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Linguistas preservacionistas agora contam com ferramentas digitais

Chris Nicholson<br>The New York Times

10/08/2009 20h04

TEI, Sierra Leoa - "Jogue", "yipe", "simoi" são três palavras curtas para se referir à comida em kim, uma língua falada em Sierra Leoa e que Dr. Tucker Childs tem tentado, nos últimos três anos, registrar por escrito e compreender.

O kim é uma língua em extinção, e Childs é linguista de campo. Em sua base, aqui em Tei, uma pequena vila de pescadores no Rio Waanje, ele percorre de canoa os canais que cortam a planície aluvial do rio. Depois, caminha alguns quilômetros em terra, até chegar às últimas comunidades kim. Com base em registros coletados ali, ele criou um alfabeto, compilou um dicionário e está finalizando um livro sobre a gramática.

A África possui cerca de 2 mil das 6 mil línguas do mundo. Muitas ainda não foram escritas, algumas ainda têm de ser nomeadas e muitas provavelmente desaparecerão. Durante séculos, incentivos sociais e econômicos têm prejudicado o kim e favorecido o mende, uma língua amplamente usada na região. Childs especula que o kim tenha sido empurrado para a beira da extinção.

Antes, linguistas de campo, como Childs, trabalhavam contra o tempo, de forma dispersa, a fim de salvar as línguas ameaçadas do mundo - mais de 3 mil, segundo a última contagem. Eles rabiscavam dados em cadernos sujos e armazenavam sons em fitas cassetes, destinadas a apodrecerem em caixas. No entanto, os linguistas de hoje são digitais. Childs agora usa um gravador de transistores e chips e possui aplicativos que analisam os elementos de uma vogal em alguns segundos e compara sons entre idiomas.

Usando o sistema GPS, capaz de traduzir dados em mapas, ele e seus assistentes de pesquisa, Hannah Sarvasy e Ali Turay, apontam vilas que não são encontradas em nenhum mapa oficial. "Há várias razões pelas quais os linguistas querem preservar essas línguas", disse Childs, "mas, para mim, é mais que uma coisa emocional. Não é uma obrigação da nobreza, mas do capitalismo. Essas pessoas estão totalmente marginalizadas".

Em seu novo formulário digital, esse tipo de pesquisa é mais acessível. Ela permite que projetos maiores compartilhem o patrimônio linguístico do mundo com um público mais amplo de professores e estudantes - incluindo, quando possível, o falante original.

O objetivo não é apenas salvar, mas reviver. Financiados pelo Projeto Hans Rausing de Línguas Ameaçadas e pelo National Endowment for the Humanities, os registros de Childs farão parte, quando o estudo terminar e ele voltar a seu posto como professor da Portland State University, em Oregon, de um imenso banco de dados na Escola de Estudos Orientais e Africanos (em inglês SOAS), da Universidade de Londres.

O diretor do arquivo de línguas ameaçadas da SOAS, David Nathan, contou que o site da escola, elar.soas.ac.uk, está programado para iniciar o compartilhamento de dados no final do verão europeu. "O que estamos aportando com a documentação linguística é um novo gênero de elementos que ainda não tem nenhum canal de publicação", disse ele.

Pelo menos até agora. O novo gênero é um grande balaio, que inclui gravações em áudio de conversas e narrações de lendas folclóricas, vídeos de músicas e danças, além de transcrições de textos. Porém, como ocorre com a maioria dos novos gêneros, esse vem ao mundo acompanhado de fortes dores de parto.

Obter gravações decentes pode ser difícil. As vilas de Nyandehun e Mosenten, por exemplo, não possuem estrada, nem tecnologia. Com equipamentos mais elaborados, as baterias acabam de forma inesperada, a quilômetros de uma tomada elétrica. A umidade e a poeira penetram nas máquinas.

