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Técnicas permitem uso do vidro no lugar do concreto em construções

Henry Fountain<br>The New York Times

09/07/2009 13h07

Para compreender verdadeiramente como o vidro pode ser usado de forma estrutural, visite o número 233 da South Wacker Drive, no centro de Chicago. Mais precisamente, siga por 400 metros acima da South Wacker, no 103º andar da Torre Sears.

Quando estiver lá, dê alguns passos até a parede oeste, onde a fachada foi cortada e retirada. Dê então mais um passo, por cima da beirada.

Sally Ryan/The New York Times
Projeto do prédio Sears Tower, em Chicago
G. Metzger/ILEK, University of Stuttgart via The New York Times
Cúpula de vidro em Stuttgart, na Alemanha
UOL CIÊNCIA E SAÚDE
Você se encontrará num chão de vidro, suspenso a meio quilômetro da calçada. Se não conseguir olhar diretamente abaixo dos seus pés, direcione o olhar para os lados, ou para cima - as paredes também são de vidro, assim como o teto. Você entrou numa caixa transparente, uma entre as quatro que se projetam um metro e meio para fora da torre, presas por vigas de aço acima de sua cabeça. As paredes de vidro são conectadas às vigas, e ao chão de vidro, com parafusos de aço inoxidável. Porém, o que está realmente lhe salvando da queda livre é o próprio vidro.

As caixas, abertas na última semana como parte de uma extensa renovação do deque de observação da torre, estão entre os mais recentes projetos que utilizam o vidro como elementos de sustentação de carga. Porém, todas as estruturas de vidro possuem ao menos um pouco de audácia, como se estivessem dando uma resposta desafiadora à pergunta: Você não consegue fazer isso com vidro, consegue?

Sim, consegue. Engenheiros, arquitetos e fabricantes, apoiados por cientistas de materiais e designers de software, estão construindo fachadas elevadas, abóbadas arqueadas, delicados cubos, pontes e escadas, quase inteiramente de vidro. Eles estão laminando vidro com polímeros, desta forma, criam-se vigas e outros componentes mais fortes e seguros - cada uma das lâminas da Torre Sears é um sanduíche de cinco camadas -, e analisando cada polegada de um projeto para se assegurarem de que as pressões estão dentro de precisos limites. Eles também estão experimentando novos materiais e métodos que poderiam, algum dia, levar estruturas de vidro que não usem metal ou outros materiais.

"No fim, o que todos buscamos é uma estrutura feita somente de vidro", disse James O'Callaghan, da empresa Eckersley O'Callaghan Structural Design, que desenvolveu, talvez, os projetos de vidro mais conhecidos do mundo - as escadas que são uma característica fundamental de cada Apple Store.

Com tudo isso, eles perceberam uma coisa: "Vidro é apenas mais um material", disse John Kooymans, da firma de engenharia Halcrow Yolles, responsável pelo projeto das caixas da Torre Sears.

É um material que existe há milênios. Embora o vidro possa ser produzido de inúmeras maneiras para alcançar vários usos específicos - para conduzir luz como fibra, digamos, ou servir como reforço para circuitos eletrônicos, como numa tela de laptop -, projetos estruturais utilizam, quase exclusivamente, o vidro comum, feito, como sempre foi, principalmente de carbonato de cálcio, calcário e sílica.

"Durante anos, a composição básica do vidro comum não mudou muito", disse Harrie J. Stevens, diretor do Centro de Pesquisa em Vidro da Universidade Alfred, Nova York. Trata-se do mesmo vidro, basicamente, usado nas janelas de sua casa e nos potes de geléia em sua geladeira - e naquele velho frasco de elixir que você comprou num antiquário.

O vidro é algo básico, mas longe de ser simples. "Obviamente, é um material incomum", disse James Carpenter, da James Carpenter Design Associates, responsável por desenhar fachadas e outras estruturas em vidro, e consultor do fabricante de vidro Corning, nos anos 70. "Isso porque não sabemos realmente o que ele é".

