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Einstein inventando uma geladeira? A fase menos conhecida do cientista mais famoso do mundo

A equivalência entre a massa e a energia descrita por Einstein mudou a forma com que a ciência interpreta o mundo - Thinkstock
A equivalência entre a massa e a energia descrita por Einstein mudou a forma com que a ciência interpreta o mundo Imagem: Thinkstock

26/12/2017 16h47

O que alguém faz depois de descrever a natureza do universo pela primeira vez na história?

Nos anos 1920, Albert Einstein já havia tido participação fundamental no desenvolvimento da teoria quântica e resolvido a da relatividade. Ele então embarcou em sua última grande expedição pelos mistérios mais profundos da física, naquilo que se tornaria a realização incompleta de um sonho: a busca de uma teoria unificada que conectaria todas as forças da natureza em uma única equação mestra.

Esse é o Einstein que mais conhecemos, aquele que buscou resolver os enigmas mais obscuros do mundo.

Mas, ao mesmo tempo, ele tinha trabalhos paralelos.

Um deles era a invenção de um novo tipo de geladeira.

Sim, Einstein também foi um inventor. Esta nunca foi a parte principal de seu trabalho, mas ele a levava a sério.

No entanto, ainda parece um pouco estranho que o homem que nos deu a equação E = mc2 e mudou as noções da ciência sobre o tempo e o espaço tenha decidido criar um eletrodoméstico.

O caminho para a fama

O que aconteceu com Einstein durante sua vida adulta, entre o jovem gênio e o senhor de cabelos brancos e língua de fora que conhecemos nas fotos? Perguntamos a Katy Price, professora da University Queen Mary de Londres, que pesquisou o período de celebridade emergente do físico na década de 1920.

"Nós realmente não pensamos muito sobre como o jovem Einstein se transformou no mais velho, e é nessa fase em que tudo está realmente mudando", diz ela.

"Em todo o mundo, se falava sobre a sensacional nova teoria do Universo. Uma manchete do [jornal] New York Times, por exemplo, dizia: 'Jazz no mundo científico'".

"Na imprensa, descreveram muito a sua aparência: a roupa que ele usava, seus cabelos, seus olhos...: 'Parece um homem afetuoso, é bom com crianças, toca violino'. Era uma tentativa de humanizar a pessoa que nos deu essa teoria matemática intensamente abstrata."

Mas tudo isso contrastava fortemente com o que estava acontecendo na sua Alemanha natal.

Turbulências

Pode-se imaginar que Einstein estivesse desfrutando do sucesso e da fama em seu auge.

Mas, na verdade, esse período de sua vida foi difícil, tanto na ciência como na vida privada e no seu país.

Ele já tinha se casado duas vezes, tinha vários casos amorosos e seu relacionamento com a segunda esposa, Elsa, claramente não era pacífico.

Uma parte da imprensa alemã também não era favorável ao cientista. Eles criticavam suas ideias internacionalistas, acusadas de antipatrióticas. E, desde os anos 1920, essa crítica já estava tingida de antissemitismo.

Em 1933, o jornal nazista Völkische Beobachter atacou abertamente suas teorias científicas por virem de um judeu.

"O exemplo mais importante da influência perigosa dos círculos judeus nos estudos da natureza vem do Sr. Einstein, com suas teorias matematicamente toscas que consistem em algum conhecimento antigo acrescido de incrementos arbitrários."

Einstein chegou a temer por sua vida.

"E com razão", diz Price.

"No New York Times, no meio da cobertura de suas palestras, há notícias de que, em Berlim, um líder antissemita foi multado por tentar organizar um complô para matar Einstein. Então, na verdade, alguns queriam matá-lo e outros queriam matar sua ciência."

Parceria para invenção

Em 1926, Einstein leu uma notícia no jornal sobre uma família que morreu após gases tóxicos escaparem de sua geladeira.

Essa triste história deve ter-lhe comovido, porque ele começou a fazer algo para tentar resolver o problema.

Talvez fosse porque ele queria se distrair; ou pode ter sido um reflexo de sua conhecida sensibilidade.

O fato é que Einstein conhecia uma pessoa que poderia ajudá-lo: um brilhante jovem formado na Universidade de Berlim chamado Leo Szilard.