Além disso, alguns linguistas têm tido problemas em manusear as novas máquinas. "Para a maioria desses profissionais, o áudio é apenas um inconveniente no caminho para a transcrição", disse Nathan. No passado, acrescentou ele, "a qualidade era tão ruim que o áudio era apenas uma prova de que eles realmente tinham ido até lá, um talismã confirmando que eles tinham ido a campo".

A relação entre linguistas e a tecnologia vai muito além do formato de gravação de áudio. Childs se lembra de ter trabalhado em computadores que ocupavam todo um recinto, enquanto era estudante de doutorado. Ele disse que as teorias linguísticas muitas vezes se moldavam para se aproximar das ferramentas disponíveis.

No começo, disse ele, os linguistas imaginavam que a mente processava a linguagem com muitas regras e pouco armazenamento. "Com o tempo, muitas coisas foram acrescentadas ao léxico, eram listadas lá, e isso ocorreu de forma paralela aos avanços na indústria da computação, do barateamento do armazenamento das informações", disse ele.

A SOAS não está sozinha na tentativa de documentar línguas ameaçadas. O Instituto Max Planck, em Nijmegen, na Holanda, opera um arquivo há dez anos. Dr. Dagmar Jung, linguista de Colônia, Alemanha, está trabalhando com idosos da tribo Beaver, ou Dane-Zaa, nas províncias canadenses de British Columbia e Alberta. A ideia é coletar material e torná-lo acessível através de um portal comunitário. "Está lá para as gerações futuras", disse Jung. "Mas, no momento, não é de fácil manejo".

Falantes do beaver têm acesso a alguns registros de suas músicas e histórias online. Gary Oker, 49 anos, ex-chefe dos Dane-Zaa, disse que colocar gravações dos idosos online era parte de um projeto para tomar pontos de vistas tradicionais e torná-los parte do presente. Os jovens Dane-Zaa foram envolvidos em todo o processo, da produção das gravações até o uso delas como referência em escolas.

Apesar de ver sua língua se extinguindo, ele disse que, à medida que os jovens "documentavam a tradição oral de muitas formas", o contato os deixou "mais orgulhosos de sua história e de quem eles são". As histórias, disse ele, os ajudaram a compreender sua identidade e sua relação com a terra.

Devido ao desenvolvimento das indústrias de petróleo e gás, disse Oker, "nosso ambiente está mudando tão rapidamente que precisamos capturar tudo o mais rápido possível. Mesmo que a língua se perca, sustenta ele, "a sabedoria pode ser transmitida".

É claro, recursos online só são úteis para comunidades com acesso à internet. As outras, como os kim, ainda exigem a impressão de livros, e que as gravações sejam copiadas a CDs ou fitas.

Mais promissores são os programas que disponibilizam dicionários eletrônicos em telefones celulares. James McElvenny, linguista da Universidade de Sydney, liderou o desenvolvimento de um software para ajudar a reviver línguas que estão desaparecendo. McElvenny tem trabalhado com grupos aborígenes, como os dharugs, de Sydney, para trazer aos estudantes, muitos deles menores de 16 anos, uma referência portátil que oferece uma definição e o som das palavras que não são mais faladas, pois o dharug é um idioma morto.

"Muitos dos membros antigos são tecnofóbicos", disse ele, "mas os garotos realmente estão se envolvendo nisso".

Para o kim, esses esforços podem ter aparecido tarde demais. Uma língua, assim como uma pessoa, geralmente envelhece antes de morrer. Quatro pessoas morreram desde o início do projeto de Childs, e os 20 falantes fluentes do kim têm todos mais de 60 anos.

"As pessoas de hoje não falam o kim, pois os pais deles não falavam kim com eles", disse Fasia Kohlia, uma das melhores falantes do idioma. "Os pais costumavam chamar seus filhos para amamentação em kim - 'kun moga, kun moga, kun moga'", disse ela. Porém, quando ela teve filhos, ela os chamava em mende.

Tradução: Gabriela d'Avila