Embora sempre se tenha discutido se o vidro é um sólido ou um líquido, hoje ele é geralmente descrito como um sólido amorfo (não há evidências de que ele flua com o tempo, extremamente devagar, como um líquido). A estrutura não-cristalina é atingida por um resfriamento relativamente rápido, abaixo do que é considerada a temperatura de transição do vidro, cerca de 540ºC para a variedade mais comum.

Resfriado ainda mais e cortado, o vidro puro é muito forte. Entretanto, como um carro novo desvaloriza assim que sai da loja, o vidro começa a perder sua dureza no instante em que é produzido. Minúsculas rachaduras começam a se formar no contato com outras superfícies, ou até mesmo com vapor d'água e dióxido de carbono.

"Ao simplesmente soprar sua respiração sobre a superfície recém-produzida, você já reduziu a dureza do vidro em duas vezes", disse Suresh Gulati, engenheiro-mecânico e autointitulado "homem de força", aposentado em 2000 após 33 anos na Corning, mas que ainda trabalha para a empresa como consultor.

Até mesmo uma única molécula de gás pode romper uma ligação oxigênio-silício no vidro, gerando uma falha, segundo Carlo G. Pantano, professor de ciência de materiais na Universidade Estadual da Pensilvânia. Embora o vidro seja muito resistente em compressão, pressões tensionais fazem com que essas pequenas fissuras comecem a crescer, ligação por ligação. "É isso que faz o vidro se quebrar", disse Pantano. "E se não o quebrar, o enfraquecerá".

Camadas protetoras são uma das maneiras de evitar novas rachaduras, embora possam afetar a transparência - principal razão para o uso do vidro, em primeiro lugar. Alterar a receita do vidro pode também dificultar a formação e propagação de rachaduras. "Existem algumas evidências de que você pode modificar sua composição para torná-lo inerentemente mais forte", disse Stevens, ainda que isso possa alterar outras propriedades ou tornar o vidro caro demais. Projetos de vidro não são baratos para começar; o vidro do projeto da Torre Sears custou mais de 40 mil dólares por caixa.

O processo de fabricação também pode ser modificado, desta forma, mantém-se a superfície do vidro o mais pura possível. Em uma das técnicas, usada para vidro de computadores, vidro fundido é bombeado dentro de um canal em formato de V, derramado pelas duas laterais e acaba fluindo para fora do V, sendo combinado abaixo para formar uma lâmina - que continua se movendo para baixo conforme esfria. Dessa forma, cada lado da lâmina é uma "superfície derretida", exposta somente ao ar e intocada por qualquer parte do equipamento.

Para usos estruturais, o vidro é frequentemente reforçado da maneira tradicional - a têmpera. Esse processo coloca a superfície sob compressão, de forma que é necessária uma força tensional ainda maior para que as rachaduras aumentem.

Para o vidro plano, a têmpera por calor é a mais usada. William LaCourse, professor da Universidade Alfred, disse que o processo se aproveita de uma propriedade do vidro - quando esfria lentamente, o material se torna mais denso. Quando se resfria rapidamente o exterior de uma lâmina (geralmente com ar), a superfície fica menos densa. "O interior ainda está quente, e tenta se esfriar para uma estrutura mais densa", disse LaCourse. "Isso coloca a superfície em compressão".

No tratamento químico, os íons de sódio na superfície são substituídos por íons de potássio, aproximadamente 30% maiores. É como levar uma mala cheia de roupas de verão e trocar a camada superior por roupas de inverno; a mala se esticará nas costuras quando você tentar fechá-la. O vidro não tem como se esticar nas costuras, então a superfície se torna comprimida.

Vidro temperado pode demorar mais para rachar, mas ainda pode quebrar. Como a compressão da superfície precisa ser equilibrada por tensão interior, ao quebrar, o vidro temperado forma muito mais pedaços menores do que o vidro destemperado - já que mais linhas de rompimento liberam mais energia. "Quanto mais reforçado for, mais pedaços serão formados", disse Gulati. Um exemplo extremo disso é uma gota de Prince Rupert, a pequena bola de vidro com uma longa cauda que se forma pingando vidro fundido na água. Você pode atingir a bola com um martelo e ela não se quebrará. Porém, corte fora a cauda e a bola se despedaçará em minúsculos pedaços, já que as forças tensionais são liberadas.

