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Pesquisador usa computadores para solucionar a verdadeira complexidade das doenças

David Ewing Duncan<br>The New York Times

01/09/2009 13h28

Por mais de uma década, Eric Schadt era um dos poucos cientistas misturando matemática, biologia e supercomputadores para buscar uma nova compreensão da biologia humana - uma capaz de sugerir que os mecanismos das doenças humanas são muito mais complexos do que se imaginava.

Diretor científico da Pacific Biosystems, na Califórnia, Schadt, 44, é conhecido por encontrar soluções não-ortodoxas a problemas. E por usar shorts, sandálias e camisas pólo amarrotadas até mesmo em reuniões de negócios.

Padilla/The New York Times
Eric Schadt (na foto, em seu laboratório em Menlo Park, na Califórnia) é um dos poucos cientistas que mistura matemática, biologia e supercomputadores
UOL CIÊNCIA E SAÚDE
Quando ele e outros cientistas de seu campo iniciaram o trabalho, biólogos acreditavam que doenças comuns, como câncer e problemas cardíacos, poderiam ser descritas identificando-se uma causa - talvez um gene errante - e tratando-a com um remédio focado naquele gene, ou, mais provavelmente, a proteína que o gene produziria.

Alguns dos medicamentos desenvolvidos dessa forma, como Herceptin, para câncer de mama, e remédios antiretrovirais, para tratar a AIDS, foram de grande sucesso. No entanto, esse método vacilou. Dos remédios testados em experimentos clínicos humanos, 89% fracassam, geralmente graças a efeitos colaterais não-previstos, de acordo com um estudo de 2004 publicado na revista especializada Nature Reviews.

O problema não é uma surpresa para Schadt. "Acontece que doenças comuns envolvem milhares de genes e proteínas interagindo em complexos caminhos", explicou.

Em 2003, Schadt foi notado pela primeira vez como coautor de um artigo, publicado na revista americana Nature, articulando a necessidade de se ultrapassar o impacto de genes individuais em doenças, e da criação de modelos computadorizados de doenças - que incluíam a interação de genes e proteínas.

Ele seguiu em frente: criou alguns desses modelos em detalhes, para reportar em projetos-piloto de diabetes e doenças cardíacas, analisando em pacientes reais a complicada série de interações bioquímicas que, juntas, formavam uma passagem metabólica implicada numa doença. Os resultados de seu trabalho ofereciam novas possibilidades para o desenvolvimento de remédios para o tratamento e testes diagnósticos para a previsão de fatores de risco.

Schadt ajudou a dar energia ao crescente campo de biologia de sistemas, desenvolvido e patrocinado por pesquisadores que incluem Lee Hood, fundador e presidente do Instituto de Biologia de Sistemas, em Seattle; George Church, geneticista da Escola de Medicina de Harvard; e Steven Friend, geneticista, diretor da organização sem fins lucrativos Sage Bionetworks, em Seattle, e colega de longa data de Schadt, além de coautor de muitos estudos importantes.

"Ele possui a habilidade de pegar o que todo mundo sabe e pensar sobre isso de forma inovadora", disse Hood. "Ele é excepcional em pensar com a mente aberta".

Schadt é um homem intenso e caloroso, cujo guarda-roupa casual se tornou lenda nas salas de aula. Foi criado na pequena cidade de Stevensville, em Michigan, numa família da classe trabalhadora que, segundo ele, tinha pouco interesse na ciência ou na educação superior.

Após o colegial, alistou-se na Aeronáutica e foi designado para uma unidade especial de resgate. "Eu nunca teria conhecido a biologia ou a matemática, se não fosse um acidente", disse ele.

Enquanto descia um penhasco fazendo rapel, ele deslocou gravemente o ombro, o que o obrigou a deixar sua unidade. Como suas notas em testes de aptidão e inteligência eram muito altas, a Aeronáutica o enviou à Universidade Estadual Politécnica da Califórnia, em San Luis Obispo. Lá, ele logo descobriu a matemática e a genética, antes de obter um doutorado em biomatemática na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.
"Meu histórico nada convencional me torna uma pessoa não-convencional", diz Schadt. "Não gosto que me digam como fazer as coisas".

De 1999 até o mês passado, Schadt trabalhou como chefe de genética e bioinformática para a Rosetta Inpharmatics, uma empresa instalada em Seattle.

Fundada em 1996 por Hood, Friend e o biólogo ganhador do Nobel Lee Hartwell, a Rosetta foi comprada pela gigante farmacêutica Merck, em 2001, por US$ 620 milhões. Na Merck, a equipe da Rosetta recebeu recursos além daqueles geralmente disponíveis no ambiente acadêmico, explica Schadt.

Rosetta construiu um dos supercomputadores mais rápidos da indústria de medicamentos, executando 16 trilhões de cálculos por segundo. Os pesquisadores também desenvolveram chips especializados em sequenciar e analisar tecidos de todo o corpo.

"A Merck colocou toneladas de dinheiro nisso", diz Schadt.
Peter Kim, presidente do Laboratório de Pesquisas da Merck, disse que "o investimento valeu a pena para nós".

Hoje, a empresa tem em experimentos clínicos oito medicamentos que surgiram da plataforma Rosetta, disse Kim, além de mais de uma dúzia em testes pré-clínicos. Ele se recusou a oferecer detalhes dos custos dos remédios candidatos.

Kim disse que a Merck estava desenvolvendo alguns remédios para câncer que seriam direcionados a diversas subpopulações de pacientes, ao invés da abordagem "tamanho único", hoje uma marca registrada das companhias farmacêuticas modernas. "Vamos focar redes e caminhos específicos", disse.

Apesar do sucesso de Schadt, a Merck se separou da Rosetta neste verão e está fechando a instalação de pesquisa de Seattle, como parte de um plano de corte de 7.200 empregos. Porém, a Merck está doando dados, pesquisas e hardware da Rosetta à Sage Bionetworks, uma organização sem fins lucrativos fundada no último verão por Schadt e Friend, o cofundador da Rosetta, que recentemente deixou a vice-presidência da pesquisa de câncer na Merck. A nova empresa também recebeu uma doação anônima de US$ 5 milhões.

Friend, que está trabalhando em tempo integral para a Sage, quer seguir com o trabalho da Rosetta de modelar sistemas altamente complexos, ao adotar um modelo de código livre como aquele usado em softwares - onde milhares de pessoas de todo o mundo trabalham em conjunto numa rede aberta.

Para a biologia, a ideia é conectar cientistas e enormes bancos de dados em tudo, de caminhos genéticos a registros de pacientes. "A complexidade da biologia humana é simplesmente grande demais para funcionar numa única empresa", disse Friend. "Precisamos de uma abordagem de provedor, como o Twitter - que define uma plataforma, é administrado por algumas pessoas e conta com a contribuição de bilhões delas".

Segundo Church, o geneticista de Harvard, "A ideia da Sage e do código livre é fantástica, mas perder os recursos da Merck pode ser uma perda líquida para a ciência, ao menos no curto prazo".

Quando Schadt deixou a Merck, no mês passado, ele assumiu dois empregos - como codiretor da Sage ao lado de Friend, e como diretor de tecnologia da Pacific Biosystems, empresa fundada em 2004.

Ele foi atraído pelo inovador uso de nanotecnologia e lasers para sequenciar o DNA e outras moléculas. "É como o melhor microscópio do mundo para leituras precisas do DNA", diz Schadt, que conduzirá esforços para analisar dados da Pacific Biosystems esperados para o próximo ano.
"O que Eric está fazendo tem um lado controverso", disse o Dr. Eric Topol, cardiologista e diretor do Scripps Translational Science Institute, em San Diego. "Primeiro, será que vai funcionar? Além disso, ainda podemos descobrir que alguns dos marcadores genéticos únicos são, na verdade, poderosos indicadores prognósticos para doenças".

Porém, segundo Schadt, "Tudo se resume a aprender a ligar os pontos - montes e montes de pontos".

Tradução: Pedro Kuyumjian