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Novas tecnologias permitem que cientistas vejam células em movimento

Carl Zimmer<br>The New York Times

15/06/2009 19h03

É fácil imaginar as células de nosso corpo como tijolos numa casa, todas cimentadas em seus lugares. Entretanto, estamos na verdade fervilhando de células que deslizam, se arrastam e contorcem. Elas começam a vagar logo depois da concepção e, ao longo de nossas vidas, nossos corpos continuam a pulsar com o tráfego de células.

Cortesia de Robert S. Fischer e Clare M. Waterman/The New York Times)
Movimento das células de colágeno, visto em microscópio
Algumas delas se enterram em ossos velhos, para que um osso novo possa ser colocado em seu rastro. As pontas de novos vasos sanguíneos se movem adiante, arrastando em conjunto as células atrás. Os glóbulos brancos correm ao largo como lóbulos flutuantes, para caçar bactérias antes que nos façam doentes.

O fato de que as células podem se mover não é novidade. Porém, a forma como elas se movem está apenas começando a ser compreendido. Em meados de 1600, Antonie van Leeuwenhoek construiu um dos primeiros microscópios e observou organismos unicelulares fazendo o que ele chamou de movimentos "agradáveis e hábeis". Porém, ele não fazia ideia do que acontecia dentro daquelas células, e três séculos depois, os cientistas ainda estavam desconcertados.

Thomas Pollard, uma bioquímica de Yale, começou a estudar células rastejantes nos anos 60, quando, segundo ela, "Não se sabia absolutamente nada". Hoje, Pollard e seus colegas identificaram muitas das proteínas-chave que trabalham juntas para deixar as células navegarem através de nossos corpos. Cientistas podem até mesmo enxergar algumas dessas proteínas trabalhando em células vivas, e medir suas forças.

"Meu sonho sempre foi ser um pequeno gremlin. Assim eu poderia entrar numa célula e ver todas essas coisas", disse Pollard. "Isso é quase como ser um pequeno gremlin. "Nós fomos de uma caixa preta a química e física".

Atualmente, uma das principais razões para esses avanços é a tecnologia que cientistas usam para ver células em movimento. Quando biólogos desenvolvimentistas começaram a estudar como crescem os embriões, por exemplo, eles só podiam analisar os diferentes estágios num microscópio.

Hoje, eles fazem vídeos, em alta resolução, de embriões e acompanham o movimento de milhares de células - imagens que derrubam algumas ideias tradicionais.

"Há uma quantidade de migração tremendamente maior do que pensávamos", disse Scott Fraser, diretor do Biological Imaging Institute, em Caltech.

Para promover as migrações que formam um organismo a partir de um embrião, as células precisam saber aonde ir. Um embrião é envolto por sinais capazes de guiá-lo. Diferentes tipos de células respondem a diferentes sinais. Células que geram a pele, paredes dos vasos sanguíneos e outros revestimentos do corpo - células epiteliais - são atraídas por uma proteína sinalizadora, chamada fator de crescimento da epiderme. Liberada dentro do embrião pelos glóbulos brancos, essa proteína atrai as células se arrastando na direção de sua origem.

Eventualmente, elas param de viajar e formam órgãos. Mesmo assim, décadas depois, elas ainda podem ser despertadas e se mover de novo. Enquanto os glóbulos brancos vagam através da pele, eles podem encontrar um corte. Sua reação é liberar o fator de crescimento de epiderme, convocando as células epiteliais a ajudar na cicatrização. "Eles são como guardas de trânsito", disse John Condeelis, um biólogo do Albert Einstein College of Medicine.

Quando uma célula começa a se mover, ela tem de reorganizar seu interior. A parte interna de uma célula não é um simples saco de geléia; ela é reforçada por uma rede de moléculas parecidas com arames. No núcleo da célula fica um grupo de tubos chamados microtúbulos. Nas margens da célula existem finos filamentos, feitos de uma molécula chamada actina.

No final dos anos 90, Clare Waterman, bióloga celular, e seus colegas desenvolveram uma forma de capturar essa estrutura em movimento. Eles inseriam moléculas brilhantes de actina numa célula, que algumas vezes eram adicionadas a seus filamentos. "É como se você fosse um pedreiro, e 99% de seus tijolos fossem cinza e 1%, vermelho", disse Waterman, hoje no Instituto Nacional do Coração, Pulmões e Sangue do Instituto Nacional de Saúde.

Em seguida, Waterman e seus colegas da Universidade da Carolina do Norte tiraram fotos das células com alguns segundos de intervalo, para acompanhar o crescimento das moléculas. Eles descobriram que os filamentos estão em constante fluxo, mesmo quando as células não se movem.

Uma célula estacionária agrega centenas de novas moléculas de actina por segundo à ponta mais exterior de cada filamento. Ao mesmo tempo, proteínas contraídas, chamadas miosinas, puxam os filamentos de actina na outra ponta, enquanto outras proteínas cortam as moléculas de actina. Todas essas reações fazem com que as moléculas de actina em um filamento se movam da ponta externa para dentro, como se estivessem numa esteira.

Uma célula tem de usar muita energia para construir e destruir os filamentos. Todavia, seu movimento de esteira é valioso por permitir que uma célula reaja rapidamente a sinais, entrando em movimento. "É como um carro," disse Waterman. "Mesmo quando chega a um farol vermelho, você mantém o motor funcionando".

