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Problema hormonal pouco diagnosticado pode ser causa de infertilidade

Laurie Tarkan<br>The New York Times

10/07/2009 19h10

Durante mais de quatro anos, Joann Citrone, de West Deptford, Nova Jersey, atravessou todas as possibilidades de caros tratamentos contra a infertilidade. Porém, foi somente dois anos depois que ela e seu marido adotaram o segundo filho na Coreia do Sul, que ela finalmente recebeu o diagnóstico correto.

Ela sofria de uma condição comum, ainda que negligenciada, capaz de levar à infertilidade e a uma variedade de complicados sintomas - embora seja facilmente tratável quando diagnosticada corretamente.

A doença se chama hiperplasia suprarrenal congênita não clássica, ou HSC - uma deficiência hormonal que causa a produção excessiva de andrógenos. Em mulheres, pode interferir com a ovulação; em homens, pode causar baixa contagem de esperma. Além disso, a condição pode levar a baixa estatura, odores corporais, acne, menstruação irregular e o crescimento capilar excessivo, chamado de hirsutismo. Citrone, hoje com 38 anos, experimentou também alguns desses sintomas.

"O tratamento é tão simples e barato", disse a Dra. Maria New, professora de pediatria e genética humana na Escola de Medicina Mount Sinai, considerada a principal autoridade no assunto.

O diagnóstico é baseado num exame de sangue para níveis excessivos de um hormônio chamado 17-hidroxiprogesterona - há também um exame genético -, e o tratamento envolve pequenas doses do esteroide dexametasona. Ele pode reverter muitos dos sintomas em períodos que variam de três meses a dois anos e meio.

New, que estudou a doença entre nova-iorquinos, disse tê-la encontrado em uma a cada cem pessoas, porém com uma frequência maior em certos grupos étnicos - um em cada 27 judeus asquenazes, por exemplo, e um em cada 40 hispânicos. É a mais comum entre as doenças recessivas autossômicas, nas quais uma criança herda duas cópias de um gene recessivo dos pais - uma classe que inclui a anemia falciforme, a doença de Tay-Sachs e a fibrose cística. Entretanto, nem todos que apresentam a doença desenvolvem sintomas, ou precisam de tratamento.

"Isso é muito varável", disse New, "e algumas vezes apenas um sintoma aparece".

Em sua forma mais grave, a HSC clássica, a produção excessiva de andrógenos pode resultar, nas meninas, em genitálias ambíguas. Na forma não clássica, o excesso de andrógeno é menor, logo os sintomas são mais leves ou inexistentes.

Nem todos os centros de fertilidade realizam testes para a doença, ou fazem o teste apenas depois de tentar outros tratamentos. Alguns obstetras desconhecem a doença e seus efeitos na fertilidade, disse o Dr. Zev Rosenwaks, diretor do Centro de Medicina Reprodutiva do Hospital Presbyterian-Weill Cornell de Nova York.

Dr. Jamie Grifo, diretor de endocrinologia reprodutiva na Universidade de Nova York, afirmou realizar os testes quando as pacientes não estão ovulando e não respondem a medicamentos para a ovulação.

"Acho que isso passa despercebido com bastante frequência", disse ele. "Não acho que á algo muito comum, mas é mais comum do que as pessoas pensam".

Ovários policísticos

Sintomas como ciclos menstruais irregulares, acne e hirsutismo podem imitar os de uma doença mais conhecida, chamada síndrome do ovário policístico (SOP). Realmente, um estudo sugeriu que 10% das mulheres com essa síndrome possuíam uma leve HSC. Rosenwaks afirmou que examina mulheres por SOP, mas que muitos centros não o fazem.

Em pacientes mais jovens, a doença é frequentemente confundida com a puberdade. "Muitos relatórios estão dizendo que a idade inicial da puberdade está diminuindo, então muitos médicos descartam os sintomas como puberdade precoce", disse Suzanne Levy, diretora-executiva da Cares Foundation, uma organização de pesquisa e apoio para pessoas com HSC.

A Citrone, por exemplo, disseram inicialmente que ela tinha os níveis de testosterona altos. "Enquanto crescia, nunca me senti como menina ou mulher", contou ela, acrescentando, "Tive diagnósticos errados por 15 anos".

Finalmente, depois de receber o diagnóstico correto, ela foi tratada com dexametasona. Hoje ela tem ciclos regulares, muitos de seus outros sintomas diminuíram, e foi informada de que provavelmente poderá ter filhos.

"Mas agora já temos dois", disse ela, "então estamos bem".

Terri, que pediu que seu sobrenome não fosse divulgado para proteger sua privacidade, percebeu que sua filha de seis anos tinha pelos loiros nas axilas. Numa consulta realizada aos sete anos, o pediatra também percebeu ralos pelos pubianos e, embora suspeitasse de puberdade precoce, acabou enviando a menina a um endocrinologista.

Após diversos meses, ela recebeu um diagnóstico de HSC não clássico. Os médicos ficaram relutantes em usar esteróides, preocupados com seus efeitos em longo prazo, porém, um ano e meio depois, seus ossos começaram a crescer rápido demais, e outros sintomas preocupantes começaram a aparecer: maior crescimento capilar, cabelos muito oleosos e forte odor corporal. Então, ela recebeu pequenas doses de esteroides.

Crianças e adolescentes

A característica de crescimento ósseo da HSC em crianças não dura muito tempo, e elas podem acabar com uma estatura anormalmente baixa. "Essas crianças são as mais altas de suas classes", disse New, "mas elas param de crescer aos 7 ou 8 anos de idade".

Para combater isso, algumas crianças recebem hormônios chamados glicocorticóides; outras recebem hormônios de crescimento, ou remédios para atrasar o início da puberdade, quando termina o crescimento dos ossos. Todavia, esse tratamento é considerado experimental, segundo a Dra. Phyllis W. Speiser, chefe de endocrinologia pediátrica do Hospital Infantil Schneider, localizado em New Hyde Park, Nova York.

Muitos adolescentes com acne severa ou hirsutismo, especialmente aqueles que não apresentaram os sintomas iniciais da doença, recebem diagnósticos errados. Eles podem usar remédios ou realizar caros tratamentos de remoção de pelos antes de fazerem um exame de HSC ou serem encaminhados a um endocrinologista. "O diagnóstico deve preceder o tratamento", disse Speiser.

Nem todas as crianças com a doença devem ser tratadas com glicocorticóides. "Há pacientes que possuem sintomas mínimos e podem responder a tratamentos para acne", disse. As pessoas com testes positivos para HSC, mas assintomáticas, aparentemente não se beneficiam dos glicocorticóides.

"As classes de pessoas que precisam ser avaliadas", disse ela, "são crianças com sinais precoces de desenvolvimento sexual, meninas jovens com pelos faciais e corporais em excesso, qualquer pessoa com acne que não responda a tratamentos comuns, aquelas com ciclos menstruais severamente irregulares, e pessoas com problemas de fertilidade".

Citrone, que se submeteu aos custosos tratamentos de fertilidade, disse ter ficado aliviada ao finalmente saber o que acontecia em seu corpo.

"Eu me sentia muito nervosa e enganada", concluiu ela. "Mas a médica que me diagnosticou corretamente salvou minha vida".
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