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NYT: Médica relata seu primeiro contato com a morte

Por Jessica L. Israel*<br>The New York Times

29/07/2008 12h20

É manhã de segunda-feira e encontro meu novo estudante de medicina, Nelson, na unidade de repouso. Estou ali para assinar o atestado de óbito de um homem que faleceu na noite passada. Nelson está folheando a ficha do paciente, e me pergunta, "O que vamos fazer por este paciente hoje?"

Penso se ele está brincando, e digo: "Nada. Ele está morto." Mais tarde, lembrando-me dessa conversa, não consigo acreditar que disse isso tão trivialmente.

Nelson ainda está segurando a prancheta e me lembro de ver suas mãos tremerem.

"Ei, você está bem?" eu pergunto. "Você sabe como é este trabalho, não? É uma unidade de repouso e cuidado paliativo. Pessoas vão morrer todos os dias."

"Eu sei, eu sei," diz ele. "Apenas nunca estive perto de alguém que morreu." Então ele diz, "Uau, realmente é uma grande coisa." E se senta - porque precisa, eu acho; ele tem que respeitar o momento.

Nesse momento aprendo algo com o Nelson, uma lição que achava já saber. Aprendo a desacelerar, sentir a gravidade do momento, o poder do tempo e a profundidade deste importante trabalho. Nelson está certo. É realmente uma grande coisa.

O "uau" de Nelson me trouxe à memória minha primeira morte. Eu era estudante do terceiro ano de medicina em Monte Sinai. Era um grande dia para mim porque o residente me deixaria fazer uma paracentese (perfuração).

Pacientes com doença avançada no fígado podem ter algo chamado ascite - muito fluido na cavidade abdominal, que pode ser desconfortável e dificultar a respiração. A paracentese é uma maneira de remover esse fluido extra. Você usa uma agulha através da pele e músculos por baixo do umbigo, em seguida um cateter, e então deixa drenar o líquido para garrafas alinhadas no chão.

Quando eu estava prestes a começar quando meu paciente ficou inconsciente. Alguém gritou um código e um milhão de médicos e enfermeiras invadiram a sala. Realizaram a reanimação cardiorrespiratória, empurraram medicamentos, usaram as pancadas. Eu ainda usava minhas luvas esterilizadas, mas fui empurrado para o lado. Ouvi as costelas de meu paciente se quebrarem sob o peso das compressões. Assisti a residentes ensacarem sua boca até que o anestesista o entubou e ligou ao ventilador. Faixas do eletrocardiograma se espalhavam ao lado da cama; um médico tentou colocar uma linha central em sua virilha. Depois de 20 minutos o residente-chefe disse: "Acabou. Muito obrigado a todos. Hora da morte, 3:15."

Todos saíram tão rapidamente quanto entraram, e por um momento, meu momento, fiquei sozinho com aquele homem morto. Eu com minhas luvas esterilizadas, e ele - nu e com a boca aberta. Meus olhos se encheram de lágrimas, e esperei que ninguém notasse. Havia estado tão preocupado com a oportunidade de enfiar uma agulha numa barriga que passei por cima da seriedade de sua doença.

O cobri com o lençol amarrotado ao pé de sua cama. Aprendi naquele dia que precisava desacelerar, apreciar a gravidade do momento, o poder do tempo e a profundidade e o imediatismo de meu trabalho. Era realmente uma coisa enorme.

Nelson chega e vai embora, e tenho um novo estudante. Novamente, estou correndo para conseguir fazer tudo. Dessa vez estou na unidade de tratamento paliativo e entro para ver uma paciente que não examino há alguns dias. Ela está dormindo, e seus cabelos estão puxados para trás de seu rosto. Apresento-me a seu filho. Ele me diz que acha que ela está confortável, mas que teve uma noite dura. Decido não acordá-la, pois imagino que o descanso é mais importante do que agitá-la para fora de seu sono. Estou quase na saída da unidade quando seu filho me chama: "Você poderia voltar um pouco? Minha mãe quer lhe dizer algo."

Estou de volta ao lado da cama. Dessa vez seus olhos estão abertos. Toco suas mãos frias. "Você quer me dizer algo?"

Ela segura minha mão em seu rosto e me puxa para perto. "Queria agradecer a você por isto. Muito obrigada."

Aí estava de novo - outro momento, outra quase perda. Estava correndo para iniciar o dia, nunca a teria acordado. Teria apenas passado ao próximo item da lista de coisas a fazer. E teria perdido a chance de sentir o "uau."

É realmente uma grande coisa.

Com que rapidez esquecemos, e quão sortudos somos de ser lembrados, antes que seja tarde demais.

* Jessica L. Israel é médica