Szilard era um especialista em termodinâmica, a ciência que descreve como o calor se move - e isso é o que faz uma geladeira funcionar.

E, bem, não se rejeita um pedido de parceira com Einstein, certo?

Um campo eletromagnético para a geladeira

Naquela época, geladeiras não eram muito comuns. Embora mais parecessem uma caixa-forte do que um eletrodoméstico, a princípio elas não eram muito diferentes das atuais.

Elas usam um fluido refrigerante para absorver o calor no interior do aparelho e liberá-lo - o fluido contrai, expande e circula através de um circuito de tubos.

Os refrigerantes, naquele tempo, eram gases tóxicos, com amônia e dióxido de enxofre em sua composição, por exemplo. Eles podiam escapar quanto algumas partes da geladeira, as partes móveis, se desgastavam.

Einstein e Szilard perceberam que os refrigeradores seriam mais seguros se houvesse menos partes móveis.

Eles se livraram da parte do circuito que condensava e evaporava o fluido e substituíram-no por uma bomba de compressão que projetaram, sem peças móveis.

Um campo eletromagnético permitia a movimentação do metal líquido - o mercúrio -, que atuava como um pistão para comprimir o gás.

Invenção barulhenta

Em 1927, a divisão de refrigeração da empresa sueca Electrolux comprou um dos pedidos de patente de Einstein e Szilard pelo valor de US$ 10 mil (cerca de R$ 33 mil; em valores atuais). A companhia alemã AEG fez o mesmo.

No entanto, a geladeira tinha seus problemas. Um deles era que a movimentação do mercúrio fazia muito barulho.

Mas, um por um, os problemas foram resolvidos e, em 1932, já havia vários protótipos promissores da geladeira Einstein-Szilard nos laboratórios da AEG.

No entanto, aconteceu uma catástrofe.

A República de Weimar (estabelecida na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial) já havia atenuado uma hiperinflação insana no país no início da década de 1920, mas agora os efeitos da Grande Depressão de 1929 estavam desestabilizando o governo e os negócios.

Em meio ao caos e à instabilidade que alimentaram a eleição do governo nacional-socialista de Adolf Hitler, a AEG foi forçada a fechar suas pesquisas sobre refrigeração.

E com Einstein e Szilard exilados da Alemanha, os planos para lançar a nova geladeira foram interrompidos.

Quase sete décadas depois...

Embora o refrigerador cocriado por Einstein ainda tivesse o problema de não ter um fluido que não fosse tóxico para os seres humanos e nem para o meio ambiente, existem razões para que o projeto ainda seja atraente.

"O interesse para nós é que ele não tinha partes móveis", diz Malcolm McCulloch, um engenheiro da Universidade de Oxford que em 2008 construiu a engenhoca com base nos projetos dos cientistas.

"Isso é muito útil em lugares remotos onde não há pessoas qualificadas para fazer consertos manualmente. O segundo estímulo que achamos interessante é a possibilidade de usar o calor residual", explica.

"Além disso, uma das grandes vantagens para mim é que ela não precisa de eletricidade."

Outros problemas

É improvável que os dois físicos tenham ficado muito preocupados com o fracasso de sua geladeira. Já em 1932, eles tinham problemas mais importantes com os quais lidar.

Em 1934, Szilard patenteou o processo de reação em cadeia nuclear iniciada por nêutrons, que poderia permitir o uso de energia nuclear para diversos fins. Dois anos depois, em meio à tensão entre os países europeus, ele deu a patente ao almirantado britânico, o antigo responsável pela Marinha Real Britânica, para que ela permanecesse secreta.

Mas em 1938, a fissão nuclear do urânio, reação usada em usinas nucleares e na bomba atômica, foi descoberta na Alemanha.

Em agosto de 1939, um mês antes do início oficial da Segunda Guerra Mundial, Szilard e Einstein assinaram uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt, alertando que os alemães poderiam estar construindo uma bomba atômica e pedindo que o país investigasse.

A carta levou ao estabelecimento do Projeto Manhattan e ao lançamento das bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945.

Hoje em dia são as bombas nucleares, e não as geladeiras, que são consideradas parte do legado de Einstein.