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Roubar na infância não faz da criança um marginal

Perri Klass*<br>The New York Times

19/08/2009 16h37

Quando um pai preocupado me questionou sobre uma criança que tinha roubado um objeto, eu já tinha respostas - pois eu mesmo já fui um pai preocupado e já questionei um pediatra sobre o assunto.

Em casa, passamos pelo processo comum, mas eu não tinha ideia do quanto aquilo era normal. Primeiro, o questionamento casual, do pai para a mãe (ou vice-versa): Você por acaso tirou dinheiro da minha carteira? Depois, o pequeno maço de dinheiro é encontrado acidentalmente no quarto da criança de 7 anos de idade. A preocupação, o questionamento, a dúvida: Como lidamos com isso? O que isso significa? Isso nos diz algo que não queremos saber sobre o caráter do nosso filho? Sobre nós mesmos? Há realmente algo de errado?

"A maioria das crianças rouba alguma coisa em algum momento", disse Dra. Barbara Howard, num tom positivo. Howard é professora assistente de pediatria da Faculdade de Medicina Johns Hopkins. Alguns anos depois da minha própria crise familiar, eu participei de uma palestra educativa dada por ela para pediatras, sobre comportamento e desenvolvimento. O ato de roubar foi abordado, sem rodeios, junto com problemas de sono, ataques de raiva e tudo mais.

Uma criança de 2 anos que pega algo, disse ela, provavelmente será descrita como "uma criança que não sabe partilhar", não como "ladra", pelo menos por um pai ou mãe com um senso razoável de desenvolvimento infantil. Eu vejo, eu quero, pego, e é meu. Estabelecer limites é uma parte importante dos cuidados a crianças dessa idade. Não, nem tudo que você quer pode ser seu.

Mas e crianças um pouco mais velhas, de 5, 6 ou 7 anos, que claramente conhecem as regras e pegam algo de um coleguinha, da sala de aula ou até mesmo de uma loja - aquela criança que se esforça para esconder os ganhos desonestos e, quando confrontada, talvez negue tudo categoricamente?

Novamente, isso é extremamente comum. Tive uma paciente de 6 anos de idade, cuja mãe chorou enquanto pronunciava a palavra "roubo" na frente da filha. A menina tinha saído de uma loja levando um acessório de cabelo ou algo do tipo. Eu vejo, eu quero, eu pego. No entanto, no aspecto do desenvolvimento, existe algo mais complexo acontecendo.

"A fase seguinte é de testes", disse Howard. "As crianças estão tentando descobrir o que acontece se elas forem flagradas, e um dos maiores problemas é se elas não forem pegas. Elas vão descobrir quais são as regras, mas se ninguém as flagra e diz 'Isso é errado, você tem de devolver ou pagar por isso', elas não têm a sensação de estarem sendo realmente supervisionadas."

Dr. Martin T. Stein, outro especialista em comportamento e desenvolvimento, e professor de pediatria da Universidade da Califórnia, em San Diego, e do Hospital Infantil de Rady, usou a frase preferida de um pediatra para falar das crianças de 5 a 8 anos que roubam: "É um momento que nos ensina algo", disse ele.

É sua vez, como pai ou mãe, de falar sobre padrões e comportamento ético, e de tornar esses conceitos reais ao exigir que a criança peça desculpas e devolva o objeto, ou faça uma restituição. "É realmente uma grande oportunidade," disse Stein, "e traz a mensagem de que esse não é um comportamento adequado, que não vamos tolerá-lo".

Mais preocupante ainda é uma criança que rouba por motivos aquisitivos menos óbvios. Um acessório de cabelo que ela deseja brilhante em seu penteado, ou o brinquedo de outra criança que ela inveja - esse tipo de roubo, apesar de ser necessário discuti-lo e corrigi-lo, é menos problemático que o chamado roubo simbólico.

Uma criança com raiva pode roubar um objeto querido por outra pessoa e destruí-lo - jogar uma bijuteria da mamãe no vaso e dar descarga, ou tocar fogo num projeto escolar especial de um irmão ou irmã. Uma criança preocupada com o desempenho escolar pode roubar algo do coleguinha brilhante da turma.

Uma criança que continua pegando coisas dos outros tem problemas. Quando ela cresce, tudo isso se torna mais sério. Se uma criança do ensino fundamental já rouba dinheiro, você deve se preocupar com drogas, álcool e outras influências negativas na vida daquela criança.

E um comportamento realmente antissocial? O roubo de uma criança pequena não é, de forma nenhuma, equivalente a um comportamento incendiário, tortura de animais ou qualquer outra perspectiva aterrorizante que passa pela cabeça de alguns pais naquele primeiro momento do "vi você pegando algo da loja". Por outro lado, um padrão de roubo sem nenhuma demonstração de remorso pode sinalizar um problema sério - e essa criança precisa de ajuda imediata.

Contudo, a maioria dos pais de crianças pequenas podem ficar seguros de que roubar é um comportamento bem rotineiro. "É incomum que uma criança atravesse toda a infância sem nunca roubar nada, mesmo que os pais não saibam", disse Stein.

Se você flagrar a situação, diz Howard, não deve fazer o que alguns pais fazem, correr para organizar uma "turnê terrorista" num centro de correção disciplinar, para mostrar ao seu filho de 7 anos onde termina uma vida criminosa.

"Eles precisam ser abordados, pagar o que devem e pedir desculpas", disse ela, "mas não devem ser levados a um centro de correção ou tratados como se estivessem pré-determinados a serem criminosos".

Então, cabe a você - pai ou mãe - encontrar o melhor equilíbrio. "Muitas vezes, o pai ou a mãe está envergonhado ou humilhado, eles não querem dizer a qualquer um que seu filho roubou", disse Howards. "Fazer demais ou de menos, ambos podem ser ruim".

Quando encontramos o dinheiro roubado, questionei meu pediatra. Ele me disse, gentilmente, que aquilo era comum. Leve a sério, disse ele, fale das consequências, exija um pedido de desculpas, mas não aja como se você achasse que seu filho é um marginal.

Foi exatamente isso que eu disse para o primeiro pai que me questionou sobre roubo na sala de exame - e para todos os pais e mães que vieram depois.

*Perri Class é médico

Tradução: Gabriela d'Avila