno do regime de sanções mais eficaz que já montamos, um regime que paralisou a economia iraniana e afinal os trouxe à mesa [de negociações], foi porque o mundo concordou conosco que seria um grande perigo para a região, para nossos aliados e para o mundo se o Irã possuísse uma arma nuclear. Não tínhamos esse tipo de consenso global em torno da ideia de que o Irã não possa ter qualquer tipo de energia nuclear. E como membro do tratado de não proliferação, o TNP, seu argumento foi: 'Temos o direito de ter um programa nuclear pacífico'.

"E o que nós conseguimos fazer", continuou o presidente, "é dizer a eles: 'Diante de seu comportamento anterior, diante de nossa forte suspeita e das evidências de que vocês fizeram tentativas de armar seu programa nuclear, diante das atividades desestabilizadoras que vocês praticaram na região e ao apoio ao terrorismo, para nós não basta confiar quando vocês dizem que estão apenas criando um programa nuclear pacífico. Vocês têm de provar isso para nós'. E assim, todo esse sistema que construímos não se baseia na confiança, mas em um mecanismo verificável, pelo qual todos os caminhos que eles têm estão fechados."

O presidente afirmou que sua abordagem partiu da mesma lógica estratégica que os presidentes Richard Nixon e Ronald Reagan usaram para abordar a União Soviética e a China.

"Você sabe, tenho muitas diferenças com Ronald Reagan, mas o que eu admiro totalmente nele foi seu reconhecimento de que, se você fosse capaz de verificar um acordo que [foi negociado] com o império do mal, que desejava nossa destruição e era uma ameaça existencial muito maior para nós do que o Irã jamais será, então valeria a pena fazê-lo", disse Obama. "Eu tinha muitos desacordos com Richard Nixon, mas ele compreendeu que havia a perspectiva, a possibilidade de que a China tomasse um caminho diferente. Você testa essas coisas, e enquanto estivermos preservando nossa capacidade de segurança, enquanto não cedermos em nossa capacidade de reagir com força, militarmente, quando necessário, para proteger nossos amigos e nossos aliados, é um risco que temos de assumir. É uma posição prática, de bom senso. Não é ingênua, é um reconhecimento de que, se pudermos realmente resolver essas diferenças sem recorrer à força, será muito melhor para nós e para a população daquela região."

Perguntado sobre se o presidente russo, Vladimir Putin, foi uma ajuda ou um obstáculo para a conclusão desse acordo, Obama disse: "A Rússia ajudou nisto. Serei honesto com vocês. Eu não tinha certeza, dadas as fortes diferenças que temos com a Rússia neste momento sobre a Ucrânia, se isso se sustentaria. Putin e o governo russo compartimentalizaram sobre isto de uma maneira que me surpreendeu, e não teríamos alcançado esse acordo se não fosse pela disposição da Rússia a aliar-se a nós e aos outros membros do Grupo 5+1 para insistir em um acordo forte. Fui encorajado pelo fato de que Putin me telefonou há algumas semanas e iniciou a ligação falando sobre a Síria. Eu acho que eles têm a ideia de que o regime Assad está perdendo o domínio de áreas cada vez maiores do território da Síria [para as milícias jihadistas sunitas] e que a perspectiva de uma tomada [pelos sunitas] ou de derrubada do regime sírio não é iminente, mas torna-se uma ameaça cada vez maior a cada dia. Isso nos dá uma oportunidade de ter uma conversa séria com eles."

Minha maior preocupação e a de muitos críticos sérios que gostariam de ver o acordo dar certo é que o Irã simplesmente não teme uma retaliação militar séria dos EUA se ele trapacear. Perguntei ao presidente: por que os iranianos devem nos temer?

"Porque poderíamos derrotar seus militares em velocidade e desempenho, se assim decidirmos", disse o presidente. "E acho que eles viram minha disposição a usar a ação militar, se eu considerar importante para os interesses dos EUA. Agora, eu realmente creio que eles estão interessados em tentar operar em níveis paralelos para conseguir obter os benefícios da legitimidade internacional, comércio, redução de sanções, enquanto operam por meio de terceiros de maneiras destrutivas na região. Esse tem sido seu padrão, e eu acho que é muito importante para nós garantir que estamos percebendo o que eles fazem mediante seus substitutos e exigir sua responsabilização. Isso faz parte da conversa que devemos ter com os países do Golfo."

O presidente falou com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de Israel, por telefone, pouco antes do início da entrevista. Obama não tentou atenuar suas diferenças, mas sugeriu que seu governo está trabalhando em algumas atualizações estratégicas importantes para Israel e para os aliados dos EUA no Golfo.

"Não acho apropriado para mim discutir detalhes específicos de acordos de segurança ou trabalhos que estejamos fazendo", disse o presidente. "O que posso lhe dizer é que esse processo está em curso. Agora, com relação aos israelenses, acho que é justo dizer que sob minha administração fizemos mais para facilitar as capacidades de Israel. E eu também já disse que estou preparado para ir além do que qualquer outro governo já foi em termos de lhes oferecer garantias de segurança adicionais dos EUA. O que eu quero enfatizar é que as preocupações das pessoas são legítimas. O Hizbollah tem dezenas de milhares de mísseis apontados para Israel. Eles estão ficando mais sofisticados. A proibição desse fluxo de armas não foi tão eficaz quanto precisaria ser. Há preocupações legítimas por parte dos países do Golfo sobre o Irã tentar incitar e depois desestabilizar eventos em seus países. Por isso, eles não estão apenas sendo paranoicos. O Irã está agindo de maneira não construtiva, de um modo perigoso nessas circunstâncias. O que eu disse simplesmente é que temos de manter o olho na bola aqui, que o Irã com uma arma nuclear causará mais danos, e nós estaremos em uma posição muito pior para impedi-lo."

Surpreende-me que o lado que foi menos ouvido, mas que afinal poderá contar mais, é a população iraniana e como ela reage a essa abertura do Irã ao mundo em consequência do acordo. O que Obama lhes diria?

"O que eu diria a eles é que isto oferece uma oportunidade histórica", disse o presidente. "Sua economia está afundando em consequência das sanções. Eles têm a capacidade agora de dar passos decisivos para avançar para um relacionamento mais construtivo com a comunidade mundial. Eles precisam aproveitar essa oportunidade, seus líderes devem aproveitar essa oportunidade. E a verdade final é que o Irã será e deve ser uma potência regional. Eles são um grande país e um país sofisticado na região. Eles não precisam atrair a hostilidade e a oposição de seus vizinhos por meio de seu comportamento. Eles não têm necessidade de ser grandes para denegrir Israel ou ameaçar Israel, ou envolver-se na negação do Holocausto ou em atividades antissemitas. Isso é o que eu diria ao povo iraniano. Se o povo iraniano terá influência suficiente para mudar fundamentalmente o modo como seus líderes pensam sobre essas questões, o tempo dirá."

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves