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Pioneiro da genética vê futuro otimista, mas com cautela

Por Claudia Dreifus<br>The New York Times

05/05/2008 17h10

Entre os cientistas, Arno Motulsky, de 84 anos, é conhecido como "o pai da farmacogenomia". Em 1957, Motulsky, médico e pesquisador da Universidade de Washington, publicou um artigo informando que duas drogas tinham interações negativas com enzimas produzidas por certos genes humanos. "Será que isso também vale para outros fármacos?", perguntou-se Motulsky. Seu questionamento levou a uma revolução na pesquisa. Motulsky, um judeu que cresceu na Alemanha nazista, por pouco não conseguiu escapar da Europa em guerra e chegar em segurança nos Estados Unidos.

P: Em 1939, você embarcou em Hamburgo em um transatlântico para Cuba com sua mãe, irmão e irmã. Conseguiu chegar lá?
R: Chegamos ao porto de Havana. Nosso navio era o SS St. Louis. O governo de Cuba havia cancelado as autorizações de passagem da maioria dos passageiros - quase mil refugiados. Não pudemos desembarcar.

P: Você deve ter ficado apavorado.
R: Eu tinha 15 anos. Nessa idade, a pessoa tende a ser otimista. Muitos dos homens mais velhos estiveram em campos de concentração e tinham uma noção mais exata do que poderia acontecer. Durante dias, houve apelos para que os Estados Unidos nos recebessem. Aí, os cubanos expulsaram o St. Louis do porto de Havana. O capitão - que era uma pessoa digna - conduziu o navio até a costa da Flórida, esperando que algo mudasse. Dava para ver Miami. Finalmente, o St. Louis foi em direção à Europa. Nossa família recebeu asilo na Bélgica. Depois de um ano em Bruxelas, conseguimos nosso visto para os Estados Unidos, mas, antes que pudéssemos partir, o país foi invadido pelo exército alemão.

P: Você foi capturado?
R: Sim, fui mandado para uma sucessão de campos de prisioneiros na França. Apesar das péssimas condições - fome, febre tifóide - eu sempre tentava saber o que estava acontecendo. Sempre tentava conseguir jornais, o que era muito difícil. Depois de muitos meses, os franceses de Vichy levaram aqueles internos com a possibilidade de imigrar para um campo especial perto de Marselha. Permitiram que nós visitássemos consulados na cidade. Passei muito tempo no consulado americano, implorando pela renovação do meu visto, então expirado. Isso aconteceu um pouco antes do meu aniversário de 18 anos. Então, dez dias antes de completar 18 anos, cruzei a fronteira com a Espanha. De lá, fomos para Lisboa e finalmente para Chicago, onde meu pai estava. Se meu visto demorasse um pouco mais, eu não estaria aqui, pois Franco proibiu homens maiores de 18 anos de transitar dentro da Espanha; eu acabaria em Auschwitz, como a maioria das pessoas que deixei para trás.

P: O que aconteceu com sua mãe e seus irmãos?
R: Por dois anos, não houve notícias. Em Bruxelas, eles receberam ordens de serem "realocados no Leste". Com a ajuda de amigos belgas, cruzaram ilegalmente a fronteira com a Suíça. Ficamos sem vê-los até 1946.

P: Como você se tornou um médico? Não deve ter sido algo fácil para uma criança refugiada e pobre.
R: Tive bastante sorte. Quando tinha 20 anos, fui convocado para o exército! Precisavam de médicos para a guerra. Eles me puseram em um programa especial, onde me mandaram para Yale e depois para uma faculdade de medicina.

P: E como a genética se tornou sua especialidade?
R: Enquanto trabalhei no Michael Reese Hospital em Chigaco, conheci o hematologista Dr. Karl Singer, e ele tinha esse jeito moderno de estudar o sangue. Aquilo me interessou. Pelo fato de existirem doenças sangüíneas hereditárias, logo me interessei pelo aspecto genético da hematologia.

P: Sua observação em 1957 sobre as interações entre enzimas produzidas por genes e certas drogas tornou-se muito importante. Isso lhe uma satisfação?
R: Sim, porque no começo a idéia não foi bem aceita. Eu me lembro de ter visitado um importante executivo da área farmacêutica e dito: "Encontrei uma nova forma de conhecer mais sobre reações medicamentosas". E ele me deu um fora: "Reações medicamentosas?" As coisas também caminharam devagar por muito tempo porque era difícil realizar testes. Mas agora, com os novos testes de DNA, você pode fazer muitas coisas, mais rapidamente e melhor. E com a moderna genômica computadorizada, você pode até testar reações a várias enzimas diferentes, tudo ao mesmo tempo. Por outro lado, acho que a promessa da farmacogenética é às vezes exagerada. Há quem acredite que poderemos resolver quase tudo com uma prescrição individualizada. Precisamos de mais pesquisa, o que vai ser dispendioso.

P: Os seguros de saúde vão pagar testes de DNA e remédios manipulados?
R: Isso é um problema. Pelo lado otimista, dizem que logo será possível seqüenciar o genoma de uma pessoa pelo preço de mil dólares. Quando descobrirem uma forma de baixar os custos para seqüenciar genomas, o preço da medicina personalizada vai cair. Ainda assim, não podemos nos deixar enganar. O que sabemos sobre o genoma hoje não é suficiente para todos os milagres que muitos esperam desse campo. Há ainda muito que aprender sobre o que regula os genes e como eles interagem. Não vamos ter essas respostas amanhã.

P: Com 84 anos, você ainda trabalha. Em que você está trabalhando no momento?
R: Um projeto que está me empolgando bastante é sobre a visão em cores dos humanos. Cerca de 8% dos homens têm daltonismo hereditário. Isso é causado por anormalidades hereditárias nos segmentos sensíveis às cores dos cones retinais na parte de trás dos olhos, que na verdade fazem parte do cérebro. Nosso laboratório descobriu que metade dos homens com visão em cores normal tem o aminoácido alanina em seus pigmentos vermelhos, enquanto que a outra metade traz o aminoácido serina nesse local. Essa descoberta significa que o mesmo tom de vermelho é percebido como tipos de vermelho diferentes, dependendo da composição genética da pessoa.

P: Qual o propósito de saber disso?
R: É empolgante saber que, devido à hereditariedade, pessoas diferentes podem ver a mesma coisa de formas distintas. Acredito que isso possa ser útil em estudos sobre funções cerebrais mais complexas. Se fosse há 20 anos, eu focaria em neurogenética. O que acontece no cérebro, essa é a última fronteira.

P: As experiências da sua infância têm algum impacto na sua vida e no seu trabalho hoje?
R: Eu me pergunto isso com freqüência. Sempre que algo de bom acontece, digo para mim mesmo: "Olha só, você poderia nem estar vivo para ter essa experiência". Quando vejo fotos da África, penso: "Poderia ter sido eu. Já fui um refugiado".