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NYT: Para muitos, a medicina ortodoxa deve ser combatida como a doença

Abigail Zuger*<br>The New York Times

14/10/2008 17h40

O nome famoso e as impecáveis credenciais científicas não prejudicam, mas o livro "Anticâncer," de David Servan-Schreiber, vale principalmente pela sinceridade em seu nicho. É merecedor dos melhores televendas da madrugada televisiva, onde em meio a consultores financeiros, os caras dos apetrechos de cozinha e os especialistas em acne, está um apresentador com uma história tão pessoal, tocante e sensível que, de repente, você precisa exatamente do que ele tem para vender.

Não que Servan-Schreiber esteja vendendo algum produto (além de seu livro). De certa forma, o que ele quer que você compre é uma filosofia de vida, um guia para se manter livre do câncer (ou, se ele chegou tarde demais até você, lutar contra o seu câncer) apenas prestando cuidadosa atenção ao que você come e como você se comporta.

Como os melhores vendedores, ele oferece sua própria história de redenção como testemunho (estava perdido mas se encontrou, estava cego mas agora pode ver). Filho do famoso jornalista e político Jean-Jacques Servan-Schreiber, deixou a França para estudar em Montreal e então foi para a Universidade de Pittsburgh. Lá ele embarcou numa carreira de pesquisa em psiquiatria e neurociência, atravessando a cidade numa motocicleta, um jovem intelectual no topo do mundo.

Então, certo dia, o participante de uma pesquisa não apareceu para um exame agendado de ressonância magnética, e Servan-Schreiber tomou seu lugar no aparelho. Numa absoluta casualidade, o exame mostrou um tumor cerebral do tamanho de uma noz.

Incomodado, porém destemido, Servan-Schreiber submeteu-se à cirurgia recomendada e retornou à sua rotina usual. Sua vida continuou sendo uma montanha-russa de muito estresse e poucos exercícios; o almoço era uma tigela de chili, um pão e uma lata de Coca-Cola. Cinco anos depois o tumor estava de volta, e no curso de enfrentar a segunda cirurgia e uma rodada de quimioterapia, ele viu a luz: a carne vermelha, a farinha branca e os refrigerantes estavam ajudando o câncer a matá-lo. Ele tinha de desintoxicar seu corpo.

Aqui sua história segue suavemente em direção a uma lúcida discussão sobre imunologia, na qual as células ruins podem ser domadas por manipulações de seu ambiente. E, de repente, estamos na cozinha, revisando os mantimentos da perspectiva específica da prevenção ao câncer.

Esse território familiar circunda os antioxidantes, as gorduras boas, todos os grãos e os chás verdes. Existem as combinações que devem permanecer (você precisa comer cúrcuma com pimenta) e as que se deve evitar (sem leite com chocolate). O câncer "se alimenta de açúcar" mas supostamente não de néctar de agave; de gorduras trans ômega-6, mas não das ômega-3. O cobertor de gordura corporal nos obesos cria um gigantesco repositório de elementos cancerígenos solúveis em gordura.

Ouvimos a história de Lenny, que adotou uma dieta com muito repolho, bagas e chocolate escuro, e sobreviveu a um câncer pancreático por impressionantes quatro anos e meio. Ficamos sabendo que ratos alimentados com vegetais parecem mais ativos e curiosos que seus irmãos comedores de ração, além de ter tumores de crescimento mais lento. E o próprio Servan-Schreiber, é claro, está indo muito bem aos 47 anos - 14 anos após seu diagnóstico inicial.

Para cada uma das comidas em sua lista de compras anticâncer há um fragmento de evidência científica - geralmente de experiências feitas em células em cultura, algumas vezes de estudos sobre ratos com câncer, e ocasionalmente de pequenos estudos com seres humanos. Nenhum deles contém o tipo de dados que sustentaria, digamos, o licenciamento de um novo medicamento.

Extratos de alho, cebolas e alho-porró, por exemplo, demolirão todos os tipos de células cancerígenas numa cultura. Se esses vegetais ainda são ativos na ativa metrópole corporal, com milhares de processos celulares acontecendo ao mesmo tempo, é outra questão: uma vez que o alho-porró é mastigado, engolido, triturado por enzimas intestinais e absorvido pelo sangue, qual a probabilidade de suas moléculas encontrarem uma célula cancerígena, e ainda por cima de se engajar num combate armado? Ninguém sabe.

Entre os "naturebas" militantes, Servan-Schreiber se enquadra como um moderado. Ele se declara contra a recusa de tratamentos médicos usuais pela terapia baseada em alimentos, e admite que a quantidade exata de poder em seus vegetais ainda é desconhecida.

Ele é menos reservado numa discussão sobre "a mente anticâncer," uma entusiasmada recriação da arcaica teoria de que uma "personalidade cancerígena" - passiva, virtuosa e reprimida - permite que os tumores prosperem, enquanto a auto-atualização faz com que recuem. Susan Sontag, que gasta muito de seu músculo intelectual argumentando exatamente o oposto, teria tido um evento completo com essa seção.

Ainda assim, este livro está destinado a vender como água e provavelmente se tornará uma bíblia em alguns lares. Esse fato sozinho já o torna digno de consideração, nem tanto pelo que diz, mas pela lucidez com que ilumina a necessidade que ele próprio satisfaz com tanta habilidade.

É aquela velha necessidade primária de ganhar algum controle sobre um universo aleatório e malevolente, aquele freqüentemente vencido no campo de batalhas da comida. A popularidade de livros como esse tornam claro que para muitos adultos há dois universos com os quais competir: a malevolência da doença e aquele da medicina ortodoxa, de alguma forma agora percebidos como inimigos unidos da saúde.

Então essas pessoas encontram controle agindo com determinação no supermercado, à geladeira e ao fogão, os grupos de apoio, as esteiras e as mesas de massagem. Quando se trata de câncer, esses consolos têm poucas probabilidades de machucar muito - mas as evidências ainda estão expostas, para o caso de poderem ajudar.

*Abigail Zuger é médica