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Tratador de última tartaruga gigante de Galápagos lamenta perda de 'melhor amigo'

George fazia parte do programa de reprodução em cativeiro do Parque Nacional de Galápagos - Reprodução BBC
George fazia parte do programa de reprodução em cativeiro do Parque Nacional de Galápagos Imagem: Reprodução BBC

27/06/2012 14h56

A morte da tartaruga gigante George Solitário, aos cem anos de idade, não foi apenas lamentada por todo o arquipélago de Galápagos, no Equador, mas também por Fausto Llerena, tratador de George.

Durante quase três décadas, Llerena foi o principal tratador de George, último sobrevivente da subespécie Chelonoidis Abingdoni. Para o tratador, a dor da perda do "melhor amigo" ainda não passou.

A dedicação e a devoção que dispensava ao animal eram tamanhas que foram reconhecidas pela direção do centro onde o quelônio morava, batizado de Centro de Criação de Tartarugas Gigantes Fausto Llerena, na ilha de Santa Cruz.

No último domingo, quando o tratador de 72 anos foi visitar seu amigo, como fazia todos os dias livres, notou algo de errado.

George não foi recebê-lo como de costume e foi encontrado já sem vida em sua jaula.

"Eu cuidei dele desde 1983; George vinha ao meu encontro religiosamente todas as vezes que eu entrava em sua jaula", disse Llerena à BBC Mundo.

Segundo o tratador, a tartaruga tinha "uma personalidade complexa" e somente "aceitava três pessoas em sua jaula por vez. Caso contrário, se retirava do recinto. Se o visitante estivesse sozinho, aí mesmo é que ele ficava mais tempo", afirmou Llerena.

"Eu sentia muito carinho por ele, inclusive ia visitá-lo nos fins de semana. George vinha ao meu encontro, parava na minha frente, esticava o pescoço e abria a boca. E ficava parado com a boca aberta por um bom tempo, com o olhar fixo, sem titubear, como se quisesse me dizer algo".

"Eu o acariciava na cabeça, dava-lhe uns tapinhas e ele esticava mais o pescoço. Quando eu saía de sua jaula, ele voltava para a toca".

Amizade

O cuidado da tartaruga incluía a limpeza da jaula e da lagoa onde George tomava banho, além de alimentá-lo com base em uma dieta composta por vegetais.

Nem nos momentos mais complicados Llerena deixou de estar ao lado da tartaruga. Inclusive, nas duas vezes que George sofreu problemas de saúde. "Uma vez ele estava mais lento, não se mexeu, e eu lhe perguntei: o que há de errado? Ele levantou a cabeça e olhou para mim".

Tratava-se de uma indigestão, que foi curada com uma alimentação à base de mamão.

"Nós começamos lhe dando um quarto de mamão, logo em seguida, aumentamos a dosagem para metade da fruta até que ele se sentisse totalmente recuperado e o mamão, suspenso", explicou Llerena.

"George perdeu a unha de uma de suas patas", contou Llerena a respeito de outro episódio." Como não se movia, percebi que sua pata estava inchada. Os veterinários lhe deram algumas injeções e ele se curou", acrescentou.

O fascínio de Llerena com as tartarugas começou aos 12 anos, quando o tratador, que nasceu na província de Tungurahua, no centro do país, chegou com sua família em Galápagos.

Llerena lembra-se exatamente como conheceu George. A tartaruga havia sido resgatada em 1972 na ilha de Pinta, durante uma missão para remover cabras, espécie introduzida pelo homem que devastou o habitat natural dos quelônios.

Estima-se que cerca de 300 mil tartarugas gigantes habitavam o arquipélago de Galápagos, mas foram dizimadas por piratas que caçavam sua carne e predadores introduzidos pelo homem.

Desde que foi encontrado na Pinta, George fazia parte do programa de reprodução em cativeiro do Parque Nacional de Galápagos.

"Eu sempre tive em mente que esse dia (da morte) chegaria, mas ninguém sabia quando isso aconteceria. Nos últimos tempos, eu não parava de pensar nisso. Tinha a esperança de que George deixaria um descendente, mas, infelizmente, ele não teve filhos", lamentou Llerena.

Os cientistas lutaram para evitar a extinção da subespécie e tentaram, por diversas vezes, cruzar George com fêmeas de características genéticas semelhantes.

O sonho estava a ponto de ser concretizado 15 anos depois, quando uma fêmea com que a tartaruga acasalou, finalmente, pôs ovos. Mas eles não eram férteis.

Embora tenha morrido sem produzir descendentes, George deixou um legado pela luta da conservação das espécies de tartarugas.

"Temos de ser fortes e continuar com o mesmo vigor em nosso trabalho porque há muitas tartarugas aqui. Cuidamos de 70 adultos e mais de mil filhotes. Não podemos esmorecer, porque temos mais espécies para recuperar."