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Parteiras ajudam a salvar a vida de mães afegãs

Denise Grady<br>The New York Times

05/08/2009 19h03

Todos querem Pashtoon Azfar. O governo, grupos americanos de ajuda humanitária e suas próprias colegas, as parteiras do Afeganistão: todos querem que ela trabalhe para eles, os lidere, os ajude a construir um sistema de saúde a partir dos escombros da guerra.

Azfar, 51 anos, tenta agradar a todos. De dia, ela dirige o Instituto de Ciências da Saúde do Afeganistão. À noite, ela trabalha para uma organização sem fins lucrativos da Johns Hopkins University, que foca na saúde de mulheres e crianças. Além disso, ela ainda consegue atuar como presidente da Associação Afegã de Parteiras.

Em recente visita aos Estados Unidos, ela foi a estrela de um informe à imprensa, realizado no Capitólio, intitulado "Saúde Materna no Afeganistão: Como Podemos Salvar a Vida de Mulheres?" Sua plateia incluiu membros de grupos do congresso que lidam com a questão da mulher.

O Afeganistão tem o segundo maior índice de mortalidade de mulheres durante a gravidez e no parto (só perde para Serra Leoa). Para cada 100 mil nascimentos, 1.600 mães morrem. Em países ricos, os índices variam de uma a doze mortes. Numa remota província afegã, no nordeste do país, chamada Badakhshan, 6.507 mães morrem a cada 100 mil nascimentos, segundo um relatório de 2005, publicado no jornal Lancet. No total, 26 mil mulheres afegãs morrem por ano durante a gravidez ou no parto.

As principais causas das mortes são hemorragia ou parto obstruído, que podem ser fatais se uma mulher não passar por uma cesárea. Mesmo quando a mãe sobrevive, a realização do parto obstruído sem uma cesárea geralmente causa a morte do bebê. A maioria das mortes das mães - 78%, segundo o relatório do Lancet - pode ser evitada. Diante desse triste histórico, Azfar disse à plateia em Washington: "Gostaria de compartilhar com vocês alguns casos de sucesso".

Uma mulher intensa, com cabelos grisalhos e curtos, Azfar raramente sorri. Ela percorreu as estatísticas mostrando os recentes e notáveis aumentos no número de parteiras no Afeganistão, seu grau de instrução e a porcentagem de mulheres que deram à luz filhos com a ajuda de uma "atendente habilitada", geralmente uma parteira. Os Estados Unidos, o grupo Hopkins (conhecido como Jhpiego) e outros doadores têm ajudado o Ministério de Saúde Pública afegão a conquistar melhorias.

Entretanto, há um longo caminho a ser percorrido. Cerca de 80% das mulheres afegãs ainda dão à luz filhos sem uma ajuda capacitada. Somente um terço delas recebe qualquer assistência médica durante a gravidez.

Os problemas do Afeganistão refletem as dificuldades de muitos outros países pobres: carência de profissionais, suprimentos e transporte para clínicas ou hospitais, especialmente em regiões remotas e áreas montanhosas, cobertas pela neve durante metade do ano. Os problemas mais profundos são culturais, enraizados no baixo status das mulheres e a percepção equivocada de que as mortes no parto são inevitáveis - como parte da ordem natural, como o papel das mulheres nesta vida.

Durante sua palestra em Washington, Azfar citou o Dr. Mahmoud Fathalla, médico egípcio e defensor da saúde da mulher: "As mulheres não estão morrendo de doenças incuráveis... Elas estão morrendo porque as sociedades ainda têm de se conscientizar que a vida delas vale a pena ser salva".

Azfar trabalha 12 horas por dia, 7 dias por semana. Ela aborrece parentes por faltar a festas de casamento e outros eventos familiares por causa do trabalho.

"Meus filhos não estão felizes", disse ela, numa entrevista após a palestra.

Azfar cresceu numa vila a cerca de uma hora de Cabul.

"Naquela época, as meninas iam à escola", disse ela. "Os direitos das mulheres antes do talibã eram os mesmos dos países ocidentais. As mulheres tinham direito ao voto".

A mãe dela teve dez filhos, dois deles morreram. Ela sempre deu à luz sozinha, a portas fechadas. Quando Azfar tinha 9 anos, começou a ajudar, esperando do lado de fora da porta para receber o recém-nascido, limpá-lo e abrigá-lo, enquanto sua mãe expulsava a placenta.

Azfar nunca tinha visto um parto de verdade até os 16 anos, quando começou a estudar para virar parteira. Somente nessa época é que ela percebeu o quanto sua mãe tinha sido corajosa. Ela terminou o rigoroso programa de três anos de duração como a melhor aluna da classe, em 1976.

"Era uma profissão bastante respeitada no meu país", disse ela.

No entanto, décadas de guerra destruíram a atividade das parteiras e grande parte do sistema de saúde, continuou. Profissionais fugiram do país, muitos jamais retornaram.

"Um dia, cem mísseis atingiram Cabul", contou. Ela e seu marido, que é médico, pegaram seus quatro filhos e se mudaram para o Paquistão, onde moraram de 1992 a 2003. Ela teve seu quinto filho lá.

Quando voltou para o Afeganistão, contou Azfar, a atividade de parteira estava um caos. Vagas em escolas profissionais de todos os tipos estavam sendo ocupadas por pessoas com ligações políticas, em vez de gente qualificada. As parteiras que ficaram para trás não receberam nenhuma educação continuada. Suas habilidades estavam defasadas, e suas atitudes pioraram.

"Havia uma cultura de guerra", disse Azfar. "Se uma mãe chegava para o parto, elas não a tratavam como ela merecia ou como precisava ser tratada. Não havia apoio emocional".

O comportamento conta muito na atividade de parteira: se elas ou outros profissionais da área de saúde parecem indiferentes ou desrespeitosos, as mulheres começam a evitar as clínicas, perdendo a ajuda de que tanto precisam.

Azfar reconhece a dificuldade em mudar atitudes, mas insiste que isso pode ser feito, ao inserir "habilidades interpessoais" como parte do treinamento e dos exames que as estudantes devem realizar para iniciarem a prática. No Afeganistão, esses itens se tornaram parte do currículo das parteiras em 2004.

"Ela cumprimenta a mãe adequadamente?", perguntou. "Oferece uma cadeira? Um copo d'água? Se apresenta? Deixa a mãe fazer perguntas? Elas são treinadas. Elas têm de fazer isso." Azfar tem visto sinais de progresso, de esperança.

"Há apenas cinco anos, começamos a reconstrução dessa profissão", disse ela. "Essas parteiras são vitoriosas. Ah, eu as amo muito. Elas moram no meu coração".

Tradução: Gabriela d'Avila