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Dinastia Kennedy: refém do mito, do álcool e do silêncio

08/10/2015 10h04

Beatriz Pascual Macías.

Washington, 8 out (EFE).- Meio século depois da trágica morte de John F. Kennedy, o sobrinho do presidente, Patrick Kennedy, desmascara em seu novo livro as sombras do mito criado em torno de uma dinastia política que escondia sob o mais fechado silêncio uma tendência familiar ao alcoolismo.

Em "A Common Struggle" ("Uma luta comum"), Patrick, o caçula do senador Ted Kennedy, revela a realidade do mito de "Camelot", uma idealização dos dois anos e meio da presidência de John F. Kennedy (JFK) que envolveu sua família por gerações, mas que lentamente dá espaço a uma imagem mais humana.

"Espero que contando minha história e a história nacional possamos nos mover em direção a uma nova perspectiva sobre as doenças mentais", destacou no vídeo promocional de seu livro Patrick, alcoólatra e líder de um movimento para mudar a visão da sociedade sobre as doenças mentais e as dependências.

É a primeira vez que um Kennedy aborda os problemas internos da prestigiada família e denuncia, publicamente, os conhecidos problemas com o álcool do senador Ted e de sua mulher, Joan, cujo apreço pelo álcool era um segredo que corria de boca em boca em Washington.

Poucos como os Kennedy semearam em seus livros de fotografias um cemitério tão extenso de heróis nacionais.

Em novembro de 1963, o senador Ted Kennedy teve que jogar terra, primeiro, sobre o caixão do presidente John F. Kennedy, assassinado em Dallas. Cinco anos depois, voltou para enterrar "Bobby" Kennedy, baleado em Los Angeles quando estava prestes a concorrer à Casa Branca.

Seu filho contou que enterrar seus dois irmãos despertou em Ted Kennedy um transtorno não diagnosticado de estresse pós-traumático, que o empurrou para o álcool e o fez protagonizar incidentes que ainda estão submersos em mistério, como a da ponte da ilha Chappaquiddick.

Então, no verão de 1969, supostamente alcoolizado, o jovem senador voltava de uma festa junto com sua secretária, Mary Jo Kopechne, e seu veículo caiu um canal na ilha de Chappaquiddick, em Massachusetts. Ele conseguiu sair, mas ela morreu afogada.

"Nunca pude falar disso. Era refém de um código familiar de não, não dizer nada sobre isso. Qualquer coisa que dissesse era deslealdade. Era ir contra o código da família", confessou em entrevista ao canal "CBS" Patrick Kennedy, que começou a beber com 13 anos.

O próprio Patrick, que sofre de transtorno bipolar, enfrentou uma dura batalha contra o álcool e os analgésicos.

No entanto, o sobrinho de JFK transformou sua dependência na fonte de um ativismo político pelo direito à saúde mental e se tornou um ferrenho defensor de uma reforma da saúde para que os transtornos psíquicos sejam tratados com a mesma urgência que o câncer e as doenças cardiovasculares.

Sua dependência de álcool e drogas saiu à luz em 2006, quando o então congressista por Rhode Island bateu seu carro às três da manhã contra uma barreira perto do Capitólio, e poucos dias depois foi internado em uma clínica de reabilitação.

"Punha vodca em garrafas de água e punha oxicodona (remédio contra a dor) em potes de aspirina", reconheceu o autor do livro, que completará cinco anos sóbrio no próximo dia 22 de fevereiro, data em que comemoraria o 84º aniversário de seu pai.

Em 2010, menos de seis meses depois da morte de seu pai, conhecido como "O leão do Senado", Patrick Kennedy decidiu abandonar sua cadeira na câmara baixa, decisão com a qual deixou o Congresso, pela primeira vez em meio século, sem nenhum membro desta famosa dinastia política.

A herança familiar no Legislativo foi reivindicada por Joe Kennedy III, que passou em 2013 a fazer parte da Câmara dos Representantes pelo estado de Massachusetts.

O livro, lançado esta semana nos Estados Unidos, despertou críticas de parte da família Kennedy, como do irmão mais velho de Patrick, Ted Kennedy Jr., que confessou ter o "coração partido pelo retrato equivocado e injusto" da dinastia, segundo disse em comunicado.

Com seu cenário trágico, o livro contribui ao mesmo tempo para desvanecer e reforçar o mito da família Kennedy, envolvido na mesma medida em um halo de glamour e de desgraça, que desta vez aparece envolta na dependência do álcool, guardada durante anos sob o ferrolho do silêncio.