Para começar a rastejar, uma célula começa a construir a ponta dominante de filamentos mais rápido do que eles destroem a ponta de trás. Outras proteínas ajudam os filamentos de actina a se unirem numa rede de galhos. A superfície das células se salienta num lóbulo. Conforme o lóbulo se estica para fora de uma célula, ele se agarra na superfície de base com garras moleculares. As garras se unem aos crescentes filamentos de actina e arrastam a célula para frente.

Para compreender melhor o processo, cientistas de Yale inventaram uma nova técnica. "Nós basicamente brincamos de cabo de guerra", disse Eric Dufresne, um físico. Dufresne e seus colegas implantam cristais na ponta de um neurônio. A célula liga o cristal aos filamentos, e eles descem para as esteiras de actina.

Dufresne então aplica lasers nos cristais e usa a energia dos raios para emboscá-los. Quando as células puxam os cristais, os lasers puxam na direção contrária. O puxão dos lasers permite que os cientistas meçam as forças geradas por muitos filamentos ao mesmo tempo.

Uma célula irá puxar cada cristal, conforme descobriram os cientistas, durante aproximadamente dez segundos, antes de soltá-lo. Alguns minutos depois, ela tentará puxar novamente. Dufresne suspeita que as células fiquem continuamente testando suas cercanias, buscando locais para jogar uma âncora. Quando um lóbulo avançando arrasta uma célula para a frente, os mesmos sinais causam drásticas mudanças no restante da célula. "É como apertar um tubo de pasta de dentes - tudo é empurrado para a frente", disse Alan Hall, diretor do programa de biologia celular do Centro de Câncer Memorial Sloan-Kettering, em Nova York.

A sincronia dessas mudanças é cuidadosamente coreografada, como Waterman e seus colegas demonstram num artigo a ser publicado em Molecular Biology of the Cell. Eles descobriram que células da pele, chamadas queratinócitos, reagem de diversas maneiras ao fator de crescimento de epiderme. Ele faz com que os queratinócitos empurrem para fora um lóbulo e fortaleçam as garras do mesmo.

Ao mesmo tempo, o pulso do fator de crescimento também inicia reações químicas que relaxam as mesmas garras após cerca de 10 minutos. Essa é a quantidade de tempo que leva para os lentos queratinócitos rolarem sobre elas. Essa intrincada coreografia é essencial para nosso bem-estar. Células imunológicas precisam caçar elementos patogênicos, por exemplo. Para formar um cérebro, neurônios germinam sobre um milhão de milhas de ramos, e a cada vez que aprendemos coisas novas, eles geram outros novos.

Entretanto, também há momentos em que as células se movem quando não deveriam. Quando cânceres se tornam metastáticos, algumas células se arrastam para fora de um tumor e acham seu caminho através de outras partes do corpo.

Para entender como as células cancerígenas se movem, Condeelis e colegas desenvolveram um microscópio através do qual são capazes de observar tumores em ratos vivos. Os ratos podem ser geneticamente projetados para que as células do câncer brilhem, permitindo que os cientistas as vejam se arrastando para fora de seus tumores.

Em estudos sobre tumores em glândulas mamárias, Condeelis e colegas descobriram que células de câncer metastáticas são guiadas pela conhecida proteína de sinalização, o fator de crescimento de epiderme, ou FCE, produzido por células imunológicas em vasos sanguíneos próximos.

Condeelis se aproveitou desta descoberta para construir uma armadilha para células de câncer. Ele revestiu um tubo plástico com FCE e o inseriu na glândula mamária de um rato. As células rastejantes de câncer foram atraídas ao tubo como abelhas ao mel, e os cientistas removeram o aparelho com as células móveis de câncer dentro dele. Eles puderam, então, identificar os genes que se tornam ativos quando as células de câncer começam a rastejar. Eles não descobriram nada peculiar a respeito das células. Para se mover, elas usavam os mesmos genes que as células epiteliais usam num embrião.

Esses e outros resultados levaram Condeelis a uma surpreendente hipótese sobre o câncer de mama metastático. "As células cancerígenas pensam que estão produzindo um novo seio", disse.

Ele argumenta que o peculiar ambiente dentro de um tumor faz algumas das células pensarem que estão dentro de um embrião. As células enviam sinais que atraem glóbulos brancos, que, por sua vez, liberam o fator de crescimento que dispara o movimento das células.

Todavia, as mesmas dicas que funcionam em um embrião enviam células de câncer em caminhos errados num seio adulto, e elas acabam em vasos sanguíneos, onde são carregadas a outras partes do corpo.

Cientistas descobriram que podem tratar algumas doenças ao interferir na habilidade das células de se moverem quando não devem. Uma doença dos olhos, chamada degeneração macular, faz com que os vasos sanguíneos se espalhem demais sobre a retina. Hoje existem remédios para impedir que as células dentro dos vasos recebam os sinais para começarem a rastejar.

Enquanto os cientistas investigam os funcionamentos internos de células rastejantes, eles buscam outras maneiras de combater doenças. "O maior objetivo é a terapia do câncer", disse Waterman.

É fácil demais imaginar a cura do câncer bloqueando as células cancerígenas em suas trilhas, mas muitos peritos dizem que será desafiador concentrar a atenção nelas sem interferir no rastejar das células normais. Sem células que podem se mover, nós não sobreviveríamos.

"Estamos lidando com coisas fundamentais e universais", concluiu Pollard.