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NYT: Médica conta como o transtorno bipolar melhorou seu relacionamento com os pacientes

Por Elissa Ely<br>The New York Times

19/03/2009 20h35

Aos 35 anos, Dra. Alice W. Flaherty vivera uma vida de tradicionais superconquistas: formada em medicina pela Universidade Harvard, Ph.D. em neurociência pelo MIT, pesquisa sobre doenças de movimento, artigos nos principais jornais neurológicos.

Então, em 1998, ela deu à luz dois gêmeos natimortos. No sofrimento que seguiu, ela adquiriu mania: poética, metafórica e enfadonha. Escrevia em todos os lugares, acima e abaixo de seu braço, acima e abaixo de qualquer pedaço de papel disponível. Ela também escrevia mais tradicionalmente, produzindo pequenos livros sobre neurologia, meditações autobiográficas e, em 2004, um best-seller, "The Midnight Disease: The Drive to Write, Writer's Block and the Creative Brain" ("A Doença da Meia-Noite: O Impulso de Escrever, o Bloqueio do Escritor e o Cérebro Criativo", tradução livre) pela editora Houghton Mifflin.

Cortesia Ecoan/CI
Flaherty, 45 anos, do Hospital Geral de Massachusetts, é professora-assistente de neurologia na Faculdade de Medicina de Harvard e sofre de transtorno bipolar
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Sua dor acabou se acalmando. Já seu recentemente descoberto transtorno bipolar, não - para benefício de seus pacientes.

Flaherty, 45 anos, é diretora da sociedade de doenças de movimento no Hospital Geral de Massachusetts, e professora-assistente de neurologia na Faculdade de Medicina de Harvard. Mas essas descrições técnicas não conseguem capturar a forma pela qual ela usa a rápida mente de suas fases maníacas, direcionando suas ideias para tratamentos poderosos e altamente pessoais.

"Os médicos tendem a examinar os pacientes com um tom de categoria," disse a escritora Rose Styron, cujo marido, o falecido romancista William Styron, era paciente de Flaherty. "Alice nunca fez isso. Ela entendia a depressão de Bill e seus problemas de movimento. Mas o que ela realmente entendia eram suas necessidades, apetites, humores, culpas, tristezas e potenciais prazeres."

Atualmente, Flaherty está preocupada com a neuroanatomia da empatia - especialmente o sistema de neurônios espelhos na ínsula, cíngulo e partes frontais inferiores do cérebro, que se tornam ativas quando uma pessoa presencia outra experimentando uma emoção. As rotas para seu interesse eram interconectadas e altamente pessoais.

"O que me fez empática foi minha depressão," disse ela recentemente. "As emoções das pessoas estavam esbofeteando meu rosto. A mania é como vespas sob a pele, como se minha cabeça fosse explodir com ideias. Porém, as depressões ajudam meu lado como médica."

Quando Flaherty perdeu seus primeiros dois gêmeos (ela e o marido, um editor literário, posteriormente tiveram duas gêmeas saudáveis), ela experimentou um desejo natural de empatia com seu próprio médico. No entanto, como cientista ela imaginava, ela desejava a empatia do médico ou uma aparência de ações empáticas?

Anos depois, ela prestou consultoria para um episódio-piloto de uma série dramática para a televisão, baseada em sua vida: médica desenvolve mania após catástrofe pessoal. Embora o programa nunca tenha decolado, a experiência se tornou uma sala cheia de neurônios e neurônios-espelho, pois quem melhor para ensinar empatia a um médico do que um ator?

"A atriz fazendo o meu papel estava tentando pegar meus maneirismos. Ao mesmo tempo," contou ela, recordando lições profissionais aprendidas, "eu tentava pegar os dela, porque ela era muito mais convincente do que eu - com um pequeno sorriso triunfante, mas também tão feliz pelo paciente. Eu estava imitando ela me imitando."

O escritório onde Flaherty escreve fica no andar de baixo de sua clínica de doenças do movimento, no Hospital Geral de Massachusetts - repleto de fósseis e máscaras, instrumentos neurológicos presos a quadros de cortiça, livros de Darwin, Mann e Virginia Woolf, cartazes de seminários e exibições de arte baseados em "The Midnight Disease."

Letras sobem por trás de seu pulso. Elas são uma consequência da hipergrafia, o impulso irresistível por escrever; ela escreve durante as manias e edita durante as depressões. Ela mantém a doença sob controle com medicamentos. Jerrold F. Rosenbaum, chefe de psiquiatria do Mass General, diz que costumava receber bilhetes de Flaherty escritos em guardanapos.

