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O ponto quente do mundo

Thomas L. Friedman

20/08/2015 00h01

Essa é a minha aposta sobre o futuro das relações entre sunitas, xiitas, árabes, turcos e israelenses: se eles não colocarem fim aos seus conflitos de longa duração, a Mãe Natureza vai destruir todos eles muito antes que destruam uns aos outros. Deixe-me apontar algumas notícias que talvez tenham passado despercebidas enquanto se debatia o acordo nuclear do Irã.

No dia 31 de julho, o "USA Today" informou que, em Bandar Mahshahr, uma cidade do Irã no Golfo Pérsico, o índice de calor subiu para 72 graus Celsius, "enquanto uma onda quente continuava a cozinhar o Oriente Médio, que já é um dos lugares mais quentes da Terra". "Essa foi uma das observações de temperatura mais incríveis que eu já vi, e é uma das leituras mais extremas que já se teve no mundo", disse o meteorologista da AccuWeather Anthony Sagliani, em um comunicado.

"Enquanto a temperatura era de 'apenas' 46ºC, o ponto de orvalho eram insondáveis 32ºC. A combinação de calor e umidade, medida pelo ponto de orvalho, é o que dá o índice de calor --ou a verdadeira sensação térmica no exterior."

Em seguida, vimos algo inédito: uma equipe de governo no Iraque foi demitida por não fornecer energia para o uso do ar-condicionado. Duas semanas atrás, o primeiro-ministro, Haider al-Abadi, aboliu todos os três cargos de vice-presidente e o de vice-primeiro-ministro e propôs amplas reformas contra a corrupção, depois de semanas de protestos nas ruas porque o governo só fornece eletricidade para ar-condicionado por apenas algumas horas por dia, em semanas de temperaturas de 49 graus Celsius.

Como informou Anne Barnard do "The Times" no dia 1º de agosto, a questão do calor no Iraque "eclipsou até a guerra com o Estado Islâmico. O primeiro-ministro (...) declarou um fim de semana de quatro dias para manter as pessoas fora do sol e (...) determinou a suspensão de uma das benesses mais cobiçadas concedidas aos membros do governo: energia 24 horas por dia para seus aparelhos de ar condicionado".

"Milhares de pessoas --trabalhadores, artistas e intelectuais-- fizeram uma manifestação na noite de sexta-feira no centro de Bagdá, gritando e carregando cartazes sobre a falta de eletricidade e culpando a corrupção. (...) Alguns homens ficaram só de short e deitaram-se nas ruas para dormir, uma imagem forte em uma sociedade modesta. (...) O protesto foi incomum, pois não pareceu ter sido movido por qualquer partido político importante."

No dia 19 de fevereiro de 2014, a Associated Press informou: "A primeira decisão de gabinete do novo presidente do Irã, Hassan Rohani, não foi sobre como resolver a disputa nuclear de seu país com as potências mundiais. Foi sobre como impedir que o maior lago da nação desaparecesse. O lago Oroumieh, um dos maiores lagos de água salgada do mundo, encolheu mais de 80% (cerca de 1.000 km quadrados) na última década, principalmente por causa das mudanças climáticas, maior irrigação das plantações no entorno e o represamento de rios que alimentam o corpo de água, dizem os especialistas".

"'O lago acabou. Meu trabalho acabou. Meus filhos se foram; os turistas, também', disse Mozafar Cheraghi, 58, de pé em uma plataforma empoeirada onde era a sua movimentada casa de chá.'"

Francesco Femia e Caitlin Werrell dirigem o indispensável Centro para Segurança Climática em Washington, que monitora essas tendências. Eles observaram que Michael Kugelman, acadêmico que estuda o Sul da Ásia, recentemente afirmou "que, no Paquistão, mais pessoas morreram pela onda de calor do que por atos de terrorismo neste ano". E completou: "Gostaríamos de enfatizar que não deve haver uma competição entre 'terrorismo' e ‘estresse climático’, mas que os recursos gastos no primeiro ultrapassam amplamente o último".

Femia e Werrell disseram ainda que "um estudo de 2011 do Noaa (Departamento Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica dos EUA) encontrou fortes evidências de que o declínio da precipitação de inverno no litoral Mediterrâneo e no Oriente Médio de 1971 a 2010 deveu-se provavelmente à mudança climática: quase todos os invernos mais secos da região desde 1902 ocorreram nos últimos 20 anos".

Finalmente, eles observaram: "O contrato social entre governos e seus povos está sendo testado por eventos extremos, e essas questões só tendem a se agravar, dadas as projeções climáticas para muitos desses lugares. (...) Os governos que responderem ao público em face dessas tensões conseguirão fortalecer o contrato social, enquanto que aqueles que não responderem provavelmente o enfraquecerão. E, na maior parte, estamos vendo respostas inadequadas".

De fato, vejamos o caso da Síria: sua revolução foi precedida pela pior seca de quatro anos na história moderna do país, expulsando do campo quase um milhão de agricultores e pastores, que foram para as cidades onde o governo de Bashar Assad falhou completamente em ajudá-los, alimentando a revolução.

Todas as pessoas desta região estão brincando com fogo. Enquanto brigam para ver quem é o califa, quais são os legítimos herdeiros do profeta Maomé desde o sétimo século --sunitas ou xiitas-- e para quem Deus realmente deu a terra santa, a Mãe Natureza não está ociosa. Ela não lida com política --apenas com física, biologia e química. E caso a soma dê errado, ela vai derrubar a todos.

O único "ismo", que irá salvá-los não será o xiismo ou o islamismo, mas o "ambientalismo" ou seja, compreender que não há ar xiita ou água sunita, apenas “bens comuns” e seus ecossistemas compartilhados e que, a menos que cooperem em sua administração e preservação (e que todos nós tratemos das alterações climáticas), uma ampla eco-devastação estará esperando por todos eles.

Tradução: Deborah Weinberg