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Remédio natural popular na China tem futuro incerto

Por Mara Hvistendahl, da Scientific American<br>Distribuído pelo New York Times Syndicate

16/07/2008 18h46

É uma vista de se contemplar nas manhãs de maio e junho: nômades resistentes e ativos aldeões do Nepal ao oeste da China, espalhados pelo Planalto Tibetano e o Himalaia, levando enxadas e escalando cumes impiedosos no ar rarefeito da montanha. Entre os que conseguem percorrer o trajeto estão crianças, pastores tibetanos, mulheres grávidas. Ao meio-dia, o planalto está repleto de vultos agachados manuseando a grama, apoiados nas mãos e nos joelhos.

Os aventureiros buscam fungos de larva (Cordyceps sinensis), um tipo difícil de encontrar que cresce na larva da mariposa Thitarodes, que habita altitudes acima de 3 mil metros.

Um remédio super apreciado que, segundo crenças, reforça a imunidade e aumenta a resistência, o fungo da larva é uma cura popular para doenças que vão de câncer a disfunções eréteis entre a etnia Han de chineses que habitam o leste do país. Representavam o mesmo para os tibetanos, mas agora eles não podem pagar por isso.

Coletado para ser comercializado no leste desde a dinastia Tang (618 a 906 d.C), o remédio há tempos tem sido fundamental para a economia do Tibet. Mas o aumento da receita no leste da China agora está aumentando a demanda pelos fungos, estimulando a coleta frenética, que intensifica a degradação ambiental, às vezes explode em violência, e ameaça a própria existência do fungo.

Com o crescimento econômico acelerado da China, a renda disponível per capita está aumentando em até 10% ao ano na região leste, a mais rica. Muitos chineses de classe média gastam parte do dinheiro que sobra em medicina tradicional. Remédios como os fungos de larvas, que, segundo crenças, garantem boa saúde quando tomados na sopa ou por infusão em água quente, vêem sua demanda crescer. No ano passado, o preço dos fungos de larvas dobrou em poucos meses. Em dezembro, 50 gramas (ou um punhado) de fungos de larva de primeira qualidade custavam ao consumidor 25 mil yuan (cerca de R$ 5,50).

Naquele mesmo mês, os jornais chineses anunciavam que um quilo do fungo, o suficiente para durar alguns meses, custava mais do que um Mercedes básico - 500 mil yuan (ou 67.522 dólares).

A forte demanda agora parece pôr em risco a oferta.

"Comecei a coletar quando tinha a idade desse garoto", disse Buchang, nômade de 48 anos, apontando para seu pequeno neto na tenda feita de pele de boi tibetano no acampamento na montanha, em junho passado. "Na época, todo mundo pegava 200 unidades por dia. Agora, encontramos só 15". De fato, um relatório publicado em janeiro sobre plantas medicinais da organização de conservação sediada em Londres Botanic Gardens Conservation International destacou a Cordyceps sinensis como espécie ameaçada.

A aplicação da ciência ocidental à medicina chinesa - um projeto ambicioso, de 15 anos de duração, que o governo chinês chamou de "modernização" - não ajudou. Desde os anos de 1990, cientistas chineses conduziram dezenas de estudos sobre fungos de larva, documentando seus efeitos sobre a hiperglicemia, o sistema respiratório e os níveis de testosterona. Esses estudos são acompanhados por testemunhos de pessoas conhecidas.

Quando duas mulheres quebraram recordes mundiais em três competições de corrida nos Jogos Nacionais da China em Pequim, em 1993, por exemplo, o treinador Ma Junren atribuiu o sucesso delas a uma dieta de fungos de larva - o que provavelmente foi só um blefe. Nos Jogos Olímpicos de 2000, a China desclassificou quatro atletas de Ma antes do início das competições por resultados positivos para o hormônio eritropoietina, que aumenta a capacidade de oxigenação do sangue, portanto a resistência de um atleta.

O fungo é um das centenas de espécies medicinais chinesas ameaçadas pela coleta insustentável. Em um seminário em 2004, Chen Shilin, diretor adjunto do Instituto de Desenvolvimento de Plantas Medicinais da China, disse que até 70% das 3 mil plantas ameaçadas são usadas na medicina tradicional, pondo em risco sua sobrevivência. Outros que estão em perigo: o ginseng selvagem, as orquídeas e a salamandra. Mas a história dessa medicina especial pode render uma boa lição.

