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"Sofri, mas a vida está me recompensando", diz Elza Soares, musa da Sapucaí

A cantora Elza Soares, durante show em maio passado. - Patricia Lino/Divulgação
A cantora Elza Soares, durante show em maio passado. Imagem: Patricia Lino/Divulgação

Dolores Orosco

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/02/2019 14h12

Quando entrar no carro abre-alas da Mocidade Independente de Padre Miguel, às 3h45 da segunda-feira, 4, Elza Soares não estará apenas fechando os desfiles das escolas de samba do Grupo Especial do Rio. Também será o fim de um Carnaval intenso para a cantora, dona de uma agenda tão cheia, que faria rainha de bateria perder o rebolado de cansaço.

Nesta temporada de folia, Elza já foi madrinha de bloco de rua, vai cantar em dois camarotes na Sapucaí e será destaque da última escola a desfilar no sambódromo. E nem tente se mostrar impressionado com o vigor da artista aos 80 "e alguns" anos, que ela dá um daqueles "abafa o caso" ligeiro. "Minha idade? Bom, eu acordei agora pouco, então devo ter uma hora e meia de renascimento mais ou menos", brinca.

Mas é preciso retroceder mais que uma hora e meia no tempo para falar sobre a trajetória de Elza. É o desafio que a Mocidade tem pela frente: no Carnaval de 2020 a escola irá contar a história da cantora na avenida. Um enredo que deve emocionar ao narrar uma vida de dores causadas por uma infância na pobreza extrema, uma juventude brutalizada pelo machismo e as inúmeras perdas de uma mulher que sempre "reconhece a queda, não desanima, levanta a poeira e dá a volta por cima". Só para ficar num dos sambas imortalizados pelo timbre rascante de sua voz única.

"Já sofri demais, mas a vida está me recompensando olha aí...", avalia Elza, se referindo à homenagem da escola de Padre Miguel, bairro na Zona Oeste do Rio, onde ela cresceu. "Vivi alguns dos meus momentos mais felizes na Mocidade. Puxei o samba do Carnaval de 1976, sobre a Mãe Meninina do Gantois, grávida do meu Garrinchinha", conta ela, recordando com carinho o filho que teve com o jogador de futebol Mané Garrincha (1933-1983), que perdeu tragicamente aos 9 anos, em um acidente de carro.

Indignação por Fábio Assunção

Remexer no passado dói, mas Elza às vezes traz de volta velhos traumas para defender aquilo em que acredita. Este ano, a cantora aceitou o convite para ser madrinha do bloco Alegria Sem Ressaca, que trabalha na prevenção do abuso de álcool e outras drogas. O desfile aconteceu no último dia 17, na orla de Copacabana.

"Odeio bebida. Meu maior medo na vida é que meu neto, meu lindo João Pedro, chegue perto de gente que enche a cara e usa drogas. Seria um castigo muito grande para mim...", teme Elza, que perdeu o marido, Garrincha, para o alcoolismo e cresceu vendo o próprio pai sofrer com o vício.

A cantora tem se revoltado ao ver o deboche que alguns foliões têm feito com Fábio Assunção neste Carnaval. O ator já tornou pública sua batalha contra a dependência química. "Pelo amor de Deus, essa crueldade tem que acabar. O que o menino tem é doença! Temos que olhar para o Fábio com mais dignidade", opina.

A carne mais cara

Racismo é outra briga da qual Elza não se esquiva. Recentemente, a cantora se escandalizou ao ver nas redes sociais imagens da festa dada pela diretora de moda Donata Meirelles, na qual mulheres negras vestidas como mucamas trabalhavam no evento.

"A luta do meu povo é para tirar da pele as marcas que a escravidão deixou. Aí vem uma feliz da vida qualquer e bota essa ferida aberta de novo, para todos verem como é que o negro deve ser tratado. Chega! Isso tem que ter fim", afirma Elza. "Minha gente não vai ser mais a carne mais barata. Vai ser a mais cara, porque agora somos professores, doutores, artistas. O negro tem que andar de cabeça erguida". 

Chama o doutor Salim!

Os dias de Carnaval são intensos, mas Elza garante que o ritmo é frenético o ano todo para ela. Apesar do problema de mobilidade - a artista vem se apresentando no palco sentada há alguns anos - a agenda de shows segue. No final de semana seguinte à folia, ela tem apresentação marcada em São Paulo, dia 12, no Teatro Porto Seguro.

Capa do álbum "Deus É Mulher", de Elza Soares. - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

"Vou cantar as músicas do meu disco novo, que está muito moderno", explica, sobre o álbum lançado em maio de 2018, "Deus É Mulher". Fato é que as canções desse trabalho estão alinhadas com os temas da vez. O termo "lugar de fala", cunhado pela filósofa Djamila Ribeiro e que hoje é indispensável nos debates sobre racismo e feminismo, está presente em "O que se cala", música que abre o álbum. "Ser vanguarda não tem nada a ver com idade. A gente já nasce vanguarda", garante.

Elza costuma dizer que "está sendo jovem por mais tempo" e não envelhecendo. Busca essa juventude não só nas ideias, mas na aparência. "Adoro cuidar das minhas unhas, das minhas maquiagens, da minha pele. Durmo e acordo segurando o espelho, que é para ver bem o que está caindo", conta, aos risos. "Se aparece alguma marquinha nova, ligo logo para doutor Salim: 'Minha paixão, me ajuda aqui! Não me deixa despencar não!'", revela Elza, que se consulta regularmente com o cirurgião plástico Salim Cury, que atende no Leblon.

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