Em aplicações estruturais, a ruptura em pedaços menores é sempre preferida - isso reduz o risco de causar ferimentos. Porém, apenas a têmpera, geralmente, não é suficiente.

Uma das principais preocupações quando se constroi com vidro é o que aconteceria se, ou quando, um componente se quebra - o que os engenheiros chamam de "comportamento pós-falha". Ao contrário de aço ou outros materiais, o vidro não deforma ou avisa antecipadamente sobre alguma falha. Se ocorre uma ruptura, é essencial que a integridade da estrutura seja mantida - para assegurar a segurança das pessoas sob ou sobre ela.

É aí que entra a laminação. Num projeto comum, lâminas de vidro (com quatro centímetros de espessura no projeto da Torre Sears) são unidas com finas camadas intermediárias de polímeros. Essas camadas agregam força e, caso alguma das camadas de vidro se quebre, mantêm a estrutura unida e evitam que os pedaços caiam.

Entretanto, a laminação torna muito difícil a fabricação de vidro para usos estruturais. Como o corte em vidro temperado faz com que ele se quebre, cada lâmina precisa ser polida e perfurada para montagem antes de ser temperada. As tolerâncias são extremamente pequenas, para evitar pressões potencialmente destrutivas na estrutura montada.

"É realizável", disse Lou Cerny da empresa MTH Industries, que gerenciou a instalação da Torre Sears, onde as tolerâncias chegavam a um dezesseis avos de uma polegada. "Não há muitas pessoas que querem se envolver com isso".

Não é de se surpreender, portanto, que aqueles que constroem com vidro esperam o dia em que suas estruturas não precisarão de metais ou outros materiais.

"Meu objetivo sempre foi reduzir a quantidade de peças de montagem no vidro", disse O'Callaghan, cujas escadas da Apple usam aço inoxidável e, ocasionalmente, titânio para unir os componentes de vidro.

Alguns engenheiros já estão usando diferentes formatos de vidro para reduzir a dependência do metal. Rob Nijsse, professor da Universidade de Tecnologia Delft, na Holanda, e engenheiro estrutural da empresa ABT Belgium, usou grandes lâminas de vidro ondulado, montadas verticalmente, para paredes vazadas numa sala de concertos em Porto, Portugal, e num museu, construído na Antuérpia, Bélgica. O formato ajuda a endurecer o vidro contra cargas.

Outros arquitetos pensam em usar diferentes tipos de vidro. "Existem tantos tipos incríveis disponíveis", disse Carpenter. "Existem um enorme potencial para transferir algumas de suas características para usos arquiteturais".

Usar um vidro que não se expande muito ao ser aquecido, por exemplo, permitiria que componentes fossem soldados uns nos outros, formando efetivamente uma peça contínua de vidro. O vidro comum se expande demais, então a soldagem introduz forças que poderiam levar a falhas.

Pesquisadores da Delft realizaram experimentos com componentes de vidro soldado. O vidro de baixa expansão, entretanto, é muito mais caro que o vidro comum.

Outros engenheiros estão começando a usar adesivos para unir um vidro diretamente a outro. Lucio Blandini, um engenheiro da Werner Sobek Engineering and Design, empresa situada em Stuttgart, na Alemanha, utilizou adesivos para criar uma fina cúpula de vidro, com nove metros lado a lado, para sua tese de doutorado. "Eu acho que os adesivos são o dispositivo de conexão mais promissor", disse. "Eles permitem que o vidro mantenha suas qualidades estéticas". Sua empresa está usando adesivos em partes de estruturas construídas na Universidade de Chicago e em Dubai.

Porém, a resistência e a segurança em longo prazo dos adesivos ainda não foram testadas - portanto, a maioria das pessoas que trabalha com vidro não acha que estejamos próximos de estruturas totalmente coladas.

"Temos advogados demais neste país", disse Cerny, o instalador da Torre Sears. "Levará um bom tempo até vermos isso".