Fungos de larva se formam durante o inverno, quando esporos fúngicos se prendem a uma lagarta e começam a consumir seu corpo. À medida que enfraquece e morre, a lagarta se enterra no solo e o fungo a domina, desenvolvendo uma pequena "cauda" que rompe o solo, como um caule grosso de capim. No final de maio, a cauda libera esporos que garantem fungos para a próxima estação. Esse processo está contigo no nome tibetano do fungo, yartsa gunbu, que significa "pasto de verão, minhoca de inverno".

Para desenterrar o fungo, o coletor põe a enxada adjacente à cauda, puxando o exemplar em forma de L da sujeira revirada. Por centenas de anos, como disseram nômades entrevistados, os habitantes locais coletavam o fungo nas áreas ao redor de suas tendas, selecionando apenas os mais maduros que já haviam liberado esporos.

Hoje em dia, tibetanos das cidades, comerciantes muçulmanos da etnia Hui e migrantes Han invadem os planaltos durante a estação dos fungos, atraídos pela perspectiva de lucro. Esse aumento da competição obriga os coletores a subir os montes na primavera, logo após os fungos terem brotado no solo.

A coleta precoce é um problema sério, como diz o ecologista chinês Yang Darong, que estudou fungos de larvas por décadas no Jardim Botânico Tropical Xishuangbanna, sudoeste da China. Ao pesquisar áreas selecionadas próximas à sua base no ano passado, ele descobriu que o total das espécies no oeste da China caiu para níveis ente 3,5% e 10% do que havia 25 anos atrás.

"O fungo não tem a oportunidade de liberar esporos", ele afirma. Isso diminui as chances de regeneração da espécie.

Os zoólogos indianos Chandra Negi, Prithvi Raj Koranga e Hira Singh Ghinga recentemente conduziram um estudo similar em parte do Himalaia, documentando um declínio de 30 a 50% dos fungos em um período de 2 anos. Nas descobertas publicadas no Journal of Sustainable Development and World Ecology em 2006, eles concordaram com a estimativa de Yang. Os zoólogos descobriram que alguns habitantes dos vilarejos começam a coleta em abril: uma mudança, eles escreveram, que teve "sérias repercussões".

Com expectativas tão altas, a coleta de fungos freqüentemente se transforma em uma competição entre os nômades e seus vizinhos. No último mês de julho, em Dabba, parte da província de Sichuan, de etnia tibetana, uma disputa sobre os direitos de coleta causou um conflito armado entre acampamentos vizinhos, resultando em 6 mortos e 110 feridos. Em 2005, as tensões entre moradores locais e pessoas de fora aqui em Dzato deflagraram um surto de pilhagens e lutas que durou duas semanas, com pelo menos uma morte.

A competição também intensifica a erosão no planalto, afirma Yang. Muitos exploradores não substituem mais o solo que reviram com o fungo, deixando pedaços de terra por todo o monte. Campos de coleta improvisados surgem e desaparecem em questão de semanas, deixando um rastro de lixo e terra imprópria para uso. A coleta irresponsável "está destruindo o habitat", concorda Xu Hongfa, diretor chinês da TRAFFIC International, organização de monitoramento da vida selvagem, com sede na Inglaterra, supervisionada pelo World Wildlife Fund e a International Union for Conservation of Nature.

Ecologistas afirmam que a única forma de aumentar o número de espécies é restringir o acesso a áreas sensíveis e muito exploradas. Governos locais estabeleceram postos de controle restringindo o acesso às áreas montanhosas, e o governo nacional da China estabeleceu mais de 50 centros de pesquisa do cordyceps por todo o planalto. Mas Xu conta que até agora a regulamentação tem tido pouco efeito.

"É difícil chegar à área", ele afirma, "então a fiscalização fica difícil".

No fim da estação dos fungos, os coletores em Dzato vendem sua produção a comerciantes: o preço no ano passado girava em torno de 20 a 50 yuan por fungo (algo entre R$ 4,32 e R$ 12,15).

Será que o consumo desenfreado pela crescente classe média chinesa irá decretar o fim desse remédio? Depois de analisar parte do planalto ano passado, Yang afirma que as perspectivas da espécie são péssimas. No entanto, ele não descarta a esperança na recuperação: "Ainda existem lugares aos quais as pessoas não conseguem chegar e ainda há fungos de larva nesses locais".