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DNA de múmias mais antigas do mundo é chave para recriar latinos de 12 mil anos atrás

Martin Bernetti/AFP Photo
Imagem: Martin Bernetti/AFP Photo

Em Santiago

22/12/2016 16h09

Os segredos das múmias mais antigas do mundo começam a ser revelados. Quinze corpos mumificados da cultura chinchorro foram escaneados em busca de seu DNA para identificar quais dos seus rastros genéticos estão presentes nos chilenos de hoje e para reconstituir sua aparência.

Pescadores e caçadores que habitaram de 10.000 a 3.400 a.C. a costa que banha o deserto do Atacama, onde hoje estão o sul do Peru e a cidade chilena de Antofagasta, as múmias chinchorro têm cerca de 7.400 anos de antiguidade, ao menos 2.000 a mais que as múmias egípcias.

Os chinchorros estão entre os primeiros povos a mumificar artificialmente seus mortos com um complexo tratamento para desmembrar e reconstruir os corpos, um processo que os cientistas buscam compreender.

Quinze múmias, na sua maioria bebês e fetos, foram escaneadas na semana passada na clínica Las Condes, em Santiago. O exame mostrou "milhares de imagens de menos de um milímetro", diz à AFP Marcelo Gálvez, chefe de radiologia do centro que colabora com a investigação.

"Será feita a dissecação destes corpos de forma virtual, sem tocá-los, de modo que nos asseguramos de conservá-los por mais 500.000 anos", acrescenta.

A fase de reconstrução está sendo feita em vários computadores, onde se unem peças, se acrescentam músculos, se inserem narizes e queixos e se consegue, aos poucos, "ver como eram fisicamente, reconstruí-los e ter hoje ao vivo alguém que morreu há milhares de anos", comenta, eufórico, o radiologista.

Trabalho familiar

Com um conhecimento profundo da anatomia humana, os chinchorros elaboraram um complexo sistema que consistia em retirar a pele e os músculos, até deixar só o esqueleto, que reforçavam com madeira e fibra vegetal. Depois, aplicavam uma camada de argila para dar forma ao corpo, o cobriam com a pele, e colocavam olhos e a boca.

A cabeça era adornada com uma máscara, perucas de cabelo natural puro ou misturado com fibras de animais, explica Verónica Silva, curadora da área de antropologia do Museu Nacional de História Natural de Santiago.

"A própria família construía a múmia", diz a antropóloga, lembrando que a mumificação começou principalmente com fetos e recém-nascidos.

Embora se respeitasse uma série de regras gerais, cada múmia exibe características únicas, "com inovações tecnológicas e artísticas" que permitem situá-las em três períodos diferentes: o das múmias negras, o das vermelhas e o das enfaixadas.

As mais elaboradas são as mais recentes, destaca a antropóloga, que indica que, de todos os modos, "estamos falando efetivamente dos corpos com mumificação artificial mais antigos do mundo", conclui.

"As múmias chinchorro datam de 7.400 anos antes do presente, isso quer dizer que este sistema de taxidermia dos corpos das múmias chinchorro era realizado 2.000 anos antes da primeira mumificação no Egito", aponta Silva.

Herança genética

Ao escanear a menor das múmias, os pesquisadores se surpreenderam ao descobrir que esta não tinha estrutura óssea.

"O material (...), portanto, é só uma figura que poderia ser uma representação de um indivíduo que não pôde ser mumificado", afirma Silva.

Os antropólogos encontram limitações ao estudar esta cultura, que não deixou outros vestígios além de seus mortos.

Não foram encontrados enxovais funerários, e isso, junto com a posição das cerca de 180 múmias encontradas, principalmente em locais que são uma espécie de cemitério perto da praia Chinchorro, leva a pensar que essa cultura não tinha crenças relacionadas com a vida após a morte.

Colocar um rosto na cultura chinchorro é parte de uma pesquisa que busca também descodificar seu DNA e identificar quais rastros genéticos estão presentes nos chilenos de hoje.

O objetivo é "entender melhor seu modo de vida: desde sua dieta até saber se seus genes continuam presentes em nós chilenos", afirma Silva.