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Álcool tem papel de destaque em novo Harry Potter

Tara Parker-Pope<br>The New York Times

05/08/2009 11h26

Será que bruxos embriagados enviariam alguma mensagem aos adolescentes sobre a vida? Hermione bebe. Neville serve bebidas. Ron bebe um antigo hidromel, e Harry festeja com seus professores.

Teria Hogwarts um problema com a bebida?

Enquanto fãs de Harry Potter lotam os cinemas para a mais nova continuação da bem-sucedida série de filmes, pais podem se surpreender com o papel de destaque dado ao álcool. Cena após cena, os jovens magos e seus professores adultos são vistos experimentando, bebendo e entornando várias formas de álcool para acalmar os nervos, fortalecer sua coragem ou consolar seu sofrimento.

O filme, baseado no sexto livro da série de J.K. Rowling, "Harry Potter e o Enigma do Príncipe", fala tanto da puberdade quanto do mundo da magia. Poções do amor e desejos adolescentes são centrais no enredo, onde Harry, Ron e Hermione aproveitam novas liberdades como alunos de 16 anos no mítico internato Hogwarts, incluindo excursões desacompanhadas a um pub na cidade vizinha de Hogsmeade.

Contudo, recriadas na tela grande, as imagens de bebida na adolescência são chocantes. Filmes anteriores do bruxo já haviam mostrado bebidas alcoólicas, mas este as colocou num novo patamar.

Numa cena, Harry, Ron e Hermione pedem cervejas amanteigadas no pub, e Hermione acaba com um bigode de espuma. Embora nunca tenha ficado claro se a cerveja amanteigada é alcoólica, ela parece exercer algum efeito na geralmente certinha Hermione, que age de forma "alegre" voltando pra casa, ao jogar os braços em volta dos meninos.

Como mãe de uma fã de Harry Potter de 10 anos de idade, fiquei atordoada com a reação dos jovens no cinema. Eles riram do sorriso abobado de Hermione e, mais tarde, gargalharam quando um Hagrid inebriado desmaiou. Mesmo achando que minha filha não compreendeu totalmente o que acontecia, imaginei qual seria a reação de outros pais, educadores e especialistas em vícios.

Liz Perle, mãe de dois garotos adolescentes e editora-chefe da empresa Common Sense Media, responsável por examinar conteúdos de livros, filmes e sites dirigidos a crianças, disse ter se sentido incomodada com o número de cenas mostrando o álcool como um mecanismo de enfrentamento.

"Hermione é uma jovem bastante contida, mas é liberada por um pouco de cerveja amanteigada", disse ela. "A mensagem é que aquilo lhe dá coragem líquida para colocar seus braços ao redor do rapaz de quem você gosta, mas tem medo de fazê-lo".

Outros pais estavam menos preocupados. Daniel Isaacs, redator publicitário de Nova York, disse que sua filha de nove anos nem percebeu as cenas com bebidas. "O universo de Harry Potter não é o nosso", explicou. "Tentar inserir normas americanas de 2009 na brincadeira parece um pouco tolo".

"Além disso, num mundo onde magos escuros habitualmente raptam e matam pessoas, um pouco de bebida para menores de idade é o menor de seus problemas".

Públicos de outros países podem reagir diferentemente às cenas de bebidas. Na Inglaterra, a idade legal para beber é 18 anos, mas com 16 você pode pedir álcool se estiver comendo uma refeição. Mesmo por esses padrões, os adolescentes no filme estariam infringindo a lei: durante a cena no pub, nenhuma comida foi servida.

Educadores dizem não querer acabar com a diversão, mas comentam que os pais deveriam estar cientes do papel do álcool na série Harry Potter, tanto nos livros quanto nos filmes. Diversos estudos sugerem que filmes influenciam o comportamento adolescente em relação a bebidas, drogas e tabaco. Um comitê do Instituto de Medicina, responsável por discutir o consumo de bebidas alcoólicas antes de maioridade, disse existir "uma forte possibilidade" de que a exposição dos jovens às bebidas através de filmes contribui à iniciação precoce do uso de álcool.

Um estudo de 2007, realizado com quase 5.600 adolescentes alemães, examinou a relação entre a bebida e a exposição a filmes americanos. Mesmo considerando variáveis como os hábitos dos amigos, os pesquisadores descobriram que crianças com alta exposição ao álcool em filmes tinham aproximadamente três vezes mais chances de beber do que aqueles com menor exposição.

Similarmente, um estudo com 3 mil adolescentes descobriu que aqueles expostos com maior frequência ao cigarro em filmes tinham uma probabilidade três vezes maior de fumar do que os outros. Numa descoberta arrebatadora, o estudo concluiu que, em mais da metade das vezes que uma criança experimentava um cigarro, essa decisão estava ligada a ter visto o hábito no cinema.

Especialistas em álcool dizem que isso não significa que as crianças não devam assistir ao novo filme de Harry Potter. Pelo contrário, esta é uma oportunidade para os pais conversarem com seus filhos a respeito do álcool, disse o Dr. Christopher Welsh, psiquiatra da Universidade de Maryland e especialista em vícios.

"Espero que os pais consigam conversar com seus filhos e dizer a eles que, embora Harry Potter tenha feito parecer divertido, aquilo não está certo", disse Welsh, autor de um artigo de 2007 sobre o uso do álcool na série Harry Potter, publicado no The Journal of Child and Adolescent Substance Abuse.

A Warner Brothers, responsável pelo lançamento do filme, afirmou que as cenas com bebidas eram "abertas a diferentes interpretações".

"Um dos maiores objetivos em trazer os filmes de Harry Potter à tela foi nos mantermos fieis ao material original, criado por J.K. Rowling", escreveu a empresa por e-mail, acrescentando que o mundo dos bruxos "não deve ser colocado nos mesmos padrões do mundo real".

Um porta-voz de Rowling disse que a escritora não estava disponível para comentar.

Alison Turner, expatriada britânica proprietária do Signature Bites, uma empresa de internet baseada na Flórida, disse que, enquanto assistia ao filme com sua enteada de 14 anos, se viu brevemente pensando sobre as propriedades alcoólicas da cerveja amanteigada. Porém, a conversa pós-filme foi focada em corações partidos e amores não correspondidos.

"Acho que a perspectiva do álcool foi embora de mim graças ao contexto mágico do filme - aquela não é uma escola de verdade, com professores ou alunos reais -, então é quase como se a bebida não fosse real", explicou. "Fico pensando quantas crianças realmente sabem o que é o hidromel".

Tradução: Pedro Kuyumjian