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Neandertais criaram primeiras joias da humanidade há 130 mil anos

Luka Mjeda/Zagreb
Imagem: Luka Mjeda/Zagreb

Vesna Bernardic

05/04/2015 09h58

Os neandertais utilizaram garras de águia para criar e se enfeitar com as primeiras joias da humanidade há 130 mil anos, dezenas de milhares de anos antes da aparição dos humanos modernos na Europa.

Este é a surpreendente descoberta da antropóloga croata Davorka Radovcic, cujo trabalho foi divulgado na prestigiada publicação científica "PLoS One", e que revela que não foi o Homo sapiens, há 100 mil anos, a primeira espécie humana a criar objetos de valor para se adornar.

"Até agora se considerava que as joias mais antigas do homem, achadas em Israel e no sul da África, datam de 100 mil anos, e agora esse limite foi revisado cerca de 20 mil a 30 mil anos", explicou à Agência Efe a jovem cientista.

"O que é mais importante é que o fenômeno se relaciona agora com os neandertais", acrescentou Radovcic, conservadora do Museu de História Natural da Croácia.

Alguns especialistas sustentavam que os neandertais não tinham habilidades simbólicas ou que poderiam ter copiado este comportamento do Homo sapiens, por isso é considerado um achado e uma amostra de cognição avançada que elaborassem objetos para se enfeitar.

Algumas marcas em garras do pigargo europeu ou águia rabalva provam que estas foram enlaçadas pelo Homo neanderthalensis e utilizadas em um colar, pulseira e um adorno corporal similar.

Trata-se de garras fósseis da grande águia achadas há 115 anos conservadas no citado museu e provêm de um dos maiores sítios arqueológicos neandertais no mundo, a caverna Husnjakovo, perto de Krapina, no norte da Croácia.

O neandertal costuma se relacionar com uma imagem animal, bestial, de pouca inteligência, mas esta recente descoberta revela que esses homens paleolíticos foram muito mais "humanos" do que acreditávamos.

"O fato de ter usado este enfeite mostra um nível de cognição abstrata, indica a possibilidade de cognição simbólica, sinalização, linguagem", explicou Radovcic.

Essa grande ave de rapina, chamada de "tapete voador" por causa da envergadura de suas asas de mais de dois metros, deve ter impressionado o homem do paleolítico e seguramente teve para ele um significado especial.

A cientista teve um primeiro indício de sua descoberta há dois anos, logo após assumir seu trabalho no museu, ao estudar a coleção de fósseis de Krapina.

"O que chamou minha atenção foi que nos fósseis de garra havia incisões antropogênicas, obra de mãos humanas", lembrou a cientista.

Em seguida, Davorka Radovcic reuniu uma equipe de especialistas e juntos estudaram todos os restos fósseis de aves achados na caverna Husnjakovo.

"Em formações que cobrem a última falange dos dedos do pigargo achamos incisões feitas pelo homem, assim como marcas de lixamento na parte de trás, o que aponta que foram usadas em algum colar ou algo similar", descreveu Radovcic.

Nessas garras de águia, oito no total, também há marcas de terem sido expostas a um ambiente ácido, como o suor do corpo humano, o que confirma adicionalmente a teoria de Radovcic.

A morfologia das garras facilita que sejam atadas em série com uma corda, sem necessidade de buracos.

"Não sabemos se as garras foram usadas exatamente para colares, por isso dizemos que foi algum tipo de joia, um adorno que usavam sobre o corpo, mas não sabemos como exatamente. Temos indícios que essas garras de ave foram atadas e eram usadas penduradas", detalhou.

As oito garras pertencem a três águias diferentes, por isso que os cientistas concluem que se tratava de uma prática estendida e não de um caso individual e casual.

Segundo pesquisas recentes, o Homo neanderthalensis teve certo grau de hibridação com o ser humano moderno, de modo que seus genes se encontram hoje em todos os povos da Eurásia.

Foram encontradas evidências de que os neandertais enterravam seus mortos, que tinham desenvolvido uma tecnologia avançada de manufatura de utensílios de pedra e inclusive existem provas indiretas de que utilizavam certo tipo de linguagem em sua comunicação.

"Agora temos um conjunto de provas a mais sobre sua complexidade em todo sentido", ressaltou Radovcic.

Os neandertais habitaram partes da Europa, Ásia Central e Oriente Médio durante 250 mil anos, mas continua sendo um mistério por que desapareceram há cerca de 40 mil anos.

Há cerca de 45 mil anos começou a colonização da Europa por parte do Homo sapiens, e uma das teorias é que os neandertais se extinguiram por causa da concorrência com os humanos modernos.

Em Krapina foi encontrado em 1899 cerca de 70 restos neandertais, o que constitui uma das jazidas mais ricas do mundo sobre essa espécie.