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"Iam dizer que eu provoquei": foliãs falam sobre criminalização do assédio

Grupo distribui adesivos e tatuagem contra o assédio no Bloco Casa Comigo, em Pinheiros - Marcelo Justo/UOL
Grupo distribui adesivos e tatuagem contra o assédio no Bloco Casa Comigo, em Pinheiros Imagem: Marcelo Justo/UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL

25/02/2019 09h00

O Carnaval de 2019 é o primeiro da história durante o qual assediar alguém sexualmente é crime. Sancionado em setembro do ano passado, o projeto de lei que define o crime de importunação sexual prevê de 1 a 5 anos de prisão para quem praticar ato libidinoso contra alguém sem o consentimento da pessoa, com o objetivo de satisfazer o próprio desejo ou o de terceiros. 

O assunto voltou a ganhar atenção nestes dias porque é justamente nesta época do ano que muitas mulheres convivem com tal ato. Não à toa, diversas iniciativas Brasil afora procuram lembrar os homens daquilo que deveria ser óbvio: tudo bem pegação no Carnaval, desde com consentimento. 

Campanhas como "Não é não" e "Carnaval Sem Assédio" seguem espalhando essa mensagem, e a prefeitura de São Paulo estreou neste sábado (23) um ônibus para receber denúncias de assédio sexual. A questão que fica, entretanto, é a seguinte: o fato de agora existir uma lei irá mudar alguma coisa na prática?  A reportagem do UOL esteve em Pinheiros e no bloco do Baixo Augusta perguntando a opinião das foliãs. 

"A partir do momento em que é criminalizado, acho que o cara passa a ter mais medo de assediar. Mesmo que seja só um pouco mais", diz Paula Kethelen, 20 anos. "Mas acho que ainda é cedo, tem pouca gente sabendo que é crime. Ainda tenho visto muito homem bem ´soltinho`. Com o tempo isso talvez mude."

Vitória Lamis, 18, diz que leu uma reportagem na internet a respeito da nova lei. Ela até acredita que o assédio vai diminuir, mas não tem esperanças de que irá acabar. "Matar é crime. As pessoas deixam de matar", diz. Sobre o sábado de pré-Carnaval em Pinheiros, Vitória acha que ali onde ela está no momento, o Largo da Batata, as coisas até que estão tranquilas. "Mas lá no meio está pesado", diz, referindo-se ao assédio no meio da multidão que toma a Avenida Faria Lima. 

Também em Pinheiros, Giovanna Rosa, 19, tem uma opinião bem diferente de todas as demais mulheres ouvidas pelo UOL. Para ela, associar a nova lei ao Carnaval não faz sentido porque "nesta época do ano, as pessoas (homens e mulheres) já saem de casa predispostas à putaria". 

"Tem que saber diferenciar cantada de assédio. Passar a mão nas partes íntimas é assédio. Mas encostar no cabelo, dizer certas coisas não é", afirma. 

No Baixo Augusta, que desfilou neste domingo (24) pela região central de São Paulo, a opinião geral não era muito diferente: criminalizar o assédio, em si, não irá trazer resultados sem mudanças em uma série de outros fatores. 

"Leis não fazem as pessoas mudarem os costumes", acredita Aurélie Honoré, 31. Francesa, ela mora no Brasil há sete anos e está fazendo aulas de defesa pessoal justamente para se proteger de assediadores. 

"Como estrangeira, me sinto um pouco mal em dizer isso, mas será que a lei vale no Brasil? Já passei por situações desagradáveis (casos de assédio) no Carnaval, mas acho que varia muito de bloco para bloco", diz. "Acho que na França temos menos casos por questões culturais mesmo, o francês é mais reservado."

Beatriz Tommetti, 21, é uma das mais enfáticas ao responder: a nova lei não irá mudar em nada a vida das mulheres. Ela ilustra com um exemplo vivido no Carnaval. "Ontem mesmo uma amiga viu um cara bater numa mulher num bloco. Chamou a polícia e não fizeram nada. Ou seja, de que adianta ter a lei se as autoridades não agem?". 

Cibele Alves, 31, vai na mesma linha de Beatriz e, de certa forma, de Aurélie. "Só punição efetiva surte algum efeito. O cara precisa ter medo de ser punido", diz. "Além disso, há uma questão cultural. Com essa cultura do machismo, as coisas não mudam assim, rápido. Mas espero que aconteça." 

O ônibus da prefeitura deixou o Largo da Batata às 18 horas sem receber uma única denúncia formal de assédio sexual, apesar de muitas mulheres terem se aproximado interessadas na iniciativa. Isso levanta a velha questão de o quanto as autoridades brasileiras estão preparadas para lidar com a violência contra a mulher, por mais que exista uma lei. Eis o ponto destacado por Isabella Leal, 24. 

"Na teoria é legal ter uma lei, mas como as mulheres serão recebidas na hora de fazer uma denúncia? Aqui no Carnaval, por exemplo: vão dizer que eu estava pelada, que eu provoquei", diz. "Acontece até com mulheres que sofrem estupros ou apanham, e existem leis contra isso. Eu até denunciaria se sofresse assédio, mas acho que não adianta. Infelizmente, nós mulheres estamos acostumadas com isso."

"Muitas amigas minhas ainda nem sabem desta lei. Além disso, acho que as coisas melhorariam não pela lei, mas pela conscientização", diz Barbara Perondi, 22. 

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