"Guardo tudo que ela me manda, algo que não faço com mais ninguém," disse ele. "Ela aprimorou teorias da mente - aprimorou em quantidade, qualidade, volume e intensidade."

As anotações do pulso poderiam ser sobre os mais variados tópicos. Podem ser mais reflexões sobre a dor empática, ou sobre a pesquisa que ela está conduzindo paralelamente sobre caixas de luz e criatividade em estudantes de Harvard.

Talvez as anotações falem sobre as consultas informais que ela fez, muitos anos atrás, para uma adaptação Off Broadway de "A Doll's House," dirigida por Lee Breuer, seu ex-colega no Instituto Radcliffe em Harvard, onde os dois foram membros em 2005.

Ao chorar durante uma cena, a atriz interpretando Nora estava alarmada por perceber que a maquiagem se borrava mais rápido em seu olho esquerdo do que no direito. Flaherty a tranquilizou dizendo que a neurologia estava normal: o cérebro da direita, que controla o lado oposto do cérebro, também controla as emoções negativas. Portanto, um lado parece, e realmente está, mais triste que o outro. Isso estará no próximo livro de Flaherty, sobre a neurobiologia de comportamentos de doenças abrangendo da histeria ao estoicismo e, é claro, empatia.

Na clínica de doenças do movimento, ela acompanha cerca de 130 pacientes - os mais estáveis anualmente, os que ainda sofrem quase toda semana. Ela é especializada em estimulação profunda do cérebro; eletrodos são implantados no cérebro para tratar o mal de Parkinson, tremores, distonias e depressões. Dentro disso, ela desenvolveu uma subespecialização apropriada a alguém que ainda luta contra seus próprios humores.

"As pessoas podem se tornar maníacas ou depressivas como efeito colateral de profundo estímulo cerebral," disse a Dra. Anne B. Young, diretora do Instituto de Doenças Neurodegenerativas no Hospital Geral de Massachusetts. "Alice é mestre em administrar isso."

A explicação de Flaherty era simples. "Neurologia e psiquiatria deveriam tratar o mesmo órgão," disse ela.

Para Flaherty, cada dia oferece lembretes de sua dupla cidadania. Recentemente, ela estava atendendo alguém com uma rara lesão no cérebro quando seu celular tocou. Precisavam dela para outro atendimento, do outro lado da cidade, diante de uma classe de estudantes de psiquiatria de Harvard. Ela era a paciente.

Num recente dia na clínica, ela conseguiu parecer profissional usando calças de esqui e um top Spandex, sem o jaleco. A paciente que chegou estava muito mais elegantemente vestida.

Durante anos, a mulher sofreu uma depressão intratável. Estimuladores cerebrais foram implantados em ambos os lóbulos frontais, perto de uma área chamada de córtex cingular anterior. Até agora o tratamento, ampliado com medicamentos, já obteve mais sucesso que os remédios isolados ou a terapia por eletrochoques.

Nesse dia, entretanto, ela não se sentia esperançosa. "Há um parasita devorando meu cérebro," disse ela. "Estou estúpida, boba, sem mente."

Flaherty se inclinou para frente. "O que posso lhe dizer é que acredito em você," disse ela. "Acredito que você costumava ser mais esperta, e que seu cérebro funcionava melhor."

"Você levou oito anos para sentir que seu cérebro estava intacto, não é?" perguntou a paciente desejosamente.

"Para mim," respondeu Flaherty, "não era a memória, mas sentir que meu cérebro estava certo. Os psiquiatras disseram, 'Você deveria se acostumar com isso sendo o seu novo normal,' mas nunca me acostumei. Era sempre alienante quando alguém dizia, 'Ah, isso é apenas o transtorno bipolar falando.' Não, ei - isso sou eu."

A mulher segurava um programador, um dispositivo parecido com um selo de pedágio eletrônico, de cada lado de seu peito. "O estimulador ainda está ligado, tudo parece bem," disse Flaherty. Ela tomou notas na ficha antes de alterar os parâmetros - volts, microssegundos por pulso, hertz - que são o mapa deste mundo.

"Sente algum formigamento?" Experimentalmente, ela desligou as duas baterias.

"Você as ligou de volta?" perguntou a paciente com inquietação.

Mais tarde, Flaherty refletiu sobre a inquietação. "Não é divertido sentir que seus pensamentos estão sendo controlados por um eletrodo, e que outra está segurando o controle," disse ele. "Adoro a sensação de dar às pessoas seus próprios controles. Eu digo, 'Aqui está, você pode ter o seu, eu o ensinarei como usá-lo, e dentro desta margem de segurança você mesmo pode ajustá-lo.'"

Era um exemplo de empatia de médicos, mas também de identificação.