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Pelo segundo ano seguido, Caprichosos de Pilares não desfilará

Desfile da Caprichosos de Pilares pelo Grupo de Acesso do Carnaval do Rio, em 2014 - Marcelo Cortes/Fotoarena/Folhapress
Desfile da Caprichosos de Pilares pelo Grupo de Acesso do Carnaval do Rio, em 2014 Imagem: Marcelo Cortes/Fotoarena/Folhapress

21/01/2019 18h56

Uma das escolas de samba mais queridas e irreverentes do Carnaval carioca vive o pior momento de sua trajetória de quase 70 anos. A Caprichosos de Pilares, que nos anos 1980/1990 marcou época por seus enredos politizados e irreverentes, não desfilará pelo segundo ano consecutivo.

Envolvida há anos em uma briga judicial pelo seu comando, a agremiação, que hoje está na Série D (equivalente à quinta divisão dos desfiles), será automaticamente rebaixada para a Série E - o degrau mais baixo possível para uma escola de samba.

De acordo com a Liesb (Liga Independente das Escolas de Samba do Brasil), entidade que organiza os desfiles das séries de B a D, a Caprichosos não pode se apresentar por não ter uma ata de posse da diretoria registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Segundo o presidente da entidade, Gustavo Barros, a falta do registro causa um sentimento de insegurança jurídica e impede que a Liga repasse verbas públicas para bancar o desfile da escola. "Assim que a ata surgir, a Caprichosos poderá desfilar sem nenhum problema", afirma Barros. 

O presidente da escola, Carlos Leandro, discorda da postura da entidade e afirma que o problema se estendeu por vários anos, mas a escola nunca deixou de desfilar. "Desde 2014 a Caprichosos passa por essa briga judicial e desfilou normalmente até 2017. Logo depois, assumi a presidência e participei de todas as reuniões da Liesb. Faltando 10 dias para o Carnaval do ano passado, soube que não poderia desfilar. Gostaria de saber por que eu não posso, se as gestões anteriores desfilaram sem nenhuma ata registrada", relata o presidente.

O presidente da Liesb nega: "Eu ainda não estava no cargo, mas tenho certeza de que o então presidente Heitor Fernandes não deixaria a escola desfilar sem estar com a documentação em perfeita situação".

Irreverente e inovadora

Fundada em fevereiro de 1949, a Caprichosos de Pilares só conseguiria um lugar de destaque no Carnaval carioca em 1982, ao conquistar o Grupo de Acesso com o enredo "Moça bonita não paga, mas também não leva". Enfocando o cotidiano de uma feira livre e criticando a inflação galopante dos tempos de abertura política, a agremiação daria início a uma nova linha de enredos.

Comandada pelo carnavalesco Luiz Fernando Reis, a escola marcou os anos 1980 com vários desfiles irreverentes e politizados. Em 1984, soltou um balão em plena Sapucaí pedindo eleições diretas. No ano seguinte, lembrando os então saudosos tempos de democracia, conquistou público e crítica, mas ficou em quinto lugar. 

A Caprichosos marcou presença no Grupo Especial até 1996, quando foi rebaixada. Em 1998 já estava de volta ao convívio das grandes, de onde só saiu em 2006. Um dos últimos momentos em que brilhou no Grupo Especial foi em 2004, quando homenageou a apresentadora Xuxa.

Desde então, deu-se início ao processo de decadência. Com a morte dos ex-presidentes Fernando e Alberto Leandro (respectivamente, avô e pai de Carlos), a escola vive anos de disputa jurídica entre dois grupos: o da família Leandro e o liderado pelo ex-deputado Paulo de Almeida. O imbróglio encontra-se na 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Em 2015, a escola fez seu último bom Carnaval. Com enredo do estreante carnavalesco Leandro Vieira, ficou em sétimo lugar na Série A (Grupo de Acesso). O desfile chamou a atenção da Mangueira, que contratou o artista e conquistou o título do Grupo Especial no ano seguinte. Já a Caprichosos teve um 2016 péssimo: com um enredo sobre o craque Petkovic, a agremiação foi rebaixada para a Série B. De lá para cá, desfilou apenas em 2017, também sendo rebaixada. 

Difícil reconstrução

Segundo Carlos Leandro, a briga judicial inviabilizou completamente a Caprichosos. Após ser eleito por aclamação em 2017, ele não conseguiu ainda regularizar a vida da escola. Sequer tem condições de estimar em quanto está a dívida da escola na praça. "Eu já investi mais de R$ 200 mil do meu bolso para reformar a quadra e dar à Caprichosos condições de desfilar. No ano passado, estávamos prontos, mas fomos surpreendidos com a medida da Liesb. Para 2019, não nos preparamos. Não vamos iludir a comunidade. Precisamos resolver nossa vida para poder voltar com tudo em 2020", afirma o presidente, que estuda entrar com medidas na Justiça para conseguir ter finalmente o registro da ata.

A quadra da escola abre esporadicamente para eventos de terceiros, como festas e pagodes. "Foi a forma que encontrei para pelo menos conseguir bancar sua manutenção e proporcionar lazer à comunidade", relata Leandro, que afirma ter conversações com patrocinadores para quando a Caprichosos puder voltar a desfilar.

Para o carnavalesco e comentarista de Carnaval Luiz Fernando Reis, o quadro é de extrema tristeza. Responsável por grande parte dos desfiles memoráveis do passado, o artista se mostra pessimista: "A disputa política esfacelou a Caprichosos. O ideal seria buscar a paz entre os dois grupos, mas isso é muito difícil. Torço apenas para que ela não 'enrole a bandeira' [gíria usada no mundo do Carnaval para designar o fim de uma escola de samba]", lamenta. 

O carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira, também se mostra preocupado com a situação da Caprichosos. "Tenho uma eterna dívida com a escola, porque comecei lá. Fico muito triste. O perfil da Caprichosos é fundamental para o desfile das escolas de samba. Perder a Caprichosos e a sua identidade é deixar o perfil crítico e satírico do Carnaval se perder."

Revolucionário desde sempre, Luiz Fernando ainda deixa uma última sugestão à comunidade de Pilares: "A chama não pode se apagar. A comunidade tem que se unir e, se necessário for, fundar uma nova Caprichosos", conclama.

Anderson Baltar