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Doença do refluxo nem sempre causa azia, alerta especialista

Tatiana Pronin<br>Editora do UOL Ciência e Saúde<br>Em São Paulo

18/06/2009 17h06

Você acaba de jantar e sente aquela queimação no peito? Sofrer de azia de vez em quando pode ser só uma reação normal do organismo após uma refeição pesada. Mas, se o problema se repete com frequência, vale a pena consultar o médico. Esse é um dos sintomas mais comuns da doença do refluxo gastroesofágico, que afeta cerca de 20% da população mundial, segundo estimativas. Não é pouca gente.

O gastroenterologista Eduardo Berger, do Hospital Prof. Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, explica que nossa digestão depende de contrações intensas do estômago e dos ácidos que ajudam a decompor os alimentos. Se a "porta" não fechar direito depois da passagem da comida, no entanto, algo pode voltar para o esôfago. No lugar errado, os ácidos estomacais acabam gerando feridas, que caracterizam a doença do refluxo. O diagnóstico é feito por exame de endoscopia.

Berger conta que há pessoas com a doença que não se queixam de queimação, ou azia. "Tem gente que sente apenas um aperto no peito e chega até a ir ao pronto-socorro, pensando que é infarto", relata. Outros sintomas possíveis são tosse, rouquidão, arrotos e soluços frequentes, além de desgaste no esmalte dentário.

Em entrevista ao UOL Ciência e Saúde, o médico explica que não é possível prevenir a doença do refluxo, mas dá para contornar o problema com medicamentos e mudança de hábitos. Em casos mais graves, ou quando mudar a alimentação é inviável, a opção é a cirurgia, que, apesar de delicada, é minimamente invasiva.

UOL Ciência e Saúde: O que causa a doença do refluxo?
Eduardo Berger: O problema ocorre quando o esfíncter, ou melhor, a "porta" que controla a passagem da comida do esôfago para o estômago, não funciona direito. É como se a válvula ficasse frouxa. Nossa digestão depende de contrações intensas do estômago e dos ácidos que ajudam a decompor os alimentos, então se a "porta" não fecha direito depois da passagem da comida, algo pode voltar para o esôfago. Os movimentos respiratórios também geram uma pressão negativa no tórax, produzindo essa tendência, contrária à força da gravidade. A consequência é a sensação de queimação no peito, porque o ácido vai para onde não deveria.

UOL Ciência e Saúde: Quais os outros possíveis sintomas?
Berger: Há pessoas que não sentem a queimação, mesmo que seja possível observar algumas lesões no exame de endoscopia. Tem gente que sente apenas um aperto no peito e até chega a ir ao pronto-socorro, pensando que é infarto. Outras podem ter tosse e rouquidão, acordam de madrugada engasgadas, têm arrotos ou soluços frequentes, e podem até ter o esmalte dos dentes desgastado. Muitas vezes é o dentista ou o otorrinolaringologista quem suspeita da doença e encaminha o paciente para o especialista.

UOL Ciência e Saúde: Qual a diferença entre azia e refluxo?
Berger: A azia é um sintoma, que em muitos casos é esporádica e não provoca lesões. Mas se o problema é frequente, os ácidos do estômago geram lesões no esôfago, o que caracteriza a doença do refluxo.

UOL Ciência e Saúde: E quanto à hérnia de hiato?
Berger: Em algumas pessoas, não apenas o conteúdo gástrico sobe para o esôfago, mas uma pequena porção estômago também. É a chamada hérnia de hiato, uma doença "irmã" do refluxo. Para efeitos práticos, podemos dizer que doença do refluxo e hérnia de hiato "são a mesma coisa".

UOL Ciência e Saúde: O refluxo é causado pela alimentação?
Berger: O problema pode ser de nascença, tanto que há bebês com refluxo. Ou a pessoa tem a tendência e a doença é deflagrada por maus hábitos alimentares, pela obesidade ou durante a gravidez.

UOL Ciência e Saúde: Como é o tratamento?
Berger: O tratamento é feito com medicamentos que inibem a acidez, associado a mudanças de comportamento e de hábitos alimentares. É preciso evitar comer demais, ganhar muito peso, ficar muitas horas sem comer e deitar-se logo após a refeição. Também é recomendável dormir com a cabeceira levemente elevada e controlar o consumo de alimentos muito gordurosos ou doces, café e bebida alcoólica.

UOL Ciência e Saúde: Quando a cirurgia é indicada e como é o procedimento?
Berger: Indicamos a cirurgia quando a inflamação no esôfago torna-se grave, ou quando a pessoa não quer ou não consegue mudar seus hábitos. A cirurgia antigamente era muito mais traumática. Hoje, o procedimento é feito por videolaparoscopia, com pequenos orifícios que não exigem nem que se dê pontos. Usamos uma parte do próprio estômago do paciente para reforçar a válvula, o que resolve o problema. A cirurgia dura cerca de uma hora, ou um pouco mais. Após dois ou três dias, a pessoa pode retomar suas atividades. Embora seja uma cirurgia delicada, os riscos são mínimos, por isso muita gente decide operar quando vê que algum amigo ou parente operou e teve bons resultados. Ou porque pretende melhorar sua qualidade de vida - está cansado de tomar remédio sempre e se privar de certos hábitos.