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Muros, fronteiras e uma abóboda num mundo de refugiados

Scott Walker, republicano que sugeriu um muro separando os EUA do Canadá - Jacquelyn Martin/AP
Scott Walker, republicano que sugeriu um muro separando os EUA do Canadá Imagem: Jacquelyn Martin/AP

Thomas L. Friedman

10/09/2015 00h02

Depois que Donald Trump propôs a construção de um muro alto ao longo da fronteira EUA-México, o governador Scott Walker de Wisconsin, para não ser vencido, basicamente disse, eu pago o seu muro e ainda proponho outro maior, afirmando que seria “legítimo” considerar a construção de uma cerca também ao longo da fronteira de 8.900 km entre os EUA e o Canadá. 

Bem, eu aposto seus dois muros e mais uma abóboda. 

Isso mesmo. Acho que não apenas devemos colocar cercas altas em ambas as fronteiras, mas também uma cúpula retrátil cobrindo todo o país e também minar nossos portos -como sugeriu, brincando,  Lindsey Graham, criticando seus colegas republicanos na disputa presidencial obcecados por muros. 

Eu sei, a proposta de Walker é uma loucura. Mas, infelizmente, o sentimento de medo que ele e Trump estão gerando com este tema é bem real: algumas placas tectônicas muito grandes estão se movendo, e as pessoas estão sentindo isso acontecer debaixo de seus pés. O mundo está sendo dividido em regiões de “ordem” e de “desordem” e, pela primeira vez em muito tempo, ainda não temos uma resposta para todas as pessoas que estão saindo do mundo da desordem para o mundo da ordem. 

Mas, cercado por dois oceanos e democracias amigáveis ​​no México e no Canadá, os EUA de fato são menos afetados por esta nova era. (O resultado líquido de migração do México para os EUA hoje é zero.) Na verdade, devemos continuar a aumentar a nossa integração econômica com os nossos vizinhos de forma a tornar as três nações mais estáveis e prósperas. 

É por isso que, quando se trata de nossas fronteiras, defendo muros altos apenas com portões grandes -sim, controlemos as fronteiras, mas com portões mais eficientes que melhoram o investimento, os padrões de normas, o comércio, o turismo e as oportunidades econômicas em todos os três países. Nada nos tornaria mais seguros. Quando se trata de nossos vizinhos, Trump e Walker estão deixando os americanos assustados e mudos, puramente para obter ganho político. 

Mas se algum deles estivesse concorrendo a um cargo na Europa de hoje, a sua posição sobre cercas em toda parte estaria recebendo uma grande audiência, enquanto as massas de refugiados dos mundos da desordem no Oriente Médio e na África tentam caminhar, nadar, velejar, ou entrar de carro, trem e ônibus no mundo ordenado da Europa. 

E este é apenas o começo. Isso porque as três maiores forças do planeta -a Mãe Natureza (alterações climáticas, perda de biodiversidade e crescimento da população nos países em desenvolvimento), a Lei de Moore (a duplicação constante do poder dos microchips e, mais amplamente, da tecnologia) e a lei do mercado (a globalização amarrando o mundo todo cada vez mais firmemente)- estão em um processo de aceleração rápida e simultânea. 

Esta combinação está estressando os países fortes e explodindo os fracos. E aqueles que estão desintegrando primeiro são os mais artificiais: cujas fronteiras são na maior parte linhas retas que não correspondem a nenhuma realidade étnica, tribal ou religiosa, e cujos líderes, em vez de criarem cidadãos com direitos iguais, desperdiçaram os últimos 60 anos saqueando seus recursos nacionais. Então, quando seus punhos de ferro caem (na Líbia e no Iraque com a nossa ajuda), não há nada que una esses polígonos não naturais. 

Desde a Segunda Guerra Mundial, a política externa dos EUA tem se focado em integrar mais países em uma comunidade mundial democrática, de livre mercado, construída sobre o Estado de direito, enquanto procura dissuadir aqueles que resistem a desestabilizar o resto. Isto é o que nós sabemos fazer. 

Mas, como argumenta Michael Mandelbaum, autor do próximo “Mission Failure: America and the World in the Post-Cold War Era” (ou, em tradução livre, “fracasso da missão: os EUA e o mundo na era do pós guerra -fria”): “Nada em nossa experiência nos preparou para o que está acontecendo agora: o colapso de um crescente número de Estados, tudo ao mesmo tempo em um mundo globalizado. E se a China começar a falhar em um mundo globalizado?” 

Historicamente, contamos com impérios, como os otomanos, com poderes coloniais, como o Reino Unido e a França, e com homens fortes autocráticos, como reis e coronéis, para manter unidos Estados artificiais e fornecer ordem nestas regiões. Mas agora, estamos em um mundo pós-imperial, pós-colonial e, em breve, creio eu, pós-autoritário, no qual ninguém será capaz de controlar estas regiões desordenadas com um punho de ferro, enquanto o mundo da ordem continua operando da melhor maneira possível com lembretes ocasionais da desordem desagradável em suas fronteiras. 

Nosso coração aperta pelos refugiados sírios que chegam à Europa. E a generosidade da Alemanha ao absorver tantos deles é incrível. Nós temos uma obrigação especial para com os refugiados da Líbia e do Iraque. Mas, com tantos países desmoronando, não é sustentável simplesmente absorver cada vez mais refugiados. 

Honestamente, temos apenas duas formas de impedir esta inundação de refugiados, e não queremos escolher nenhuma das duas: construir um muro e isolar essas regiões de desordem, ou ocupá-las com soldados, esmagando os maus e construindo uma nova ordem baseada na cidadania real, um grande projeto que levaria duas gerações. Nós nos enganamos que existe uma terceira forma sustentável e fácil, ou seja, que basta continuar a aceitar mais refugiados ou criar algumas “zonas de exclusão aérea” aqui e ali. 

O fim depende do meio. E neste instante ninguém quer os meios, porque tudo o que você ganha é uma conta. Assim, o mundo em desordem continua transbordando para o mundo da ordem. E cuidado: o mercado, a Mãe Natureza e a lei de Moore estão apenas acelerando seus motores. Ainda não vimos esse jogo antes, e por isso que temos que pensar seriamente e enfrentar duras escolhas à frente. 

Tradução: Deborah Weinberg