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Parem as máquinas: Júlio César foi assassinado

Umberto Eco

29/06/2014 00h06

Nesta primavera, deparei-me com uma história publicada em vários jornais europeus: nos subúrbios de Paris, um professor havia levado um grupo de estudantes a acreditar que o mundo é controlado por uma seita oculta, conhecida como os Illuminati. Depois de examinar a notícia mais detalhadamente, creio que havia surgido de uma só fonte: um jornalista, que provavelmente estava sem assunto, havia cruzado com uma classe que devorava relatórios online sobre uma suposta conspiração mundial por parte dos Illuminati.

Os Illuminati também apareceram recentemente no noticiário, inclusive em um artigo sobre as teorias da conspiração que estão se estendendo como um fio de pólvora pelas escolas; e os resultados de uma pesquisa mostram que uma em cada cinco pessoas na França acredita na existência do grupo. Em última análise, todos esses artigos parecem voltar a dois pontos fundamentais: primeiro, que há uma grande quantidade de material na internet dedicado aos Illuminati; e segundo, que um grande número de pessoas lê este tipo de material. Será que se trata de um material jornalístico contundente?

É certo que, enquanto no passado os teóricos da conspiração tinham que consultar livros, além de outras formas antiquadas de meios de comunicação para investigar sobre os supostos centros de poder oculto, hoje só precisam navegar pela Web. Lá, vão encontrar uma grande quantidade de sites dedicados a conspirações globais em potencial, dos Illuminati aos Sábios do Sião e, entre eles, o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.

Grande parte da vasta literatura sobre o tema é velha e repetitiva, embora sem dúvida tenha ajudado Dan Brown a escrever o best-seller "Anjos e Demônios". (Ofereci minha própria interpretação grotesca das teorias da conspiração em "O Pêndulo de Foucault", ainda que a informação não tenha saído de fontes da internet, mas de material obtido em livrarias especializadas em ciências ocultas.)

Contudo, na internet, tudo o que é velho se torna novo mais uma vez. E em uma época em que o populismo desfruta de um renascimento sob tantas formas, talvez seja natural para os teóricos da conspiração tratar de incitar as massas através da invocação dos membros (anônimos) dos Illuminati, que supostamente são culpados de todos os males do mundo. Mas isso não explica por que os meios sérios de notícias se dão ao trabalho de tratar deste tema.

Talvez sempre haverá jornalistas que preferem consentir em publicar uma história monótona e irrelevante a admitir que não têm nada realmente sensacional a reportar. O que é notável é que os leitores não só aceitam essas notas de não notícia, mas também as consomem com prazer. (Provei esta teoria mostrando um dos artigos sobre os Illuminati a alguns conhecidos. Sua resposta em geral foi algo assim como: "Veja só isso! Quem imaginaria!")

E isso nos leva a uma conclusão bastante triste: no vasto oceano online, todos e cada um dos bits de informação (não verificada) podem ser compartilhados, desde a biografia da tia de Hammurabi até a cor dos uniformes dos soldados na Guerra dos Sete Anos; do tipo sanguíneo de Napoleão a quantos dentes Golias perdeu diante da atiradeira de Davi. Além disso, a internet fornece a esse tipo de "fatos" um certo ar de atemporalidade, como se tivessem acabado de ser reportados.

E, assim, um jornalista especialmente preguiçoso pode visitar um site da internet por acaso, escolher uma teoria bem estabelecida e utilizá-la como base para uma matéria mais profunda com um título que comece assim: "Descoberta histórica sensacional". O jornalista poderia vender sua matéria com a serena convicção de que a informação é tão obsoleta que pode ser desenterrada sem medo de que algum leitor proteste. Imagine um título de oito colunas: "Estudiosos descobrem que César foi assassinado em março" e o editor falando ao jornalista: "Agora sim, é isso que eu chamo de antecipar-se aos fatos!"

Apesar de todos os benefícios que tem, a internet pode ser um paraíso para os jornalistas preguiçosos que recorrem à apresentação de relatórios sobre as teorias da conspiração ou fazem ressurgir fatos estabelecidos como furos impactantes. Resta aos leitores rejeitar esse tipo de jornalismo, para exigir mais do que o status quo. Afinal, não é isso que fariam os Illuminati?