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Ciência que organiza novas espécies é "espécie" ameaçada de extinção

Por Anne Chaon

26/05/2010 17h56

PARIS, 26 maio 2010 (AFP) - Estaríamos privados de uma molécula milagrosa contra o câncer por causa de uma planta ainda desconhecida? Menos de 2 milhões de espécies foram identificadas até hoje de 10 a 30 milhões estimadas, mas a ciência que permite inventariá-las, a taxonomia, está ameaçada de desaparecer.

Pouco rentável, negligenciada pelas grandes instituições internacionais, a taxonomia merecia uma oração fúnebre neste Ano Internacional da Biodiversidade se não fosse por um pequeno grupo persistente, de cerca de apenas 1.000 na Europa, alguns milhares no mundo - principalmente nos países industrializados.

Na França, o Museu Nacional de História Natural de Paris é o "último bastião" com cem especialistas, indica seu presidente, Gilles Boeuf. "Mas grupos importantes não têm mais especialistas ou eles estão prestes a se aposentar".

Os pulgões e as medusas já estão órfãos, restando apenas dois taxionomistas para os coleópteros (com apenas um terço identificado). Também são órfãos, ou quase, os anfíbios e os cogumelos, entre outros.

"Cerca de 16.000 espécies novas são identificadas por ano, seriam necessários de 700 a 1.000 anos de trabalho para identificar todas, mas não há tempo: corremos o risco de perder a metade até o final do século", insiste Gilles Boeuf. "Ainda não somos capazes de saber com antecedência o que é útil para a humanidade ou não".

Especialista principalmente em pinguins, Yvon Le Maho menciona com frequência a descoberta de um peptídio bactericida no estômago da ave, que permite a ela manter intacta por várias semanas o pedaço de comida que leva a seu filhote. Esta descoberta poderá permitir lutar de maneira mais eficaz contra as infecções hospitalares. "Imaginem se todos os pinguins tivessem acabado nos barcos pesqueiros do século XIX?"

No mar, a situação é ainda pior. "O oceano profundo tem dez vezes o volume das terras e identificamos cerca de 1.500 espécies novas por ano. Ainda descobrimos, em 2003, uma baleia de 12 metros: o que dizer dos micro-organismos!", alerta Daniel Desbruyères, especialista em ecossistemas marinhos profundos do Instituto Francês de Pesquisas para a Exploração do Mar (Ifremer).

A alguns meses de sua aposentadoria, este especialista ainda se revolta: "Estamos em um planeta do qual ignoramos 80% e não somos capazes de investir três tostões para conhecê-lo melhor".

A taxonomia moderna, herança do botânico sueco do século XVIII Carl von Linné, sempre foi beneficiada pela ajuda de amadores esclarecidos, amantes das borboletas ou dos insetos.

"Mas esses não-profissionais se dedicam a espécies populares e de fácil acesso, e não aos vermes ou às medusas, que precisam de um material sofisticado", disse Simon Tillier, professor e presidente do programa EDIT (European Distributed Institute of Taxonomy) que reúne trinta instituições europeias.

Citando como exemplo a fauna dos recifes de corais, ele acrescenta: "Conhecemos o que vemos, mas o tamanho médio de um gasterópodo é de menos de 5 mm".

E a simples descrição não é mais suficiente, ressaltam os especialistas. Muitos dos taxonomistas ainda em atividade não passaram "a um estágio superior", segundo Gilles Boeuf, o da da análise molecular, que permite identificar os genes dos organismos, descrever suas relações com os outros, com seu ambiente e com o homem.